sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Uma linha do tempo de Brasília, do século XIX à pandemia de 2020.

 

Maurício Andrés Ribeiro

Antes de existir fisicamente, Brasília foi desenhada num pedaço de papel submetido a um júri internacional e escolhido entre 26 projetos urbanísticos. Antes de estar nesse pedaço de papel desenhado e escrito por Lúcio Costa, esteve na cabeça do urbanista.

Antes de Brasília estar naquela  mente, esteve na decisão tomada por JK em 1956 de mudar para o planalto central a capital, inaugurada em 1960.

Antes de JK tomar essa decisão, instigada por uma pergunta de um popular num comício politico, ela esteve na primeira constituição brasileira de 1891 que fixou legalmente a região em que deveria ser instalada.

Entre o momento em que foi escrita na constituição  de  1891 e a decisão de mudar a capital, ela esteve nas ações da missão Cruls,  que fez duas expedições em 1892 para delimitar o retângulo onde seria o futuro Distrito Federal. Ela foi construída pelo estado, em terras públicas. Não sofreu as limitações impostas pelo mercado imobiliário ao  construir em terras de propriedade privada, quando a busca pelo lucro e pela redução de custos reduz as áreas públicas e áreas  verdes, sacrificando então a qualidade ambiental, como aconteceu nas cidades satélites e nos assentamentos na periferia do Distrito Federal e em praticamente todas as cidades brasileiras.

Depois de inaugurada, em 75-76 uma praga destruiu a arborização e tudo precisou ser replantado. Não havia conhecimento sobre paisagismo e arborização urbana no cerrado. As árvores já têm mais de 40 anos na cidade sessentona. 

Em 1987 ela tornou-se a única cidade moderna inscrita na lista do  patrimônio mundial da UNESCO, o que a protegeu das investidas das empresas imobiliárias para adensá-la e verticalizá-la

 Essa somatória de ideias, pensamentos e decisões ao longo de mais de um século resultaram nessa cidade. Há 20 anos vivo em Brasília. Suas  superquadras tornaram-se superparques. Caminho pelas  vias públicas arborizadas, frequento comércio  e serviços locais e desde 2020 trabalho em casa  devido à pandemia.

Sou grato a todos os brasileiros e estrangeiros (o belga Cruls, e o francês-brasileiro Lúcio Costa, por exemplo) que trabalharam  para tornar realidade essa cidade que em 2020 tem amplos espaços verdes, generosas áreas públicas, árvores frondosas, unidades de vizinhança que funcionam e  respondem melhor do que todos os demais padrões urbanísticos aos desafios




















trazidos pela pandemia do coronavirus.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

As superquadras de Brasília - um padrão urbanístico valioso na pandemia

 

 Maurício Andrés Ribeiro















Na pandemia as superquadras de Brasília, concebidas há mais de 60 anos por Lucio Costa, mostraram qualidades valiosas. Tornaram-se um padrão urbanístico desejável. As superquadras são uma concepção brasileira pioneira do que já foi chamado de  unidades de vizinhança. Nelas se anda a pé entre  as moradias – casas, prédios baixos, prédios com pilotis para circulação livre de pedestres e sem muros ou cercas; há área verde, lazer, playground para crianças, serviços - banca de jornal, sapataria, costureira - escola, posto policial, local de culto, correios, comércio local, metrô e transporte coletivo próximos, ciclovia, circulação local de veículos, estacionamento, passeios para pedestres, horta urbana etc. Oferecem ambientes  saudáveis e já testados pela prática e vivencia de mais de 60 anos, que podem servir como referência para o planejamento urbanístico.

Nesta pandemia em vários países recuperou-se a antiga proposta, agora rebatizada como as cidades de 15 minutos, nas quais muitos serviços e infraestruturas se encontram próximas das moradias. A cidade desejada se mede em tempo e não mais em espaço:  a meta é que todas as atividades se encontrem a curta distância e possam ser alcançadas pelo caminhante ou pelo ciclista. Nelas  circula-se a pé junto a moradias, acessando o comércio, equipamentos públicos,  áreas verdes, escolas locais, nas chamadas superilhas e  superblocos. Os urbanistas propuseram mudar os ritmos da cidade e aproximar casa-trabalho-comércio-cultura-lazer.

