sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Esperança e ciência na pandemia

 

Maurício Andrés Ribeiro


Esperança na Esplanada no reveillon de 2021

                                               Criar expectativas ou criar codornas?

2020 transcorreu em compasso de espera.

 Desde o início da pandemia suspenderam-se atividades, muita gente se recolheu em casa esperando achatarem-se as curvas das contaminações.

Hibernou-se esperando o período critico passar. O ano findou e a doença continuou. O fim da pandemia pareceu uma miragem no deserto, daquelas que se afastam  à medida que se aproxima dela. Espera pela possibilidade de reencontrar parentes e amigos. Espera pelo que virá depois que passar a fase crítica. Enquanto se esperava,  muitos resolveram meditar, rezar, acompanhar o noticiário.

Houve tempos de espera por uma vacina que imunize os corpos. Enquanto isso, cientistas e pesquisadores trabalhavam intensamente para obter a vacina. Muito se estudou e inovou na ciência. No final do ano, enxergou-se uma vacina no fim do túnel. Vacinas para outras doenças foram as principais responsáveis para o aumento da expectativa de vida ao nascer, ao reduzir a mortalidade infantil e outras mortes.

Acendeu-se a esperança de que em 2021 a doença seja deixada para trás. A esperança decorre da ciência, do trabalho incansável de cientistas, pesquisadores, laboratórios que finalizaram em tempo recorde a criação de vacinas e aprimoraram  seus conhecimentos de como lidar com a doença.

Atravessou-se o deserto e chega-se à terra prometida em que haverá vacinas para todos. Quem questiona as vacinas e se recusa a tomá-las depositou suas esperanças em remédios – hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, soros entre outros – remédios que também são produtos da ciência humana.

A esperança nesse início de 2021 se ancora na ciência, na criatividade dos  seres humanos, em sua capacidade de inovação, de dar respostas às dificuldades. De certo modo reacendeu-se uma esperança no ser humano que, por um lado, pode  ser estúpido e ignorante e por outro lado tem potencialidades e chispas de sabedoria divina.

Diante dos portões do inferno, na Divina Comédia,  Dante lê a  mensagem: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”.  No inicio da pandemia e como se tivéssemos diante dos portões do inferno. Entramos no inferno e o fogo queimou  (queimadas na Amazônia, no Pantanal e em outras partes transformaram o mundo numa espécie de inferno que atravessamos). O fogo purifica. No final do ano depois da fase crítica dos incêndios e queimadas, a natureza dava sinais de regeneração natural e de sua capacidade de rebrotar a vida onde havia cinzas. Em 2021, com as vacinas e os remédios, parece que uma fênix renasce das cinzas.

Na fala popular, a esperança é a última que morre. E quando a esperança morre, o que vem? Vem a necessidade de encarar de frente a realidade nua e crua e saber lidar com ela. Vem a necessidade de agir e de cumprir o dharma, sem expectativa de que levam a resultados. Os mercados e a economia vivem de expectativas de interesses de lucrar com uma ação.  Quando não se lucra com uma ação há uma sensação de perda. Na ação desinteressada, servir é a meta, independente dos resultados. 

Desconfio da esperança,  esse “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé.” A esperança tem relação com o desejo de que algo melhor aconteça ou seja verdade. Em  geral está  associada a uma atitude passiva, de espera que algo de bom aconteça independente de nossa ação, de que a providência divina interferirá para levar a um mundo melhor e de que a ação humana é dispensável e não há nada a fazer senão esperar que as coisas se resolvam por si  sós. Durante anos simpatizei com a atitude do “No fear no hope”: sem medo e sem esperança. Essa atitude evita que se tenham decepções e frustrações caso as expectativas não se realizem.  Uma estratégia para não ter expectativas e não se decepcionar ou se desesperar é estar preparado para o pior cenário, aquele em que o  problema dura um longo tempo.

Essa pandemia pode ser um processo longo, sem solução rápida. Pode ser o primeiro de uma sequência de eventos para o qual os seres humanos, os cientistas e pesquisadoras precisaremos estar preparados para agir, fazer a nossa parte e não apenas ter esperança de que tudo se resolva. Investir na ciência e no conhecimento é um caminho para reacender a esperança no ser humano. Uma esperança cautelosa, com um pé atrás, desconfiada pois há, na noodiversidade, uma variedade de estados  de consciência, um fogo cruzado de concepções de mundo que precisam ser testadas. Há uma guerra de informações e de contrainformações em curso, o que é saudável por induzir a se aprofundar no conhecimento, na explicitação de fatos e argumentos, na divulgação científica. Isso é necessário até se chegar a um mínimo de consenso que permita somar forças para atravessar o deserto, o inferno e o período de vacas magras de crises como a desta pandemia e se chegar à terra prometida da saúde para todos e para o ambiente.

 

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