quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

IMPACTOS AMBIENTAIS DA ATIVIDADE BÉLICA



                                                              Maurício Andrés Ribeiro (*)

    As atividades humanas produzem impactos sobre o clima, o ar, a água de superfície, o solo, a fauna e flora terrestre e aquática, o subsolo e a água subterrânea, a paisagem, o meio ambiente cultural e socioeconômico, efeitos sonoros. Causam impactos no ambiente a ação produtiva por meio da indústria, da mineração ou da agricultura; a ação individual ou coletiva, pública e privada e a ação militar.

A consciência ecológica ajudou a criar práticas de redução ou de minimização de impactos negativos. Leis foram aprovadas e instituições, estruturadas. Criaram-se procedimentos e ferramentas tais como a avaliação de riscos ambientais e o licenciamento ambiental, que contribuem para prevenir ou mitigar tais efeitos ambientais negativos.

Entretanto, tais cuidados ainda não foram estendidos à atividade humana potencialmente mais degradante e devastadora do ambiente: a atividade da guerra. Dentre todas, essa é a que tem a maior possibilidade de gerar consequências negativas e sofrimento para as pessoas e para o meio ambiente. “De uma maneira geral genocídio e ecocídio são gêmeos”, observa Ignacy Sachs.

As guerras  produzem vários impactos sobre componentes do ambiente natural, cultural e humano. (fig.) 

Figura- Efeitos ambientais da atividade bélica


O alto impacto ambiental negativo das guerras se apresenta em todo o ciclo de vida dos conflitos armados: da extração das matérias primas para a indústria de armamentos, passando pelo uso e aplicação desses equipamentos, até a sua disposição final, constituída pelos resíduos atômicos[1], químicos e bacteriológicos. Além disso, há as consequências funestas dos atos de terrorismo ou os impactos do uso de armas biológicas nas guerras convencionais, tais como na possível propagação intencional do botulismo, da varíola e do antraz ou no desmatamento ocasionado pelo napalm e outras armas de guerra. O urânio usado nas balas contamina o ambiente com radioatividade e dissemina o câncer e outras doenças. Contaminam-se os rios e perde-se o potencial de uso do solo com a  disseminação das minas terrestres, que mutilam pessoas e animais. O uso da bomba de nêutrons – a chamada “bomba capitalista”, porque destrói a população, mas preserva o patrimônio material - , é outro exemplo da destrutividade e do potencial de devastação ambiental causados pelas atividades bélicas.

O belicismo está na origem da pressão sobre os recursos naturais, transformados pelo complexo acadêmico-industrial-militar em artefatos bélicos de potencial destrutivo. Além disso, as atividades relacionadas à preparação e à realização das guerras – desde a extração de minerais para a produção dos armamentos e equipamentos bélicos, até a alimentação de tropas e  os eventos durante os conflitos emitem gases de efeito estufa e contribuem para os desequilíbrios climáticos. A organização que mais consome energia no mundo é o exército dos Estados Unidos, que gasta US$ 11 bilhões por ano. "No campo de batalha, 70% da tonelagem logística é consumida por combustíveis", observa Thomas Morehouse, do Instituto de Análise de Defesa.(matéria divulgada na Folha de São Paulo em 4-4-2007).

Proliferam hoje guerras regionais, guerras civis nacionais, atos de terrorismo como forma extrema de questionamento do poder político organizado, conflitos interindividuais e psicológicos.

   As guerras constituem a atividade humana com maiores impactos destrutivos sobre o ambiente natural, o ambiente construído e sobre a vida social e individual. Trata-se de atividade essencialmente destrutiva, brutal e cruel.

Um dos efeitos colaterais das guerras é a multiplicação de refugiados. Tendo perdido seus bens materiais e correndo o risco de perder a vida, as pessoas fogem. Luta ou fuga, são as reações diante de um perigo, e no caso das guerras,  a fuga é o modo de sobreviver.

Em entrevista na TV um menino sírio declarou que ele e seus compatriotas não querem ir para a Europa, eles querem permanecer na Síria, mas para isso é preciso acabar com a guerra.

