sexta-feira, 4 de maio de 2018

Indianizando a universidade



Maurício Andrés Ribeiro (*)

O Centro de Estudos Indianos da UFMG promoveu em fevereiro de 2014 uma jornada sobre a cooperação acadêmica Brasil-Índia no século XXI. O evento foi prestigiado pelo Reitor da UFMG, o embaixador da Índia no Brasil, autoridades universitárias, pesquisadores e professores indianos e brasileiros de vários campos do conhecimento. Houve sessões sobre cultura e filosofia, ciência e tecnologia; desenvolvimento e sustentabilidade. Ao final, um workshop  resultou em propostas para  fortalecer o Centro de Estudos Indianos, incrementar relações com centros similares  na Paraíba e no Rio de Janeiro, criar  rede de contatos e comunicação, envolver empresas e governos como parceiros. Será organizado um banco de dados com a memória dos principais encontros acadêmicos e missões oficiais, de modo a não reinventar a roda e a aproveitar os acúmulos existentes; será enriquecida a biblioteca e serão buscadas fontes de recursos para viabilizar bolsas de estudo para estudantes brasileiros na Índia e para professores visitantes indianos no Brasil. Atividades triangulares Índia-Brasil-África do Sul serão intensificadas. Em atividades promovidas por outras unidades da universidade serão realizados eventos paralelos para explorar as possibilidades de intercâmbio Índia-Brasil.
A UFMG quer se internacionalizar, estudando melhor a China, a América Latina, a África, a Europa. Com a Índia, isso pode ser feito por meio de incentivos à vinda de professores indianos para lecionarem em universidades brasileiras, trazendo-nos a contribuição da excelência acadêmica existente naquele país. Isso também pode se realizar por meio de editais para pesquisas conjuntas e por meio da oferta de bolsas de estudo para pesquisadores brasileiros na Índia. Há 35 anos, fui pesquisador visitante em Bangalore, com uma bolsa do CNPq, tendo desenvolvido um estudo comparativo que resultou em livros e publicações[1]. A imersão durante um ano na Índia foi uma rica experiência, com benefícios práticos, pois o baixo custo de vida permite ao estudante viver na Índia com mais folga econômica do que em outros países.
Ao longo de sua história, o Brasil recebeu imigrantes europeus da Península Ibérica, Itália, Polônia, Alemanha, Armênia; recebeu negros escravos trazidos de diversas partes do continente africano; asiáticos da China, Japão, Coréia. A proximidade linguística e geográfica facilita o ir-e-vir entre latino-americanos, e a influência cultural e tecnológica americana está presente na economia e na comunicação de massa. O Brasil se europeizou com a descoberta pelos portugueses e se africanizou entre os séculos XVI e XVIII com o tráfico negreiro. Nesse período, se desindianizou com a matança dos índios. Ainda é dominante a influência da tradição ocidental judaico-cristã, que subjugou os índios e as sociedades pré-colombianas. Com a vinda de Dom João VI e a missão francesa, afrancesou-se. Nas migrações pós-escravatura, achinesou-se, italianizou-se, niponizou-se, incorporando o temperamento, a maneira e o estilo de cada um desses povos que formam o povo brasileiro.
Além de internacionalizar-se no século XXI, o Brasil precisa indianizar-se, trazendo o tempero desse país com o qual antigas relações no intercâmbio de espécies vegetais ( manga, coco, caju) e animais (o gado zebu de origem indiana), bem como no campo da cultura (yoga, tradições espirituais). Entretanto, tem poucas relações acadêmicas, no intercambio de ciência e tecnologia, nas experiências de desenvolvimento socioeconômico e político. Ao se indianizar, o país estará se abrasileirando de maneira mais plena, completando o cadinho de contribuições culturais que compõem a civilização brasileira.
A universidade brasileira é fortemente influenciada pela matriz de pensamento ocidental, europeia e norte americana.  Ela sustenta intelectualmente visões de mundo utilitaristas,  que têm por objetivo aprofundar o domínio do ser humano sobre a natureza. Essa visão antropocêntrica responde a demandas das corporações econômico-financeiras e do complexo industrial militar e tem consequências devastadoras. No contexto da crise ecológica e climática, a universidade pode promover melhor compreensão mútua  entre civilizações. A educação é um instrumento poderoso para o desenvolvimento da consciência humana e  a universidade apresenta potencial  para expandir a formação da consciência ecológica. 
A indianização da universidade pode se realizar a partir da crescente indianização de cada disciplina, departamento, faculdade e unidade de ensino bem como de todos e cada um dos campos do conhecimento.
A antiga  civilização indiana oferece pistas para uma humanidade ecologicamente amigável e apresenta riquezas imateriais: a resiliência social, a fraternidade, a frugalidade, a tolerância, a inteligência espiritual, a não violência, o dharma, o yoga, a meditação, a paciência, o respeito à diversidade. Corpo, mente e emoções, ciências, artes, tradições e visões de mundo, tudo pode ser indianizado.
A história  política no século XX dissolveu a esperança nos regimes que, a pretexto de alcançar a igualdade, sacrificaram a liberdade;  também se dissipou a ilusão de que os padrões de riqueza material dos países ocidentais são desejáveis; ao contrário, eles se mostram ecologicamente destrutivos e tem uma pesada pegada ecológica, predatória para o planeta.
No campo da sustentabilidade muito podemos aprender com a civilização indiana que se mostrou sustentável ao longo da história e que acumula um patrimônio de conhecimentos que se refletem na vida prática frugal, nos hábitos de consumo que levam a uma leve pegada ecológica, nos mitos em que se baseiam o imaginário coletivo e o individual. Poderíamos aprender com a “antropofagia” indiana, que soube ser resiliente e absorver o impacto da colonização europeia e de outras invasões. Brasil e Índia são as maiores nações tropicais da Terra e duas grandes democracias que prezam a liberdade. Da cultura indiana o Brasil pode absorver ensinamentos e sabedoria, bem como aliar-se numa nova inserção no mundo globalizado; da cultura brasileira a Índia pode absorver a vitalidade de uma nação jovem. 
(*) Autor de Ecologizar  www.ecologizar.com.br                ecologizar@gmail.com


[1] Entre outros, o livro Tesouros da Índia para a Civilização Sustentável. Editora Rona/Santa Rosa Bureau Cultural, Belo Horizonte, 2003.

Nenhum comentário: