quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A importância do mito unificador e da meta unificadora




 Dispor de um projeto, meta ou mito unificador é um requisito para orientar as energias humanas num rumo convergente. Em alguns casos, projetos que buscam a unificação interna são essencialmente destrutivos e voltados para a dominação de outros povos, tais como as guerras. No sentido inverso apontam projetos de unificação política, como a experiência da União Europeia, de mudar o relacionamento anteriormente baseado em guerras ou em conquistas de colônias, para um relacionamento mais colaborativo.
No passado, foram realizados grandes projetos coletivos. Em Portugal no século XVI as navegações foram cuidadosamente planejadas pela Escola de Sagres. As catedrais, as pirâmides do Egito e a muralha da China mobilizaram vultosos recursos econômicos, humanos, tecnológicos. Foi necessário, durante décadas ou séculos, pagar a subsistência de cada trabalhador, financiar, arrecadar e investir recursos para que tais obras fossem realizadas com sucesso. Razões de segurança ou religiosas motivaram esses investimentos grandiosos. No século XX, a descida do homem na lua foi evento que mobilizou esforço e inteligência coletiva, sob o comando da NASA.
Um projeto unificador pode ser a construção de uma unidade política planetária. Edgar Morin em texto intitulado “O grande projeto” observa que “A fecundidade histórica do Estado-Nação hoje se esgotou. Os Estados-Nação são por si mesmos monstros paranoides incontroláveis, ainda mais sob ameaças mútuas. Uma primeira superação dos Estados-Nação não pode ser obtida senão por uma confederação que respeite as autonomias, suprimindo a onipotência. ” “Mas nós ainda estamos na "idade do ferro planetário": ainda que solidários, continuamos inimigos uns dos outros e a explosão dos ódios de raça, de religião, de ideologia, provoca sempre guerras, massacres, torturas, ódio e desprezo. ” (MORIN, 1988).
Um grande projeto político ainda por se realizar é a constituição de uma Federação Planetária que suceda a atual fase dos estados–nação e que avance em relação à Organização das Nações Unidas, da mesma forma como essa avançou em relação à Liga das Nações. Caminhar em direção a uma federação planetária ecologizada é um campo promissor, pois considera a Terra como unidade política básica à qual devem estar submetidos os interesses nacionais e regionais específicos. A ação em cada uma de suas partes – nações, estados, sociedades, cidades, empresas, indivíduos – se insere em um objetivo comum maior: a saúde do Planeta, da qual depende a saúde dos sistemas vivos e a própria vida humana.
Sri Aurobindo enfatizou a importância de se alcançar a unidade humana. No seu pensamento político e social, Sri Aurobindo postulou que os Estados-Nação não constituem a última etapa do desenvolvimento político humano e que a unidade econômica e administrativa do planeta seria necessária. Em O ideal da unidade humana, estudou os impérios e as nações, com sua formação e estágios de desenvolvimento; antecipou a unificação da Europa; abordou as possibilidades de um Império Mundial e as enormes dificuldades no caminho em direção à unidade internacional; tratou também dos princípios para uma confederação livre de nações e das condições necessárias para que ocorresse tal união mundial livre. A unidade humana estende-se aos domínios militar, econômico e administrativo. Ela respeita e valoriza a diversidade (AUROBINDO, 1970). A visão mundialista insere as propostas para a política numa visão cosmopolita da unidade humana, para além do patriotismo, dos interesses de clãs e tribos, étnicos ou nacionais.  Ela expressa a necessidade de unidade política humana e de uma cosmovisão ampliada para compreender os tempos em que vivemos. Insere a história humana no ciclo mais vasto da história natural. 
 Promover a Consiliência, proposta por E.O Wilson em seu livro que tem esse título, é uma forma de resgatar a unidade.  Duane Elgin propõe que se construam grandes narrativas inspiradoras capazes de comunicar com clareza o sentido e o rumo da evolução, de forma a produzir convergências de pensamentos e de ações. (ELGIN, 1993). Cosmovisões compartilhadas por milhões ou bilhões de pessoas magnetizam muitos cérebros individuais num mesmo rumo e direção. Imaginar um projeto unificador, ter determinação de mobilizar os recursos para colocá-lo em prática numa obra coletiva é um pré-requisito para lidar com a crise ecológica e climática planetária.
Diante da perspectiva de colapso da civilização humana e da percepção dos limites da capacidade de suporte do planeta, a busca da segurança motiva uma construção coletiva de respostas.  Na atualidade, uma meta unificadora diante das mudanças climáticas é a de manter a temperatura do planeta com um aquecimento limitado, para que eventos climáticos extremos não coloquem em risco a segurança da civilização humana e a economia.
Thomas Berry, ao estudar a história do universo, propõe uma grande obra coletiva de transitar dessa fase terminal da era cenozoica (a era dos mamíferos) para uma era em que exercitemos nossa capacidade de sustentar o mundo natural para que o mundo natural possa nos sustentar, num processo de sustentabilidade recíproca.. Thomas Berry assim definiu a grande obra unificadora: “Nosso próprio papel especial, que vamos passar a nossos filhos, é o de gerenciar a árdua transição de uma era Cenozoica terminal para a Era Ecozoica emergente, na qual os humanos estarão presentes no planeta como membros participantes de uma comunidade Terrena compreensiva. Esse é a nossa Grande Obra e a Obra de nossos filhos. ” (BERRY, 1999).
De nossa parte, preferimos denominá-la a Era Noológica, a era da consciência, mas a ideia é similar: realçar a importância de um mito ou meta unificadora que nos mostre o rumo em direção ao qual caminhar.


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