terça-feira, 28 de julho de 2020

Ecologizar o banco do BRICS


                                        Maurício Andrés Ribeiro (*)

Brasil, Rússia,  Índia, China e África do Sul  constituem o BRICS, o grupo dos cinco maiores países emergentes. Juntos,  esses cinco países têm 40% da população mundial e cobrem 23% das terras do planeta.
Em julho de 2014, eles se reuniram em Fortaleza e decidiram criar o banco de desenvolvimento do BRICS, um projeto unificador entre esses cinco países.
Bancos de desenvolvimento direcionam recursos para investimentos e canalizam fluxos de capital para os projetos aprovados.  Assim, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o BNDES, entre outros concederam crédito para projetos necessários. Entretanto, foram alvo de críticas por parte de organizações da sociedade, por terem financiado projetos social e ambientalmente  questionáveis.
Os Princípios do Equador, propostos em 2003 pela Corporação Financeira Internacional (IFC), vinculada ao Banco Mundial, estabeleceram diretrizes sociais e ambientais para as instituições bancárias. Naquele mesmo ano, a Declaração de Collevecchio, apoiada por organizações da sociedade civil, ressaltou a importância das instituições financeiras assumirem compromissos com  a prevenção de impactos das atividades que financiam, com a transparência das informações, com a prestação de contas à sociedade. Ressaltou-se a necessidade de se repensar a missão dos bancos e a urgência de que eles renunciem a oportunidades de negócios que sejam social ou ambientalmente destrutivas.  
Bancos de desenvolvimento precisam ter  missão, mandato e orientação política claramente definidos pelas sociedades que os instituíram. Quando priorizam certos projetos deixam de focalizar outros, havendo custos de oportunidade nessas decisões.
Seria desejável que o banco do BRICS inovasse em suas concepções, práticas, métodos, bem como no uso de indicadores. Um dos indicadores relevantes para serem aplicados em suas operações é a pegada ecológica, que estima a quantidade de área biologicamente produtiva para agricultura, pastagens, floresta e pesca, que está disponível para atender às necessidades da humanidade. Ela é expressa em hectares globais per capita (hag/pc) .  A pegada mundial é de 2,7 hectares globais per capita,  o espaço  médio necessário para sustentar cada um dos 7 bilhões de indivíduos no planeta.
Um brasileiro médio tem a pegada ecológica de 2,9 hectares globais, um pouco acima da média global; um chinês, 2,2;  um russo, 4,4; o sul-africano,  2,6hag/pc. O indiano médio tem uma pegada ecológica de 0,9 hag/pc. Entre os cinco BRICS, o russo tem uma pesada pegada ecológica, enquanto o indiano tem uma leve pegada per capita média. O indiano médio tem uma pegada ecológica nove vezes mais leve que o cidadão dos EUA, três vezes mais leve do que a pegada de um brasileiro e do que a pegada global.
A frugalidade contribui para manter leve a pegada ecológica per capita na Índia.
Reduzir o carnivorismo torna mais leve a pegada ecológica.
A Índia tem uma leve pegada per capita porque tem uma grande população com levíssima pegada. Em parte, a leveza da pegada ecológica da Índia relaciona-se à capacidade da sociedade indiana para satisfazer as necessidades materiais com o mínimo de pressão sobre o meio ambiente. Hábitos frugais de vida, associados a uma organização territorial descentralizada nas  milhares de aldeias, e combinados com o ecodesign de famílias e comunidades estendidas são parte da vida de milhões de pessoas na Índia. Tais características reduzem significativamente o consumo de recursos naturais e ajudam a explicar a sua pegada leve de 0,9 hag/pc. Ela resulta apenas em parte de privação material das coisas básicas necessárias para uma vida digna, tais como alimentos, água, energia, saneamento, habitação, educação e saúde. Dessa forma, o indiano médio tem um crédito ecológico, pois ameaça muito pouco a sustentabilidade global.  Tal crédito poderia ser usado para se investir em infraestrutura, resolver problemas de saneamento e em  projetos de adaptação às mudanças climáticas e fazer outras melhorias para beneficiar a parte da população que sofre privações, sem agravar a ameaça à sustentabilidade global. Quem aumenta o peso da pegada ecológica indiana são os 200 milhões de pessoas de classe média, com aspirações e hábitos de vida consumistas.  Caso venha a ser usado sem critério de justiça social, esse crédito ecológico poderia ampliar desigualdades ao aumentar o consumo dos indianos mais abastados.
 
 
 Indivíduos que têm uma pegada ecológica leve  pouco contribuem para a destruição ambiental; aqueles que têm uma pegada mais pesada ameaçam a sustentabilidade.
A espécie humana já domesticou animais  e usou sua força. Já domesticou vegetais e se alimentou com eles. Já canalizou a força das águas para produzir energia, para matar sua sede e irrigar as plantações.  Colocou a seu serviço  as energias de todo tipo, fósseis e renováveis. No contexto da crise ecológica e climática planetária, é um desafio ecologizar o capital, pois,  caso seja  deixado livre e sem regulação, sua força, como a das águas, pode ser destrutiva. É preciso colocar a força do capital  a  serviço do bem estar humano e da saúde ambiental. A aplicação do conceito de pegada ecológica per capita transformaria  o modo como se aborda o tema das desigualdades e pode apontar na direção de um nivelamento mundial de padrões de consumo. 
 
 

Suprimento de carne per capita, por país. Indicador que influi na pegada ecológica.

 
 
Se almejarmos um mundo menos injusto e mais sustentável, a pegada ecológica per capita deveria ser  leve e igual para todos os habitantes da terra. Caberia aos bancos aplicar os fluxos de capital  em  projetos que equalizem as pegadas ecológicas per capita. Assim, por exemplo, o banco do BRICS poderia inovar na utilização de indicadores de sustentabilidade para orientar suas operações e direcionar suas ações no sentido de reduzir injustiças, equalizando as pegadas ecológicas per capita dos habitantes dos países que o criaram.  O banco do BRICS poderia apoiar os russos em  atividades que visassem tornar sua pegada ecológica mais leve; auxiliar os indianos a terem melhor qualidade de vida e ao mesmo tempo a reduzirem desigualdades e manterem leve a sua pegada ecológica; canalizar recursos para projetos que tornem mais leve a pegada ecológica per capita de brasileiros, chineses e sul-africanos, ao mesmo tempo em que aumentem seu bem estar.
É necessário ecologizar o capital e colocar o dinheiro a serviço do bem estar humano e da saúde ambiental.

O banco do BRICS poderia atuar como um laboratório para experimentar esse modo de lidar com o capital, realizando suas operações de crédito de forma sintonizada com uma visão ecologizada. Ele  opera com 50 bilhões de dólares,  recursos modestos se comparados com os trilhões de dólares do capital circulante no mundo.  Entretanto, essa poderia ser uma  oportunidade para testar um novo modo de relacionamento com o capital. Sendo exitoso, poderia servir como exemplo e referência para regular os fluxos de capitais, colocando-os a serviço do bem estar e da saúde humana e ambiental.
Em 2020, diante da pandemia do coronavirus, o banco do BRICS anuncia que investirá em projetos sustentáveis.
(*)Autor dos livros Ecologizar, Tesouros da Índia e Meio Ambiente&Evolução Humana.




 

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