segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Da Hidrosofia ao mutirão das águas

 


Maurício Andrés Ribeiro*

O que é a água? Para a ciência, é H₂O, uma molécula essencial para a vida. Para a economia, é um recurso. Para a engenharia, um fluxo a ser gerido. Mas e se a água fosse mais do que isso? E se ela fosse, acima de tudo, uma fonte de sabedoria?

É dessa pergunta que nasce a Hidrosofia. Um termo que ainda não está nos dicionários, mas que pulsa em seu significado: é o saber sobre a água. "Hidro", do grego, para água. "Sofia", para sabedoria. Não se trata de substituir a Hidrologia – a ciência que estuda as águas – mas de complementá-la. Enquanto a Hidrologia nos dá os dados, as medições, os modelos matemáticos, a Hidrosofia nos convida a olhar para a nossa relação com este elemento.

É um chamado para ir além do racionalismo puro. A Hidrosofia integra a ética, a cultura, a espiritualidade e a arte. Ela recupera o entendimento dos povos originários, que sempre enxergaram os rios como entes vivos e sagrados. Ela escuta a lição do Gênesis, que descreve o Espírito de Deus pairando sobre as águas primordiais antes de qualquer outra forma de vida, nos lembrando de nossa origem comum no útero líquido do planeta.

A proposta da Hidrosofia é uma mudança de mentalidade para uma visão hidrocêntrica. Isso significa colocar a água no centro do nosso entendimento do mundo, e não o ser humano. Em vez de tentarmos dominar os ciclos da água, a Hidrosofia nos ensina a reorganizar nossas sociedades a partir deles, honrando sua lógica de fluxo, permeabilidade e regeneração.

E o que isso significa na prática? Significa perceber que nós somos água. A água não é algo externo a nós. Ela circula em nosso corpo, compõe nossa própria biologia. Quando olhamos para um rio, não estamos olhando para algo separado de nós, mas para uma extensão do que somos. Esse entendimento gera um vínculo de comunhão, e não de exploração.

Podemos entender essa jornada a partir de um triângulo com quatro degraus, a Pirâmide da Hidrosabedoria:

·         Dados: São os números brutos. "Choveu 20mm".

·         Informação: É o dado contextualizado. "A média de chuva em novembro é de 25mm".

·         Conhecimento: É a aplicação da informação. "Essa chuva é suficiente para encher nossos reservatórios".

·         E, finalmente, a Sabedoria: É a aplicação ética e compassiva do conhecimento. "Vamos usar essa água com consciência, garantindo que haja para todos, hoje e no futuro, protegendo as nascentes e honrando este dom."

A sabedoria, o ápice dessa pirâmide, é o território da Hidrosofia. É ela que nos permite discernir como viver em harmonia com os ciclos da água.

Essa sabedoria se manifesta em ações coletivas. É aqui que a Hidrosofia encontra seu braço prático no Mutirão das Águas. Se a Hidrosofia é a filosofia, o mutirão é a ação. É a ajuda mútua, o trabalho coletivo – conceito tão brasileiro – aplicado à cura das águas do planeta. Reúne em uma mesma margem de rio o conhecimento técnico do cientista, a sabedoria ancestral do indígena, o poder de ação do governo e a força da comunidade.

O Mutirão das Águas, inspirado pela lógica que tomou corpo na COP-30 em Belém, é a materialização da Hidrosofia. É a compreensão de que a segurança hídrica é a base de toda a segurança – alimentar, energética, sanitária e social. E que a gestão fragmentada é uma das maiores ameaças ao nosso futuro.

Portanto, a Hidrosofia não é um conceito abstrato para acadêmicos. É um convite para cada um de nós. É beber um copo d'água com gratidão. É perceber a chuva não como um transtorno, mas como uma bênção que sustenta a vida. É entender que a água que flui em nossas veias é a mesma que corre nos rios, que evapora para formar as nuvens e que retorna para nutrir a terra.

É uma mudança de consciência: de uma hidroalienação – onde a água é um mero recurso distante – para uma hidroconsciência – onde percebemos nossa inextricável ligação com o ciclo da vida.

Que possamos, juntos, nos tornar hidrósofos. Pessoas que não apenas usam a água, mas que a entendem, a respeitam e a honram. Porque garantir que as águas do planeta continuem a fluir, límpidas e abundantes, talvez seja a mais urgente e bela expressão de sabedoria do nosso tempo.

·         Arquiteto e escritor www.ecologizar.blogspot.com ecologizar@gmail.com

 

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