Dispor de um projeto, meta ou mito
unificador é um requisito para orientar as energias humanas num rumo
convergente. Em alguns casos, projetos que buscam a unificação interna são
essencialmente destrutivos e voltados para a dominação de outros povos, tais como
as guerras. No sentido inverso apontam projetos de unificação política, como a
experiência da União Europeia, de mudar o relacionamento anteriormente baseado
em guerras ou em conquistas de colônias, para um relacionamento mais
colaborativo.
No passado, foram realizados grandes projetos coletivos. Em
Portugal no século XVI as navegações foram cuidadosamente planejadas pela
Escola de Sagres. As catedrais, as pirâmides do Egito e a muralha da China
mobilizaram vultosos recursos econômicos, humanos, tecnológicos. Foi
necessário, durante décadas ou séculos, pagar a subsistência de cada
trabalhador, financiar, arrecadar e investir recursos para que tais obras
fossem realizadas com sucesso. Razões de segurança ou religiosas motivaram
esses investimentos grandiosos. No século XX, a descida do homem na lua foi evento que
mobilizou esforço e inteligência coletiva, sob o comando da NASA.
Um projeto unificador pode ser a
construção de uma unidade política planetária. Edgar Morin em texto intitulado
“O grande projeto” observa que “A fecundidade histórica do Estado-Nação hoje se
esgotou. Os Estados-Nação são por si mesmos monstros paranoides incontroláveis,
ainda mais sob ameaças mútuas. Uma primeira superação dos Estados-Nação não
pode ser obtida senão por uma confederação que respeite as autonomias,
suprimindo a onipotência. ” “Mas nós ainda estamos na "idade do ferro
planetário": ainda que solidários, continuamos inimigos uns dos outros e a
explosão dos ódios de raça, de religião, de ideologia, provoca sempre guerras,
massacres, torturas, ódio e desprezo. ” (MORIN, 1988).
Um grande projeto político ainda
por se realizar é a constituição de uma Federação Planetária que suceda a atual
fase dos estados–nação e que avance em relação à Organização das Nações Unidas,
da mesma forma como essa avançou em relação à Liga das Nações. Caminhar em
direção a uma federação planetária ecologizada é um campo promissor, pois
considera a Terra como unidade política básica à qual devem estar submetidos os
interesses nacionais e regionais específicos. A ação em cada uma de suas partes
– nações, estados, sociedades, cidades, empresas, indivíduos – se insere em um
objetivo comum maior: a saúde do Planeta, da qual depende a saúde dos sistemas
vivos e a própria vida humana.
Sri Aurobindo enfatizou a
importância de se alcançar a unidade humana. No seu pensamento político e
social, Sri Aurobindo postulou que os Estados-Nação não constituem a última
etapa do desenvolvimento político humano e que a unidade econômica e
administrativa do planeta seria necessária. Em O ideal da unidade humana,
estudou os impérios e as nações, com sua formação e estágios de
desenvolvimento; antecipou a unificação da Europa; abordou as possibilidades de
um Império Mundial e as enormes dificuldades no caminho em direção à unidade
internacional; tratou também dos princípios para uma confederação livre de nações
e das condições necessárias para que ocorresse tal união mundial livre. A
unidade humana estende-se aos domínios militar, econômico e administrativo. Ela
respeita e valoriza a diversidade (AUROBINDO, 1970). A visão mundialista insere
as propostas para a política numa visão cosmopolita da unidade humana, para
além do patriotismo, dos interesses de clãs e tribos, étnicos ou
nacionais. Ela expressa a necessidade de
unidade política humana e de uma cosmovisão ampliada para compreender os tempos
em que vivemos. Insere a história humana no ciclo mais vasto da história
natural.
Promover a Consiliência,
proposta por E.O Wilson em seu livro que tem esse título, é uma forma de
resgatar a unidade. Duane Elgin propõe que se construam grandes narrativas inspiradoras
capazes de comunicar com clareza o sentido e o rumo da evolução, de forma a
produzir convergências de pensamentos e de ações. (ELGIN, 1993). Cosmovisões compartilhadas por milhões ou bilhões
de pessoas magnetizam muitos cérebros individuais num mesmo rumo e direção. Imaginar um projeto unificador, ter determinação
de mobilizar os recursos para colocá-lo em prática numa obra coletiva é um
pré-requisito para lidar com a crise ecológica e climática planetária.
Diante da perspectiva de colapso da
civilização humana e da percepção dos limites da capacidade de suporte do
planeta, a busca da segurança motiva uma construção coletiva de respostas. Na atualidade, uma meta unificadora diante das mudanças
climáticas é a de manter a temperatura do planeta com um aquecimento limitado,
para que eventos climáticos extremos não coloquem em risco a segurança da civilização
humana e a economia.
Thomas Berry, ao estudar a história
do universo, propõe uma grande obra coletiva de transitar dessa fase terminal
da era cenozoica (a era dos mamíferos) para uma era em que exercitemos nossa
capacidade de sustentar o mundo natural para que o mundo natural possa nos
sustentar, num processo de sustentabilidade recíproca.. Thomas Berry assim
definiu a grande obra unificadora: “Nosso próprio papel especial, que vamos
passar a nossos filhos, é o de gerenciar a árdua transição de uma era Cenozoica
terminal para a Era Ecozoica emergente, na qual os humanos estarão presentes no
planeta como membros participantes de uma comunidade Terrena compreensiva. Esse
é a nossa Grande Obra e a Obra de nossos filhos. ” (BERRY, 1999).
De nossa parte, preferimos
denominá-la a Era Noológica, a era da consciência, mas a
ideia é similar: realçar a importância de um mito ou meta unificadora que nos
mostre o rumo em direção ao qual caminhar.
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