quinta-feira, 9 de julho de 2020

A pandemia acelera a colaboração científica

Maurício Andrés Ribeiro

A urgência de dar respostas para uma doença que atinge todo o mundo renovou o interesse e realçou a importância da ciência. Com a compreensão do mundo que ela possibilita e com a aplicação de seus conhecimentos em inovações e avanços tecnológicos, deposita-se nela a esperança de que venha a ser desenvolvida e aplicada uma vacina contra o coronavirus.
Especialistas em imunologia, virologia, infectologia, pneumologia, epidemiologia, genética, entre outros agentes de saúde assessoram governantes para definir o ritmo das quarentenas. Cientistas, pesquisadores e laboratórios em todo o mundo se debruçam sobre o problema e tentam encontrar rapidamente uma resposta.
Um vírus que acelerou a cooperação científica.
A cooperação  cientifica e tecnológica entre pesquisadores de várias disciplinas e de várias partes do mundo sempre existiu. A pandemia do coronavirus acelerou e intensificou essa cooperação inter e transdisciplinarmente, bem como entre cientistas de várias partes do mundo.
O vírus acelerou pesquisas, testes, colaboração, experimentações, produção de vacinas e uma mudança de paradigma. A retroalimentação de informações acelera e aprimora os conhecimentos. Juntamente  com recursos financeiros e prioridades dos governos, a  cooperação aberta acelera o processo científico na busca por uma vacina. Bases de dados abertas e gratuitas compartilhadas, facilitam avanços para a obtenção da vacina por meio da mútua fertilização de conhecimentos. Há colaboração entre instituições públicas e privadas, companhias, médicos e cientistas acadêmicos e do governo.  Estabelecem-se conexões e colaboração entre cientistas para além dos governos. Escreve Jennifer Doudna: “Estamos sendo empurrados pelas circunstâncias a conduzir pesquisas numa velocidade, escala e abrangência que somente eram vistas em livros e filmes. Estamos liberando dados tão logo os tenhamos, estamos colaborando entre disciplinas e fusos horários, e o público está contando conosco. Uma nova era na ciência está emergindo.”
A comunicação sobre a ciência também se acelerou. Trabalhos preliminares são divulgados rapidamente, em prazos menores do que os normalmente praticados, para provocar sinergia e contato mutuamente fertilizador. A revisão de uma publicação pelos pares, cientistas afins, é abreviada para permitir maior rapidez na divulgação e evolução do conhecimento na busca de soluções urgentes.

A produção de genéricos e a quebra de patentes e dos direitos de propriedade intelectual poderão universalizar o atendimento a menor custo do que se forem seguidas estritamente as regras do mercado.
Além disso, a ciência é o caminho para compreender a biologia e a ecologia dos vírus, suas mutações e para prevenir futuras pandemias. Aumenta de modo acelerado o conhecimento sobre as conexões existentes entre a proteção de habitats naturais de animais silvestres, como os vírus se transmitem de uma espécie para outra e para a espécie humana, como se disseminam. Cientistas de outros campos são convocados para compreender essas relações e conexões, tais como estatísticos, matemáticos, além de geógrafos e outros. A ampliação do conhecimento técnico e científico em todas as áreas é um instrumento fundamental para se lidar com a presente pandemia e para prevenir futuras doenças. A presente pandemia trouxe a emergência ao estimular a produção e difusão de conhecimentos valiosos para a saúde humana, para  a saúde animal  e para a saúde ambiental.
As motivações para o progresso cientifico variam: alguns buscam o interesse comercial de obter royalties com a vacina ou o remédio, patentear seus direitos de propriedade intelectual e obter lucros econômicos. Outros são movidos pelo ego e pela busca de fama e reputação social. Outros o fazem com o interesse genuíno de ajudar a humanidade e dar uma resposta a suas aflições sanitárias, como o fez o Dr Jonas  Salk quando descobriu a vacina da poliomielite, bem como o Dr Albert Sabin, que renunciou aos direitos de patente da vacina oral que criou.
Albert Sabin abriu mão da patente da vacina da polio  para o bem comum da humanidade.
No caso da vacina contra o Covid-19 há um movimento para que ela seja universal e gratuita, como um bem de domínio público e um bem comum da humanidade, com retorno justo para os laboratórios que fizeram investimentos econômicos. A pandemia torna necessário repensar a questão da propriedade intelectual  diante da urgência de resolver problemas globais. A lógica da propriedade estende ao domínio do conhecimento a apropriação privada dos resultados de pesquisas. As patentes asseguram direitos a quem inventou ou inovou na tecnologia.  
Muitas vezes os conhecimentos originários dos quais resultam inovações com valor de mercado são parte de um patrimônio imaterial coletivo produzido ao longo da história. Conhecimentos indígenas, por exemplo, estão na base de muitos  medicamentos produzidos pelas farmacêuticas e a partir dos quais se geram grandes lucros.  Considerar o conhecimento como um patrimônio comum da humanidade  é um ponto de partida para se compartilharem os benefícios que ele produz para o bem comum.
Jonas Salk  inventou a primeira vacina contra a pólio. Ele não buscava fama ou  fortuna com suas  descobertas: "A quem pertence a minha vacina? Ao povo! Você pode patentear o sol?"
A noosfera, a esfera da consciência intuitiva, que está sujeita à apropriação privada, deveria ser um território livre de privatização. Tudo o que se produzisse pela inteligência humana seria compartilhado numa grande cesta básica para benefício de toda a humanidade. O self prevaleceria sobre o ego e sobre a ganância individual ou empresarial.  Para se manter a motivação por inovar e inventar, um ressarcimento justo poderia ser proporcionado àqueles que investiram seu tempo e criatividade em gerar tais inovações. Mas o lucro e a apropriação privada deixariam de ser os motores primeiros para se dedicar tempo e energia a um tema. A seva, ação desinteressada, substituiria a ego ação autocentrada.
Resta-nos aprender lições de vida com este momento e progredir com novos conceitos e atitudes éticas para a evolução e para o bem comum da humanidade.

 


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