quinta-feira, 14 de maio de 2020

Ecologizar o cotidiano

Maurício Andrés Ribeiro

Para quem se pauta pela consciência e ética ecológicas, cada papel que desempenha traz oportunidades para ecologizar a vida.
Somos seres humanos multidimensionais. A vida cotidiana é pródiga em oportunidades de ação ecologicamente consciente. Cada um pode, a cada momento, dar sua contribuição para reduzir a pressão sobre a natureza: na vida pessoal, por meio dos hábitos alimentares, da educação dos filhos, dos hábitos de consumo, das práticas frugais, nas  aspirações e desejos, internalizando a consciência ecológica e a ética ecológica em seus pensamentos, emoções e ações, bem como em sua relação com a sociedade e a natureza vivendo conforme os princípios da simplicidade voluntária, da austeridade feliz, do conforto essencial, da frugalidade. Isso implica em mudar desejos, paixões, necessidades, vontades; em suma, transformar as consciências e as energias que movem a ação humana.
O ser humano desempenha vários papeis nos quais pode se ecologizar.
O cidadão pode exercer direitos e ser corresponsável pela qualidade do meio ambiente; evitar sujá-lo; associar-se a movimentos coletivos pelo ambiente e depurar o  próprio ambiente interior do corpo, da mente e das emoções. Cada um de nós é um ser em evolução que na vida cotidiana respira, se alimenta, exercita o corpo.
 
A redução do consumismo e do acúmulo de bens materiais reduz as pressões sobre a natureza. O  consumidor responsável reduz o volume e peso dos produtos usados;  evita desperdícios de água, de energia, de alimentos. Na alimentação, reduz as proteínas animais que são mais pressionadoras do ambiente do que os produtos de origem vegetal, do ponto de vista da ecologia energética.  Adota valores pós-materialistas, que desassociem a noção de qualidade de vida da posse material. Pode boicotar os produtos que tenham causado impactos ambientais negativos durante sua produção e preferir aqueles que tenham o selo verde. Pode selecionar os produtos que compra a partir de critérios ecológicos; adotar estilo de vida de baixo impacto e baixa demanda de carbono. Pode tornar mais leve o peso da pegada ecológica sobre o Planeta. Nessa perspectiva, adotada voluntaria e conscientemente, ter à disposição menor quantidade de bens materiais não significa desfrutar de pior qualidade de vida. O voto de pobreza é uma opção ecológica radical, que reduz os riscos da ganância, da voracidade e da ambição pelo acúmulo de patrimônio e de riqueza material.
O trabalhador pode adotar processos de produção limpos: gastar o mínimo possível de energia, de preferência renovável; reduzir o uso do papel, para salvar árvores e florestas;  poupar água; reduzir a geração de resíduos. Na mobilidade para o trabalho,  praticar o transporte solidário, compartilhando o mesmo veículo com outras pessoas ou usar a bicicleta ou o transporte coletivo ajudam a economizar energia e, portanto, a reduzir a poluição do ar, com ganhos para a saúde. O “home office”, trabalhar em casa, elimina radicalmente esse tipo de gasto no deslocamento. A pandemia de 2020 induziu a esse tipo de trabalho.
O produtor e empresário,  o acionista e o investidor  podem transcender as preocupações com o lucro financeiro,  praticar a responsabilidade socioambiental e  distribuir de forma justa os resultados do trabalho. Os fundos de investimentos éticos – que aplicam recursos em empreendimentos não destrutivos – são uma opção dos investidores conscientes e responsáveis.
O correntista pode optar por bancos que não façam marketing enganoso e maquiagem ecológica. Os bancos podem assumir a responsabilidade ecológica pelo destino que dão a seus empréstimos e considerar os impactos por eles causados, bem como redistribuir seus lucros em ações de solidariedade social e ambiental.
O contribuinte pode influir no destino dado aos tributos recolhidos do trabalho e da riqueza que ajuda a gerar,  por meio de escolhas nos orçamentos participativos, de doações e deduções fiscais.
O eleitor pode votar em políticos que tenham compromisso ecológico e eleger candidatos que tomem decisões, nas políticas públicas e na administração, conscientes dos desafios climáticos e ecológicos.
 O governante precisa ter visão de futuro e do interesse público, para além de seus objetivos eleitorais imediatos. Precisa ser proativo e propor normas e leis que estimulem o avanço tecnológico e induzam a adoção das tecnologias limpas.
O jovem pode informar-se, estar consciente, não se deixar manipular por propaganda ou por apelos de consumo fácil, perceber as injustiças e lutar por ideais para além dos interesses materiais básicos além de adotar estilo de vida que seja amigável com a natureza e que ajude a proteger seu próprio futuro diante dos riscos e das incertezas do mundo contemporâneo.
Mulheres, agricultores, autoridades locais, bem como todos e cada um dos grupos da sociedade podem ser sujeitos ativos de mudanças em seus campos de ação.
Essas são algumas das formas de se exercer a ação ecológica no cotidiano. Ao final de cada dia podemos nos perguntar: quais foram os ecopensamentos, os ecosentimentos e as ecoações, pelas quais fiz a minha parte para me aprimorar, para melhorar minha qualidade de vida e as das demais pessoas e da natureza?
Podemos aplicar aos relacionamentos interpessoais os princípios da tolerância, ética, honestidade, não violência e solidariedade.
Riquezas intangíveis e imateriais são tão importantes quanto a prosperidade física e material, pois cada ser humano tem seu corpo físico, material, e sua mente, suas emoções, sua alma e seu espírito.
No dia a dia cada ação tem efeitos sobre a natureza, da qual somos partes integrantes.  O somatório das atitudes de bilhões de seres humanos ajuda a construir uma nova era na evolução do planeta. Somos seres em transição e uma espécie co-gestora do rumo da evolução.
A somatória de pequenas ações individuais (como as atitudes do beija-flor num incêndio) é necessária para melhorar o todo, mas não é suficiente para fazê-lo. No âmbito coletivo, ação relevante pode ser feita por meio da participação em redes sociais, de associações locais, de vizinhança, regionais ou globais, que lutem por melhorias e pela saúde do ambiente;  ações para levar as empresas e os governos a despertar para a gravidade dos problemas ambientais e climáticos. As práticas da democracia direta e da participação encontram novas opções com o uso da internet, que permite pressionar os tomadores de decisão com mensagens por causas ecológicas. A partir dos teclados de computadores, compartilham-se ideias, também se constrói cultura e faz-se ação política sem sair de casa.
A magnitude dos problemas atuais nesse estágio terminal da era cenozoica exige que tomemos consciência de que cada um dos atos cotidianos, individuais ou coletivos tem consequências diretas e imediatas e repercutem na direção que tomará a evolução da vida na Terra.  Fortalecer a unidade humana para além das diferenças, bem como exercitar a solidariedade para além da competição individualista podem facilitar a transição da atual sociedade com suas várias normoses para uma sociedade mais saudável na relação com a natureza que a sustenta.
 
Ecologizar a vida, trazer as práticas de ecologia integral para o cotidiano de cada um é um modo  harmônico de inserir o ser humano no ambiente em que vive e que o sustenta. Aprender como fazer isso, aproveitando o conhecimento acumulado por antigas sociedades e civilizações e agregando-lhe os conhecimentos contemporâneos, pode ser vital para que o ser humano, um ser em transição, se torne um cogestor consciente da evolução neste planeta.
 
 
 
 

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