domingo, 20 de dezembro de 2020

Psicoalfabetização

 

Precisamos de uma cartografia para as viagens dentro do ser

Maurício Andrés Ribeiro

Estamos  numa era em que cada vez importam mais as questões ligadas à subjetividade, à psique, ao universo interior dos seres humanos. Tornamo-nos uma espécie co-gestora da evolução. A mutação psicológica humana será determinante no rumo que ela tomará.

A pressão evolutiva é grande. Pandemias e a emergência climática colocam situações inusitadas diante das quais é preciso dar respostas. Além do estresse físico e dos riscos das perdas e da morte, ela trouxe um estresse psicológico.

Observa-se uma falta de rumo, um desnorteamento e uma desorientação diante da pandemia. Há decisões e posturas contraditórias dos executivos federal, estaduais, municipais, do judiciário, do legislativo, de profissionais da saúde. Há um certo caos e anarquia conceitual sobre qual a melhor postura para lidar com essa situação. Está-se aprendendo empiricamente, por tentativa e erro, em aproximações sucessivas. Governos deram sinalizações contraditórias, populações protestaram contra confinamentos impostos, ainda que a motivação deles seja preservar a saúde. É como se tivéssemos com um radar avariado, incapaz de nos apontar o norte.

Uma transformação da consciência humana supõe uma transformação da ciência da subjetividade. Aprofundar, complexificar e definir com maior clareza os aspectos subjetivos é uma necessidade para o mundo atual. Uma parte de minha geração teve um déficit de educação psicológica até a idade adulta. No dia a dia, erramos e aprendemos.

Grande parte de nós é psicoanalfabeta.  Não tem clareza sobre o que são valores humanos, virtudes humanas, qualidade humanas, confunde o que são emoções e sentimentos.

Assim como os mapas ajudaram os navegantes a traçar seus caminhos nas grandes navegações, um mapa  psicológico ajuda nas viagens interiores à consciência. Uma cartografia psicológica é necessária para viajar para dentro, para a introspecção, para desemaranhar aspectos enredados e orientar o rumo. Aprender a reconhecer sentimentos e  a causa que os gera é importante para que possamos alimentar as atitudes, as virtudes, as qualidades humanas necessárias para lidar com a pandemia e com as demais crises que virão  em  seguida. A partir do autoconhecimento podem-se desenvolver comportamentos adequados para os dias atuais e futuros. Um amplo projeto de psicoalfabetização desde a infância ajudaria as crianças e jovens a se autoconhecerem e a terem maior clareza sobre como se comportar na sociedade, diante de si e dos outros.

Diante da pandemia, comecei a mapear atitudes que podem ser positivas para lidar com ela e para prevenir as próximas que virão. Coletei sugestões de atitudes, oferecidas por amigos na rede social. Elaborei um glossário que se expandiu. Verifiquei que não havia clareza entre o que são atitudes, qualidades, virtudes, valores humanos.  Comecei a organizar e classificar  isso.  Descobri coleção de livros infantis voltados para o tema que  misturavam o que  era uma qualidade, uma atitude ou um valor.

Encontrei alguma indicação em religiões. Na tradição cristã as virtudes cardeais essenciais são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança, complementadas pela fé, esperança e caridade. Castidade, generosidade, diligência, paciência e humildade completam esse conjunto de virtudes cristãs.

Entre as qualidades humanas encontra-se a amorosidade, a calma, a criatividade, a empatia,  a flexibilidade, a generosidade, a gratidão, a honestidade, a humildade, a paciência, a prudência, a resiliência, o respeito, a responsabilidade, a tolerância. Algumas dessas são consideradas valores humanos, tais como o respeito, a solidariedade, a tolerância, a humildade, a honestidade, a empatia. Várias outras, tais como a afetividade, o ânimo, a bondade, a compaixão, a consideração, a cooperação, a coragem, o cuidado, o desapego, o desprendimento, a frugalidade, a hospitalidade, a união se situam num território ambíguo podendo ser classificadas como atitudes, valores ou virtudes.

Há civilizações, como a indiana, cuja cosmovisão valorizou as questões da subjetividade: “Para cada conceito psicológico em inglês há quatro em grego e quarenta em sânscrito” observa A.K. Coomaraswamy[1].

Uma cartografia das virtudes, dos sentimentos, das emoções e dos valores, colocando cada um em seu devido lugar, ajudaria as pessoas  a se autoconhecerem e desse modo a contribuírem para sua própria saúde física, mental e emocional, e a desenvolverem as atitudes necessárias para propiciar o bem estar coletivo e a saúde do ambiente.

A pandemia trouxe uma oportunidade para cada um se psicoalfabetizar, para aprender o bê-á-bá da psique e dissolver a psicoalienação.

 



[1] Citado por RUSSELL, Peter. Acordando em Tempo – encontrando a paz interior em tempos de mudança acelerada. São Paulo: WHH, Antakarana, 2006.

 

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