sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Hidratar a arquitetura




Maurício Andrés Ribeiro

Figura – Azulejaria portuguesa. Azulejos foram usados na arquitetura colonial brasileira.
A água condicionou historicamente a arquitetura e tem sua importância redobrada no contexto da adaptação  às mudanças climáticas.
Em climas úmidos protegiam-se as paredes exteriores  com beirais e varandas - que reduziam o desgaste causado pela água de chuva - ou com azulejos que protegiam paredes e fachadas.  O objetivo era evitar o contato excessivo da água com a edificação. A proteção interna contra umidade excessiva provê higiene e salubridade, evitando as doenças relacionadas com o ambiente interno úmido. Azulejos em  áreas úmidas como banheiros e cozinhas e a ventilação natural e entrada de luz solar são recursos valiosos.  
 
Telhados e coberturas protegiam o interior das casas das indesejáveis goteiras durante chuvas fortes. Para evitar que a água subisse por capilaridade pelas paredes as casas eram projetadas suspensas do solo. Em muitas partes, palafitas foram construídas sobre a água. No clima gelado do ártico os iglus dos esquimós  são casas feitas de água em estado sólido, o gelo que ali  ainda é abundante.
Figura– A água  presente nos jardins na arquitetura muçulmana. Taj Mahal. India.
Em climas secos e desérticos busca-se trazer umidade para o ambiente construído e melhorar o conforto ambiental. Na arquitetura árabe, fontes e lagos nos jardins umedecem o ambiente, provendo melhor conforto.
 
No planalto central brasileiro isso também é necessário. Nos ambientes interiores, umidificadores de ar são valiosos para melhorar o bem estar nos periodos secos. Em Brasília,  espelhos d’água umedecem o ambiente.
Figuras – Espelho d’água junto ao Museu Nacional- Brasília
 
 
No Japão rural, a relação com a água orienta a escolha de áreas para se  construir: evita-se a construção em declives onde há enxurradas fortes e evita-se construir nos fundos de vales úmidos e insalubres.
As águas usadas têm diferentes qualidades, identificadas por cores: as águas cinzas passaram pelo chuveiro e lavabo e podem ser reaproveitadas em usos que necessitam menor qualidade da água; águas negras passaram pelos vasos sanitários e podem ser diferenciadas: as águas amarelas  receberam urina e as águas marrons receberam fezes. Elas podem ser tratadas e reaproveitadas em usos menos exigentes. Projetos de casas autônomas  procuram fazer com que se  auto abasteçam de água. Biopiscinas são crescentemente usadas, com o tratamento biológico da água. Em ecovilas, sanitários secos e tratamento biológico de água são soluções adotadas


Em Belo Horizonte há mais de 3000 coletores  instalados  para aquecer a água com energia solar.
 


O abastecimento de água por gravidade é valioso em contextos rurais em que não há energia elétrica para o bombeamento. Quando escolheu o local para construir uma nova casa, meu tio fazendeiro estendeu uma mangueira desde o ponto de captação de água e localização exata da casa foi escolhida depois de verificar que a água ali chegava por gravidade, sem necessidade de bombeamento.
Em contextos urbanos modernos há relação entre gastos de água e de energia para seu aquecimento. Assim, nos apartamentos construídos há 50 anos no início de Brasília com aquecedor central, para a água quente chegar ao chuveiro, a torneira tem que ser aberta para deixar escorrer a água fria, com  desperdício.
O uso de torneiras automáticas e eletrônicas, aeradores, reguladores, restritores de vazão, dispersores em torneiras e chuveiros, vasos sanitários com duplo acionamento por descarga  permite reduzir o gasto de água e as despesas na conta de água.
Coletores solares para aquecer água  economizam na conta de energia e também reduzem o consumo de água, ao reduzirem as distâncias para a água chegar quente aos chuveiros.  Em novos projetos, esse é um recurso valioso.
A legislação de construções de Curitiba criou o programa de conservação e uso racional da água nas edificações. Ver http://cm-curitiba.jusbrasil.com.br/legislacao/340030/lei-10785-03 .  Isso reduz a conta de água a ser paga e reduz o volume de água que escorre nas enxurradas. A água de chuva coletada é usada para todos os usos não potáveis.
O arquiteto hidroconsciente pode atuar em várias frentes: ao conceber o projeto inicial de modo integrado com o projeto hidráulico e de uso de energia solar; ao especificar componentes da construção que economizem ou reusem água,  ao aproveitar água de chuva, ao lutar pela aprovação de legislação municipal de obras que induza a economia de água,  seu aproveitamento e reúso.



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