Os impactos sociais, econômicos e culturais sobre outras sociedades e ambientes são expressivos e relevantes. Nesses outros ambientes, tentam-se criar barreiras à entrada dos refugiados e revelam-se os limites de hospitalidade e da solidariedade. Há impactos psicológicos em ex-combatentes, com estresse pós traumático e comportamentos antissociais.

O emprego da força e da violência tem, ainda, custos psicológicos e subjetivos nem sempre considerados, retardando ou prejudicando o desenvolvimento do ser humano integral devido ao ódio, aos ressentimentos e mágoas que se multiplicam. Os riscos psicológicos como traumas e psicoses, estão incluídos entre os principais riscos que a humanidade enfrenta.

Da mesma forma que as guerras, também o preparo bélico  requer exercícios com tiros, minas, mísseis e torpedos, que explodem, destroem vegetação e paisagens naturais, poluem o solo e as águas e deterioram o meio ambiente. Trata-se de atividades intrinsecamente destrutivas e cujo objetivo é a destruição, que inclui a devastação e a degradação do meio ambiente.

As sociedades que cultivam a cultura da paz e que evitam envolver-se na corrida armamentista e em conflitos bélicos evitam emissões significativas de gases de efeito estufa e dão uma expressiva contribuição para evitar o agravamento das mudanças climáticas.

A eliminação das guerras como formas de resolução de conflitos seria uma forma de reduzir as pressões sobre o meio ambiente e os impactos negativos das mudanças climáticas. Esse é um tema sobre o qual existe muito pouca informação e discussão pública.

 

Assim, os princípios, métodos e instrumentos utilizados para mitigar os impactos negativos das demais atividades humanas precisam ser aplicadas à atividade da guerra. Avaliações de impacto ambiental e o licenciamento ambiental deveriam ser mandatórios e objeto de pactos internacionais obrigatórios, visando ao bem da humanidade, sempre que esteja em jogo a possibilidade de iniciar-se uma ação bélica potencialmente degradadora ou poluidora do ambiente. Isso ajudaria a  desenvolver a consciência global a respeito das consequências desse tipo de ação, com a cuidadosa avaliação prévia dos seus impactos. O licenciamento ambiental das guerras deveria contemplar, entre outros, os impactos bióticos, antrópicos e físicos desses eventos e, somente depois de detalhada e cuidadosa avaliação de riscos, elas deveriam ser matéria de discussão nacional e internacional. A aplicação dos procedimentos de avaliação prévia de impactos ambientais às atividades bélicas poderia levar, no limite, à sua inviabilização, seja pelo aumento de seus custos, que incluiriam os necessários recursos para recuperação da degradação que viessem a causar, seja pela consequente ampliação do tempo para a busca de consenso em torno a sua necessidade e para seu eventual preparo. Nessa fase, inclusive, poderiam e deveriam ser colocadas em prática todas as maneiras e técnicas diplomáticas e de mediação e resolução não-violenta de conflitos, com vistas a evitar os embates bélicos.

Essas ideias contêm, certamente, um conteúdo utópico, considerando-se o momento histórico presente. Mas merecem ser consideradas, posto que todas as guerras constituem um fator destrutivo para  o ambiente e para o ser humano.

 As guerras só serão abolidas quando se tornarem psicologicamente intoleráveis, da mesma forma como a escravidão somente foi abolida quando se tornou socialmente intolerável, além de economicamente desejável, já que a libertação dos escravos traria impacto positivo para o mercado consumidor e os sistemas de produção. 

Num estágio mais avançado de evolução da espécie humana, a degradação ambiental decorrente das guerras pode tornar-se um fator adicional que acabará por levar à sua abolição como forma de resolver conflitos.
 


 

 

 



[1] Em 6 de agosto de 2015 completaram-se 70 anos do lançamento das bombas atômicas no Japão na Segunda Guerra Mundial.

Um comentário:

Gringo Nao Sabe Nada disse...

Mauricio, bom artigo e aprecio algo de positivo pelo menos em teoria.Steve