Em Brasília, em  poucas décadas criou-se uma cidade-parque aprazível, propícia para se viver numa pandemia. Antes de existir fisicamente, Brasília esteve num pedaço de papel com desenhos e letras,  que foi escolhido por um júri internacional de urbanistas, entre 26 projetos urbanísticos. Antes de estar nesse pedaço de papel, esteve na mente de Lucio Costa. Antes desse projeto estar na mente de Lucio Costa, a ideia de mudança da capital para o planalto central brasileiro esteve nas mentes de muitos brasileiros desde o século 18.

Mais de um século foi necessário para  que um governante (JK) se dispusesse a transformar numa realidade física uma ideia abstrata que existia na mente das pessoas e na constituição brasileira como uma vontade de mudança. Quando se tomou a decisão política de mudar a capital para o planalto central a ação foi realizada pouco tempo: a ideia saiu da mente para o desenho no papel e dali para a realidade física. Em poucas décadas a paisagem poeirenta se transformou numa cidade verde, atestando  a capacidade dos brasileiros de transformar lugares de restaurar ambientes. Uma ideia, combinada com a energia do capital,  tem força transformadora da realidade. Ao se redirecionar investimentos para esse propósito,  a realidade se transforma. A força do capital é transformadora.  Atualmente, restaurar ecossistemas em grande escala é uma meta  desejável e alcançável.

O conceito das superquadras merece ser revalorizado quando os governos voltarem a priorizar a integração e a inclusão social. Muitos recursos que hoje são direcionados para a destruição poderão ser redirecionados para finalidades construtivas e gerar novas cidades  saudáveis, capazes de oferecer boa qualidade de vida mesmo durante uma pandemia.

 

 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A Índia e a pandemia – vacinas e mortes por milhão

 

Maurício Andrés Ribeiro

 A Índia é o maior produtor mundial de vacinas e nessa pandemia recebe muitas demandas de todo o mundo para comprar as ali fabricadas. O Instituto Serum e a Bharat Biotech  são as duas principais empresas produtoras de vacinas. As duas empresas informaram em 5-1-2021  a “intenção de desenvolver a produção e fornecimento de vacinas contra a Covid-19 para a Índia e o resto do mundo.” Eles consideram que “vacinas são um bem de saúde pública mundial e têm o poder de salvar vidas e acelerar a retomada econômica”. As empresas consideram “nosso dever com a nação e o mundo garantir uma distribuição tranquila das vacinas.” A Fiocruz deve importar tais vacinas da Índia.

A Índia tem  grande capacidade industrial, de pesquisa em ciência e tecnologia e capacidade de fornecer produtos por baixo custo. Desse modo pode imunizar sua própria população e a de países em desenvolvimento que tem dificuldades de adquirir vacinas mais caras e que demandam uma logística de distribuição mais complexa por terem que ser mantidas em baixíssima temperatura. A Índia é grande fabricante de remédios alopáticos, ayurvédicos, homeopáticos.

Desde o início dessa pandemia a Índia apresenta números de mortes  por milhão de habitantes cerca de 9 vezes mais baixos do que aqueles que acontecem no Brasil. A Índia tem 108 mortes por milhão de pessoas,  enquanto o Brasil tem 922 mortes por milhão em 4-1-2021. Em números absolutos a Índia (150.151) tem menos mortes do que o Brasil (196.641). 

Quais os fatores e condições que contribuem para esse melhor desempenho indiano diante da pandemia? Quais as razões da Índia desde o início da pandemia e até o momento estar com números tão abaixo dos do Brasil em total de mortes por 1 milhão de pessoas?

Levantamos algumas hipóteses que envolvem tanto aspectos de gestão da pandemia como aspectos culturais e espirituais:

1.      Isso se deve a políticas dos governos federal,  estaduais e locais? Ao fato do governo da India ter sido radical em seu lockdown, enquanto no Brasil houve ambiguidade e posições divergentes das autoridades federais, estaduais e municipais? À melhor ou pior gestão da pandemia?

2.      À distribuição populacional e ao fato  de que a maior parte da população indiana ser rural e mais jovem (mais da metade da população com menos de 25 anos)?

3.      A razões comportamentais e ao fato de o povo indiano ser mais disciplinado e mais respeitoso em relação ao coletivo em comparação com o brasileiro, este mais individualista e mais propenso à transgressão?

