Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Tom Jobim
A perspectiva
humanista, característica da modernidade, coloca no centro a espécie humana,
seus direitos, demandas e desejos. A visão humanista reflete a perspectiva do ser
humano como o ápice da evolução.
Nesta
perspectiva a natureza é um objeto e fonte
de recursos para serem usados e consumidos, com seus recursos minerais,
sua água, os vegetais e animais, atendendo aos desejos, à demanda e à
voracidade do ser humano. A relação com essa coisa –
a Terra objeto - é objetiva, sem afeto, pragmática. Nesse tipo de relação, a
principal questão deixa de ser a do sentido: o que significa? – para se tornar
a da utilidade: para que serve? Que serviços presta? Se é inútil e não serve
para nada, não tem valor de uso.
Algumas tradições religiosas colocam também o ser
humano como o coroamento da criação, com mandato para dominá-la. O historiador
da cultura Thomas Berry apontou suas
deficiências: “Tanto nossas tradições religiosas
como humanistas são primordialmente comprometidas com uma exaltação
antropocêntrica do humano.”
A perspectiva humanista tem sido crescentemente
questionada, diante da constatação de que nossa espécie tornou-se o grande
fator de pressão sobre a natureza e da devastação ao dizimar habitats, provocar
a extinção de espécies, mudar o clima.
O Mar de Aral em 1989 e em 2008. Ele secou como resultado de projetos de produção agricola que sobreutilizaram a água. Figura: Wikipedia. |
James Lovelock, autor da teoria de Gaia, é crítico da visão humanista,
que teria levado a sobre-explorar o planeta e a precipitar a atual crise hídrica,
ecológica e climática. Considera que “A humanidade, totalmente despreparada por suas tradições humanistas,
enfrenta seu maior teste”. Ele propõe que se priorize o
bem-estar e a saúde do planeta, Gaia, tendo em vista que sua existência
saudável é precondição para a vida humana e de todas as outras espécies.
A ecologia profunda, que tem abordagem distinta do
ambientalismo superficial, também rejeita o humanismo. Atribui os problemas ambientais ao
antropocentrismo, que procura preservar recursos para o uso pelo homem e não
pelo valor intrínseco da natureza. Propõe uma visão ecocêntrica, hidrocêntrica.
Nessa perspectiva também se coloca o Movimento Anti-utilitarista nas Ciências Sociais – MAUSS que questiona a abordagem de
considerar a natureza a serviço do ser humano.
A
perspectiva utilitarista e pragmática confronta-se com limites éticos. O bom nem sempre é o útil, já apontava com
clareza Sri Aurobindo: “Há somente uma regra segura para o homem ético,
alinhar-se ao seu princípio do bem, seu instinto do bem, sua visão do bem, sua
intuição do bem, e governar assim sua conduta. Ele pode errar, mas estará no
seu caminho, a despeito de todos os tropeços, porque será fiel à lei de sua
natureza. A lei da natureza do ser ético é a busca do bem; não pode nunca ser a
busca de utilidade.”
O utilitarismo subestima o valor dos ´serviços ambientais´
prestados gratuitamente pela natureza, tais como a regulação do clima, a
produção de água e outros processos fundamentais para sustentar a vida. Manter ecossistemas intocados, espaços protegidos,
templos naturais conservados é visto por aqueles com visão utilitarista como
uma absurda renuncia ao desenvolvimento econômico e ao usufruto das riquezas
naturais, a renúncia do ser humano à felicidade e ao conforto material. Nas
artes, a postura utilitarista que coisifica a natureza levou a se associar a
beleza à utilidade e a defender que o útil é o belo.
As respostas para a crise ecológica atual devem
estar à altura das dimensões épicas das transformações pelas quais passa o
planeta. Isso inclui uma mudança de
perspectiva semelhante àquela adotada por Copérnico, que demonstrou que o sol,
e não a terra era o centro do sistema. Galileu sofreu por demonstrar essa
realidade. Somos mais periféricos do que eles imaginavam, pois o sol é apenas
uma estrela de quinta grandeza situada na periferia de uma das milhões de
galáxias no universo.
Transcendendo perspectiva utilitarista, o homo ecologicus pode vir a tornar-se uma presença benigna para a saúde de Gaia, que é um oásis no deserto do sistema solar. |
Migrar de um ângulo de visão antropocêntrico e
humanista para uma perspectiva Gaiacêntrica, que coloca como ponto de partida a
saúde do planeta, demanda humildade e desprendimento.
O Homo sapiens não é o fim da evolução, mas é um ser em transição, como
definiu Sri Aurobindo. Esse ser poderá ser sucedido por um ser
trans-humano, pós-humano ou, numa perspectiva ecológica, eco-humano: o homo ecologicus.
Nesse contexto, cabe desaprender conceitos e
visões de mundo, descondicionar a consciência de seu viés utilitarista e
fortalecer o valor da frugalidade. Cabe à educação transcender a perspectiva humanista e adotar
princípios e conteúdos que facilitem a transição para a era da evolução
consciente do planeta. Thomas Berry propõe um papel
para a educação: “O
objetivo da educação não é treinar pessoal para explorar a Terra, mas apoiar os
estudantes numa relação íntima com a Terra e estabelecer um caminho mais viável
para o futuro.”
Para superar a atual crise hídrica, ecológica, climática e da evolução
cabe uma perspectiva pós-antropocêntrica. Nela, o ser humano ecologizado deixa de ser uma presença devastadora,
para tornar-se uma presença benigna diante do mundo natural. Ele pode tornar-se um gestor consciente da evolução da Terra e de sua
própria evolução.
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