Maurício Andrés Ribeiro
O tradicional cumprimento com as mãos postas na altura do peito, adotado na Índia, mostrou-se apropriado durante a pandemia de 2020. Distanciamento físico e corporal são recomendados para reduzir a disseminação do coronavirus. Abraços, beijos, toques corporais, apertos de mão podem ser momentos em que o vírus se espalha. O Namasté indiano é um modo de cumprimento entre pessoas que não envolve contato físico ou corporal. É um hábito saudável e higiênico.
A cultura e as etiquetas sociais milenares contêm sabedoria. A Índia é a civilização que mais desenvolveu e codificou uma ciência do corpo e de sua importância. Há muito conhecimento envolvido nos hábitos básicos como respirar, adotar posturas corporais ou alimentar-se. Alimentar-se com a mão direita e fazer a higiene corporal com a mão esquerda é um hábito cultural disseminado e que evita a auto contaminação. Uma vez fui almoçar na casa de um camponês indiano. Sendo canhoto, não segui essa etiqueta e causei espanto entre os convidados. Diferentemente dos chineses, que apenas recentemente proibiram o consumo de animais silvestres, os indianos têm uma relação milenarmente distinta para com os animais. Muitos deles são sacralizados, tratados como deuses – a cobra, o macaco , o elefante, etc. Além disso o vegetarianismo ali foi historicamente valorizado. O paladar é sensibilizado pelos temperos fortes. Da mesma forma os demais sentidos são despertados, com as cores, os sons, os aromas. É habitual retirar os sapatos quando se entra em casa, deixando os micróbios da rua do lado de fora.
Outros conhecimentos expressam essa consciência do corpo. Estudam-se os chacras, os centros energéticos corporais; a medicina ayurvedica, a psicologia iogue e práticas de posturas, ásanas e pranayamas também fazem uso dos conhecimentos e da consciência sobre o corpo físico. No sexo, que implica na interação entre mais de um corpo, a Índia desenvolveu conhecimentos no Kama sutra, representado nas esculturas nos tempos de Kajuraho. Inteligência e conhecimento sobre o corpo são parte do espiritualismo indiano ancorado na matéria.
O ser humano integral, na concepção hindu, compreende o corpo físico, a mente, as emoções, a alma e o espírito. O corpo é o veículo (a carruagem) que transporta o ser humano integral, com suas emoções (os cavalos), sua mente (o cocheiro), sua alma e seu espírito. Sri Aurobindo escreveu sobre o corpo: “Vocês não fazem ideia da vastidão que existe dentro de vocês. Este corpo parece pequeno, mas ele é a imagem do universo inteiro. Neste corpo existe um sol mil vezes mais brilhante que o sol externo.” Nas meditações, uma prática básica é prestar atenção ao corpo e cada uma de suas partes e focar a atenção no ato de respirar, que conduz a pessoa à consciência do agora.
Em síntese, é valiosa a consciência do corpo acumulada na Índia: do Namasté, cumprimento entre pessoas com as mãos postas); à respiração ( pranayamas); à alimentação (vegetarianismo), às energias do corpo (chacras), às posturas corporais (asanas), aos usos saudáveis do corpo (alimentar-se com a mão direita e fazer a higiene pessoal com a mão esquerda), ao sexo (Kama sutra), às curas e medicinas (ayurveda), à regulação das ondas cerebrais (OM, meditação, que alteram os estados de consciência). Esses saberes e hábitos corporais estão entre as hipóteses que explicam os baixos números de mortes por milhão de habitantes na Índia, comparativamente com outros países supostamente mais bem preparados para lidar com a pandemia. (Em 24 de setembro, Índia 67; EUA 625; Brasil 653;Peru 964; Argentina 317; Chile 651; UK 616; Itália 592; Bolivia 660; Equador 631; Belgica 858; Suécia 581; Portugal 190).
O Namasté tem um significado simbólico relevante: “O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em ti.” Nessa concepção Deus não é alguém que se encontra acima de tudo e de todos, mas se encontra dentro de cada um, como uma centelha divina que pode ser despertada. Namasté!
Um comentário:
Muito bom relembrar destes aspectos que há tanto tempo nos tocam e nos inspiram por aqui no ocidente. Legados especiais deste povo querido.
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