Precisamos de uma cartografia para as viagens dentro do ser
Maurício
Andrés Ribeiro
Estamos numa era em que cada vez importam mais as questões ligadas à subjetividade, à psique, ao universo interior dos seres humanos. Tornamo-nos uma espécie co-gestora da evolução. A mutação psicológica humana será determinante no rumo que ela tomará.
A pressão evolutiva é grande. Pandemias e a emergência climática colocam situações inusitadas diante das quais é preciso dar respostas. Além do estresse físico e dos riscos das perdas e da morte, ela trouxe um estresse psicológico.
Observa-se uma falta de rumo, um desnorteamento e uma desorientação diante da pandemia. Há decisões e posturas contraditórias dos executivos federal, estaduais, municipais, do judiciário, do legislativo, de profissionais da saúde. Há um certo caos e anarquia conceitual sobre qual a melhor postura para lidar com essa situação. Está-se aprendendo empiricamente, por tentativa e erro, em aproximações sucessivas. Governos deram sinalizações contraditórias, populações protestaram contra confinamentos impostos, ainda que a motivação deles seja preservar a saúde. É como se tivéssemos com um radar avariado, incapaz de nos apontar o norte.
Uma transformação da consciência humana supõe uma transformação da ciência da subjetividade. Aprofundar, complexificar e definir com maior clareza os aspectos subjetivos é uma necessidade para o mundo atual. Uma parte de minha geração teve um déficit de educação psicológica até a idade adulta. No dia a dia, erramos e aprendemos.
Grande
parte de nós é psicoanalfabeta. Não tem
clareza sobre o que são valores humanos, virtudes humanas, qualidade humanas, confunde
o que são emoções e sentimentos.
Assim como
os mapas ajudaram os navegantes a traçar seus caminhos nas grandes navegações,
um mapa psicológico ajuda nas viagens interiores
à consciência. Uma cartografia psicológica é necessária para viajar para
dentro, para a introspecção, para desemaranhar aspectos enredados e orientar o
rumo. Aprender a reconhecer sentimentos e
a causa que os gera é importante para que possamos alimentar as
atitudes, as virtudes, as qualidades humanas necessárias para lidar com a
pandemia e com as demais crises que virão
em seguida. A partir do
autoconhecimento podem-se desenvolver comportamentos adequados para os dias
atuais e futuros. Um amplo projeto de psicoalfabetização desde a infância ajudaria
as crianças e jovens a se autoconhecerem e a terem maior clareza sobre como se
comportar na sociedade, diante de si e dos outros.
Diante da
pandemia, comecei a mapear atitudes que podem ser positivas para lidar com ela
e para prevenir as próximas que virão. Coletei sugestões de atitudes, oferecidas
por amigos na rede social. Elaborei um glossário que se expandiu. Verifiquei
que não havia clareza entre o que são atitudes, qualidades, virtudes, valores
humanos. Comecei a organizar e
classificar isso. Descobri coleção de livros infantis voltados para
o tema que misturavam o que era uma qualidade, uma atitude ou um valor.
Encontrei
alguma indicação em religiões. Na tradição cristã as virtudes cardeais
essenciais são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança, complementadas
pela fé, esperança e caridade. Castidade,
generosidade,
diligência, paciência
e humildade completam esse conjunto de virtudes cristãs.
Entre as qualidades humanas encontra-se
a amorosidade, a calma, a criatividade, a empatia, a flexibilidade, a generosidade, a gratidão,
a honestidade, a humildade, a paciência, a prudência, a resiliência, o
respeito, a responsabilidade, a tolerância. Algumas dessas são consideradas valores
humanos, tais como o respeito, a solidariedade, a tolerância, a humildade, a
honestidade, a empatia. Várias outras, tais como a afetividade, o ânimo, a
bondade, a compaixão, a consideração, a cooperação, a coragem, o cuidado, o desapego,
o desprendimento, a frugalidade, a hospitalidade, a união se situam num território
ambíguo podendo ser classificadas como atitudes, valores ou virtudes.
Há civilizações,
como a indiana, cuja cosmovisão valorizou as questões da subjetividade: “Para
cada conceito psicológico em inglês há quatro em grego e quarenta em sânscrito”
observa A.K. Coomaraswamy[1].
Uma cartografia das virtudes, dos sentimentos, das
emoções e dos valores, colocando cada um em seu devido lugar, ajudaria as
pessoas a se autoconhecerem e desse modo
a contribuírem para sua própria saúde física, mental e emocional, e a
desenvolverem as atitudes necessárias para propiciar o bem estar coletivo e a saúde
do ambiente.
A pandemia trouxe uma oportunidade para cada um
se psicoalfabetizar, para aprender o bê-á-bá da psique e dissolver a
psicoalienação.
[1] Citado por RUSSELL, Peter. Acordando em Tempo – encontrando a paz
interior em tempos de mudança acelerada. São Paulo: WHH, Antakarana, 2006.
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