4.      À milenar história indiana em que houve um aprendizado e know how de lidar com epidemias e o preparo para enfrentar adversidades e pestes tais como a cólera, peste bubônica e o desenvolvimento de mecanismos de defesa e anticorpos mais fortes e resistentes no sistema imunológico?

5.      A práticas alimentares tais como o uso da pimenta, cúrcuma, cominho e outros condimentos e especiarias fortalecedores da imunidade que atuam como remédios?

6.      Ao vegetarianismo e baixo consumo per capita de carne, que reduzem a existência de wet markets como os da China e daí reduzem o risco de produzir novas pandemias derivadas do relacionamento de humanos com seres não humanos, animais silvestres e outros?

7.      À menor prevalência de diabetes e obesidade que aumentam a vulnerabilidade, em comparação com outros povos?

8.       À consciência do corpo com respiração e posturas corporais adequadas, bem como ao hábito de tirar os sapatos ou sandálias antes de entrar em casa e lavar os pés, comer com a mão direita e fazer a higiene com a esquerda, ao uso disseminado de água sanitária?

9.      Se o contágio depende do estado imunitário e a primeira barreira contra a entrada do vírus no organismo é a mucosa, então a alimentação, respiração consciente ou exercícios posturais podem ter algum efeito nesse estado imunitário?

10.  A práticas e valores espirituais, a meditação, Yoga e crença,  o Namasté ao invés do aperto de mão,   que aumentam a imunidade? Calma, desestresse, coragem, confiança, valores espirituais e fé fortalecem o sistema imunológico?

11.  A fatores  genéticos? A imunidade inata dos indianos seria maior do que as dos brasileiros? Alguns artigos levantam a hipótese de que os indianos podem ter diferenças genéticas que os protegem contra os vírus. E a pandemia na Ásia em geral também intriga os cientistas.

12.   A uma cepa diferente do vírus, menos contagiosa e menos letal do que a que circula na Europa e no ocidente?

13.  À eficácia de medicina ayurvedica e outros modos tradicionais de prevenir e cuidar de doenças? À exposição a uma vacina contra tuberculose?

14.  A uma combinação entre várias dessas hipóteses acima? 

Não há respostas definitivas para essas questões. Continuar acompanhando comparativamente a evolução da pandemia no Brasil e na Índia ajuda a compreender o que nos diferencia e o que nos aproxima. Quando as populações já estiverem imunizadas pelas vacinas e os números baixarem no Brasil e na Índia, poderemos ter uma ideia mais segura sobre esses desempenhos e aprender com as lições da Índia, valiosas para lidar com a pandemia e para prevenir que outras aconteçam.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Esperança e ciência na pandemia

 

Maurício Andrés Ribeiro


Esperança na Esplanada no reveillon de 2021

                                               Criar expectativas ou criar codornas?

2020 transcorreu em compasso de espera.

 Desde o início da pandemia suspenderam-se atividades, muita gente se recolheu em casa esperando achatarem-se as curvas das contaminações.

Hibernou-se esperando o período critico passar. O ano findou e a doença continuou. O fim da pandemia pareceu uma miragem no deserto, daquelas que se afastam  à medida que se aproxima dela. Espera pela possibilidade de reencontrar parentes e amigos. Espera pelo que virá depois que passar a fase crítica. Enquanto se esperava,  muitos resolveram meditar, rezar, acompanhar o noticiário.

Houve tempos de espera por uma vacina que imunize os corpos. Enquanto isso, cientistas e pesquisadores trabalhavam intensamente para obter a vacina. Muito se estudou e inovou na ciência. No final do ano, enxergou-se uma vacina no fim do túnel. Vacinas para outras doenças foram as principais responsáveis para o aumento da expectativa de vida ao nascer, ao reduzir a mortalidade infantil e outras mortes.

Acendeu-se a esperança de que em 2021 a doença seja deixada para trás. A esperança decorre da ciência, do trabalho incansável de cientistas, pesquisadores, laboratórios que finalizaram em tempo recorde a criação de vacinas e aprimoraram  seus conhecimentos de como lidar com a doença.

Atravessou-se o deserto e chega-se à terra prometida em que haverá vacinas para todos. Quem questiona as vacinas e se recusa a tomá-las depositou suas esperanças em remédios – hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, soros entre outros – remédios que também são produtos da ciência humana.

