quarta-feira, 17 de junho de 2015
Ecologizar as religiões
Padres e bispos, pastores, pais e mães de santo, rabinos, monges, médiuns, gurus, mestres espirituais, líderes religiosos de todas e de cada uma das tradições de sabedoria influenciam as mentes e as atitudes de seus liderados. Eles são milhões em todo o mundo, com bilhões de seguidores. São ouvidos, suas vozes são respeitadas. Transmitem, de geração para geração, valores e princípios de comportamento. Codificam princípios éticos e obtêm a adesão voluntária de seus seguidores. Transmitem conhecimentos, com impacto sobre o estilo de vida daqueles que a elas aderem. Formam a cosmovisão e moldam o imaginário individual e grupal, influenciam hábitos alimentares e de consumo em geral, bem como a vida pessoal e as ações profissionais. Quando propõem mudanças de valores, estilos de vida e padrões de consumo podem ajudar a lidar com o colapso climático e ambiental.
Na sociedade contemporânea, várias fontes influenciam a consciência das pessoas: desde os meios de comunicação de massa, com seus apelos consumistas, até as escolas, as organizações sociais, as famílias, os ambientes de trabalho e também as religiões. As religiões são fatos antropológicos que geram intensa energia individual e social e que modelam comportamentos. Por um lado, podem produzir fanáticos fundamentalistas intolerantes. Por outro lado, podem ser veículos privilegiados para a disseminação da consciência ecológica. Ken Wilber constata no seu livro Espiritualidade Integral que a consciência se manifesta em vários estágios: arcaicos, míticos, mágicos, racionais. As religiões reconhecem esses vários estágios da consciência e não os excluem. Nesse ponto diferem da ciência, racional, que descarta as versões infantis da consciência e “adota apenas os resultados mais recentes do momento”. A consciência racional da era moderna e pós-moderna rejeita crenças e mitos e não abre espaço para eles, o que na visão de Ken Wilber, produziria reações como as dos terroristas e militantes fundamentalistas. Cada um desses estágios é como uma estação num caminho. As pessoas estacionam em algum deles antes de avançar para o seguinte. “As primeiras estações - arcaico para mágico e até mítico – envolvem estágios que, todavia, são aqueles que a vanguarda da humanidade vivenciou em seus primórdios da vida, na infância e na adolescência.” Ele afirma que a religião “é a única instituição com permissão para sancionar estágios que a humanidade atravessou nos seus primórdios, agora codificados em suas versões do nível mítico de sua mensagem espiritual.” Ele diz a religião dá legitimidade aos mitos criados no passado e que são significativos para os cerca de 70% da população mundial que vivem nesses estágios mágicos ou míticos.
Ele constata que a religião funciona como uma esteira transportadora de um estágio de consciência para outros. Ken Wilber observa que “quanto antes as tradições espirituais começarem a oferecer estágios e estados superiores, mais cedo a religião poderá assumir seu novo papel no mundo moderno e pós-moderno: o papel de grande esteira transportadora da humanidade em geral.”
Pensadores e cientistas na vanguarda reconhecem o potencial das tradições espirituais para contribuir na formação da consciência ecológica. Diz James Lovelock, em A vingança de Gaia que (2006, p. 132) “Meu desejo há muito tempo é que as religiões e os humanistas seculares se voltem para o conceito de Gaia e reconheçam que os direitos e necessidades humanos não são suficientes. Os religiosos poderiam aceitar a Terra como parte da criação de Deus, protegendo-a da profanação.” Entretanto o próprio Lovelock (2006, p. 131) constata as limitações das religiões ao observar que “Os fundadores das grandes religiões do judaísmo, cristianismo, islamismo, hinduísmo e budismo viveram em épocas quando éramos bem menos numerosos e vivíamos de um modo que não sobrecarregava a Terra.” E que “Nossas religiões ainda não nos deram as regras e orientações para o nosso relacionamento com Gaia. O conceito humanista de desenvolvimento sustentável e o conceito cristão de direção são maculados por uma arrogância inconsciente. Não dispomos do conhecimento nem da capacidade para atingi-los.”
Algumas tradições compreendem a espécie humana como parte da grande teia da vida, dependente da sobrevivência do mundo animal e vegetal. Podem ajudar a disseminar a consciência ecológica.
As religiões podem oferecer a seus praticantes a vivência de estados de consciência contemplativos e meditativos e, dessa forma, ajudá-los a ascender para estágios de consciência mais amplos.
A transmissão de mensagens e valores por meio das tradições espirituais é parte da aprendizagem ecológica. Em várias religiões, essa transmissão era feita por intermédio de imagens, mitos e histórias que, numa linguagem ao mesmo tempo forte e atraente, disseminaram as informações fundamentais para a sobrevivência autossustentada. A tradição iconográfica e pictórica, de forte impacto visual, que se desenvolveu nas antigas civilizações, alcançava essa totalidade de adequação entre forma e conteúdo, conduzindo informações de conteúdo ecológico codificadas em mitos religiosos.
A atual etapa da civilização exige valores pós-materialistas para que nossa espécie sobreviva. As religiões e tradições espirituais, se ecologizadas, poderiam contribuir para a consciência e as práticas ecológicas. A Encíclica do Papa Francisco divulgada em junho de 2015 é um passo positivo no sentido de ecologizar o catolicismo.
Ecologizar as religiões pode ser um caminho promissor para alcançar a transformação da consciência humana.
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