Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Tom Jobim
A perspectiva humanista, característica da modernidade, coloca no
centro a espécie humana, seus direitos, demandas e desejos. A visão humanista reflete a perspectiva do ser humano como o ápice
da evolução.
Na
perspectiva antropocêntrica a natureza é um objeto para ser usado e consumido,
com seus recursos minerais, vegetais e animais, atendendo aos desejos, à
demanda e à voracidade do ser humano e como
fonte de recursos para serem usados. A relação com essa coisa – a Terra objeto
- é objetiva, sem afeto, pragmática. A principal questão deixou de ser a do
sentido: o que significa? – para se tornar a da utilidade: para que serve? Que
serviços presta? Se é inútil e não serve para nada, não tem valor de uso.
Algumas tradições religiosas colocam o ser humano
como o coroamento da criação, com mandato para dominá-la. O historiador da
cultura Thomas Berry apontou suas
deficiências: “Tanto nossas tradições
religiosas como humanistas são primordialmente comprometidas com uma exaltação
antropocêntrica do humano.”
A perspectiva humanista tem sido crescentemente
questionada, diante da constatação de que nossa espécie tornou-se o grande
fator de pressão sobre a natureza e da devastação ao dizimar habitats, provocar
a extinção de espécies, mudar o clima.
James Lovelock, autor da teoria de Gaia, é crítico da visão humanista,
que teria levado a sobre-explorar o planeta e a precipitar a atual crise
ecológica e climática. Considera que “A humanidade, totalmente despreparada por suas tradições humanistas,
enfrenta seu maior teste”. Ele propõe que se priorize o
bem-estar e a saúde do planeta, Gaia, tendo em vista que sua existência
saudável é precondição para a vida humana e de todas as outras espécies.
A ecologia profunda, que tem abordagem distinta do
ambientalismo superficial, também rejeita o humanismo. Atribui os problemas ambientais ao
antropocentrismo, que procura preservar recursos para o uso pelo homem e não
pelo valor intrínseco da natureza. Propõe uma visão ecocêntrica, biocêntrica. Nessa perspectiva também se coloca o Movimento Anti-utilitarista nas Ciências Sociais – MAUSS que questiona a abordagem de
considerar a natureza a serviço do ser humano.
A
perspectiva utilitarista e pragmática confronta-se com limites éticos. O bom nem sempre é o útil, já apontava com
clareza Sri Aurobindo: “Há somente uma regra segura para o homem ético,
alinhar-se ao seu princípio do bem, seu instinto do bem, sua visão do bem, sua
intuição do bem, e governar assim sua conduta. Ele pode errar, mas estará no
seu caminho, a despeito de todos os tropeços, porque será fiel à lei de sua
natureza. A lei da natureza do ser ético é a busca do bem; não pode nunca ser a
busca de utilidade.”
O utilitarismo subestima o valor dos serviços ambientais, tais como
a regulação do clima, a produção de água e outros processos fundamentais para
sustentar a vida. Manter ecossistemas
intocados, espaços protegidos, templos naturais conservados é visto por aqueles
com visão utilitarista como uma absurda renuncia ao desenvolvimento econômico e
ao usufruto das riquezas naturais, a renúncia do ser humano à felicidade e ao
conforto material. Nas artes, a postura utilitarista que coisifica a natureza
levou a se associar a beleza à utilidade e a defender que o útil é o belo.
As respostas para a crise ecológica atual devem
estar à altura das dimensões épicas das transformações. Isso inclui uma mudança de perspectiva semelhante
àquela adotada por Copérnico, que demonstrou que o sol, e não a terra era o
centro do sistema. Galileu sofreu por demonstrar essa realidade. Somos mais
periféricos do que eles imaginavam, pois o sol é apenas uma estrela de quinta
grandeza situada na periferia de uma das milhões de galáxias no universo.
Migrar de um ângulo de visão antropocêntrico e
humanista para uma perspectiva Gaiacêntrica demanda humildade e desprendimento.
O Homo sapiens não é o fim da evolução, mas é um ser em transição, como
definiu Sri Aurobindo. Esse ser poderá ser sucedido por um ser trans-humano,
pós-humano ou, numa perspectiva ecológica, eco-humano: o homo ecologicus.
Nesse contexto, cabe desaprender conceitos e
visões de mundo, descondicionar a consciência de seu viés utilitarista e
fortalecer o valor da frugalidade. Cabe à educação transcender a perspectiva humanista e adotar
princípios e conteúdos que facilitem a transição para a era da evolução
consciente do planeta. Thomas Berry propõe um papel
para a educação: “O
objetivo da educação não é treinar pessoal para explorar a Terra, mas apoiar os
estudantes numa relação íntima com a Terra, e estabelecer um caminho mais
viável para o futuro.”
Para superar a atual crise ecológica e da evolução
cabe uma perspectiva pós-antropocêntrica. Nela, o ser humano ecologizado deixa de ser uma presença devastadora,
para tornar-se uma presença benigna diante do mundo natural. Ele pode tornar-se um gestor consciente da evolução da terra e de sua
própria evolução.
Nenhum comentário:
Postar um comentário