quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Hidratando o planejamento e a gestão local

O planejamento e a  gestão municipal da água incluem temas tais como os mananciais de superfície e subterrâneos, o sistema de abastecimento, o esgotamento sanitário, os resíduos sólidos, as inundações ribeirinhas agravadas pelas ilhas de calor sobre as
cidades, o uso do solo, os deslizamentos de encostas, a drenagem urbana.( Ver figura de autoria de  Tucci, C.E.M.).
A gestão do lixo é essencial, pois sua disposição inadequada agrava enchentes urbanas, ao entupir os sistemas de drenagem. Também prejudica a qualidade das águas superficiais e subterrâneas quando sua disposição final é feita em lixões. A gestão de resíduos exige ações de todos e, especialmente, um forte envolvimento das cidades e dos cidadãos.
Os cursos d’água têm leitos de vazante, leitos menores e leitos maiores que usam durante os períodos de chuvas intensas. Inundações e enchentes urbanas se agravam quando os espaços para a ocupação imobiliária e para o automóvel invadem as faixas ribeirinhas nos fundos de vales e são construídas avenidas “sanitárias”, que encaixotam os rios urbanos e tiram o espaço natural da água. A formação de ilhas de calor sobre as cidades aumenta a precipitação de chuva sobre elas e agrava as inundações urbanas.  Em Belo Horizonte, pessoas já morreram afogadas dentro de seus veículos que trafegavam por uma avenida de fundo de vale no momento de uma súbita enchente.  Manter parques lineares ao longo dos fundos de vales é uma forma de reduzir riscos à vida das pessoas e prejuízos econômicos. No Japão esse tipo de cuidado é praticado no urbanismo. A enchente inunda áreas não edificadas e quando ela se vai retomam-se as atividades daquela área verde. A proteção da cobertura vegetal é uma forma de reduzir os riscos de deslizamentos de encostas, que mostram a força da água e as consequências trágicas da ocupação temerária do espaço. É também  um modo de trabalhar a favor da natureza  para que ela preste serviços valiosos de estocagem de água no subsolo. Os lagos, lagoas, reservatórios e açudes urbanos estão sujeitos aos efeitos do mau uso do solo na sua bacia de drenagem, à erosão dos solos, à falta de tratamento de esgotos e aos efeitos do descontrole no uso de detergentes, de agrotóxicos e defensivos agrícolas. A proliferação de algas nos açudes nordestinos ameaça o abastecimento urbano. 
A lagoa da Pampulha já perdeu mais de um terço de sua área original devido ao assoreamento causado pela expansão urbana em Contagem e em Belo Horizonte. Em Brasília, o Lago Paranoá também se assoreia com os sedimentos provenientes das áreas urbanizadas.
A água depende do que ocorre com o uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica. O uso do solo tem repercussões diretas sobre o ciclo da água, sobre o escoamento superficial e a drenagem, a infiltração da água nos solos e a qualidade das águas superficiais e subterrâneas. Quando áreas e mananciais que abastecem as cidades são ocupados, agravam-se as dificuldades de abastecimento de água e torna-se  necessário buscá-la mais distante, com o aumento dos seus custos para a população.
As limitações para o abastecimento de água tornam-se fator de restrição ao adensamento urbano, à ocupação do solo e à economia. Antes de se aprovar um novo loteamento ou parcelamento do solo para fins urbanos, é necessário saber como será o abastecimento de água para atender à futura demanda da sua  população. Restrições hídricas limitam as  atividades econômicas. A estimativa da capacidade de suporte ou de carga de um ambiente e do limite máximo a partir do qual se gera o estresse hídrico, ambiental e a insustentabilidade, tornam-se pré-requisitos para o planejamento e a gestão urbana. A gestão das águas usadas e seu tratamento, questões de drenagem e escoamento de águas superficiais são parte da hidroconsciência no urbanismo desde a concepção do projeto e
durante cada etapa de sua implementação.
De acordo com a Constituição brasileira, cuidar do uso e ocupação do solo é competência dos municípios, que atuam por meio de planos diretores, leis orgânicas municipais, leis de uso e ocupação do solo, leis de loteamento ou parcelamento. Também podem fazê-lo por meio da criação e implantação de unidades de conservação e áreas de propriedade pública direta. O município dispõe de competência para cuidar do uso e ocupação do solo urbano, suburbano e rural. A produção e distribuição de água envolve o uso do solo rural, onde ela é produzida e o uso do solo urbano, onde flui e é devolvida ao ambiente natural. Nos planos diretores, leis de uso e ocupação do solo e programas de expansão urbana é relevante cuidar para que haja áreas de recarga de aquíferos e de proteção de mananciais. Criar condições para estocar e reservar agua no subsolo, proteger mananciais são ações que dependem de um processo de ocupação do solo hidroconsciente.
Não se pode obrigar o município a cumprir determinações de outras escalas de governo, mas é possível induzir comportamentos hidroconscientes por meio de incentivos econômicos. Leis estaduais de ICMS ecológico estimularam municípios a priorizarem a criação e a manutenção de unidades de conservação (agenda verde), bem como o licenciamento de aterros sanitários e usinas de lixo (agenda marrom). Incentivos similares poderiam ser estendidos a municípios que disponham de plano de
ordenamento territorial hidroconscientes, que considerem a gestão das águas superficiais e subterrâneas, a drenagem e a recarga de aquíferos (agenda azul).
Relevante, ainda é difundir boas leis e normas que podem ser adotadas nas cidades brasileiras, hidratando também a legislação urbanística. Em resumo, resgatar o urbanismo de sua hidroalienação e hidratar o planejamento e a gestão urbanas são passos relevantes para se prover segurança hídrica às populações urbanas.





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