A esperança nesse início de 2021 se ancora na ciência, na criatividade dos  seres humanos, em sua capacidade de inovação, de dar respostas às dificuldades. De certo modo reacendeu-se uma esperança no ser humano que, por um lado, pode  ser estúpido e ignorante e por outro lado tem potencialidades e chispas de sabedoria divina.

Diante dos portões do inferno, na Divina Comédia,  Dante lê a  mensagem: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”.  No inicio da pandemia e como se tivéssemos diante dos portões do inferno. Entramos no inferno e o fogo queimou  (queimadas na Amazônia, no Pantanal e em outras partes transformaram o mundo numa espécie de inferno que atravessamos). O fogo purifica. No final do ano depois da fase crítica dos incêndios e queimadas, a natureza dava sinais de regeneração natural e de sua capacidade de rebrotar a vida onde havia cinzas. Em 2021, com as vacinas e os remédios, parece que uma fênix renasce das cinzas.

Na fala popular, a esperança é a última que morre. E quando a esperança morre, o que vem? Vem a necessidade de encarar de frente a realidade nua e crua e saber lidar com ela. Vem a necessidade de agir e de cumprir o dharma, sem expectativa de que levam a resultados. Os mercados e a economia vivem de expectativas de interesses de lucrar com uma ação.  Quando não se lucra com uma ação há uma sensação de perda. Na ação desinteressada, servir é a meta, independente dos resultados. 

Desconfio da esperança,  esse “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé.” A esperança tem relação com o desejo de que algo melhor aconteça ou seja verdade. Em  geral está  associada a uma atitude passiva, de espera que algo de bom aconteça independente de nossa ação, de que a providência divina interferirá para levar a um mundo melhor e de que a ação humana é dispensável e não há nada a fazer senão esperar que as coisas se resolvam por si  sós. Durante anos simpatizei com a atitude do “No fear no hope”: sem medo e sem esperança. Essa atitude evita que se tenham decepções e frustrações caso as expectativas não se realizem.  Uma estratégia para não ter expectativas e não se decepcionar ou se desesperar é estar preparado para o pior cenário, aquele em que o  problema dura um longo tempo.

Essa pandemia pode ser um processo longo, sem solução rápida. Pode ser o primeiro de uma sequência de eventos para o qual os seres humanos, os cientistas e pesquisadoras precisaremos estar preparados para agir, fazer a nossa parte e não apenas ter esperança de que tudo se resolva. Investir na ciência e no conhecimento é um caminho para reacender a esperança no ser humano. Uma esperança cautelosa, com um pé atrás, desconfiada pois há, na noodiversidade, uma variedade de estados  de consciência, um fogo cruzado de concepções de mundo que precisam ser testadas. Há uma guerra de informações e de contrainformações em curso, o que é saudável por induzir a se aprofundar no conhecimento, na explicitação de fatos e argumentos, na divulgação científica. Isso é necessário até se chegar a um mínimo de consenso que permita somar forças para atravessar o deserto, o inferno e o período de vacas magras de crises como a desta pandemia e se chegar à terra prometida da saúde para todos e para o ambiente.

 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

A descarnivorização avança no Brasil

 

Maurício Andrés Ribeiro

O carnivorismo e os incêndios na Amazonia

Hamburguer vegetal em anúncios de página inteira na  mídia: um nicho de mercado disputado


No dia 26 de dezembro  de 2020 o jornal the New  York Times publicou  extensa matéria  sobre como o vegetarianismo tem crescido no Brasil nos últimos anos. A busca da saúde, por razões ecológicas e de compaixão para os animais são motivações que têm levado os brasileiros a fazerem essa opção alimentar. Num país em que a feijoada e o churrasco fazem  parte da cultura alimentar tradicional, é positiva essa disposição a mudar hábitos alimentares dos brasileiros e uma atitude responsável e consciente.

Nos últimos anos as redes sociais têm divulgado intensamente mensagens a favor de uma nova relação com os animais e denúncias sobre os impactos ambientais negativos do hábito alimentar carnivorista.  As redes sociais preenchem um vazio de informação  pois os grandes meios de comunicação  estão comprometidos com grandes anunciantes que são as indústrias alimentícias e da carne.

Muitas pessoas têm ligado os pontos e feito as conexões sobre como seus hábitos de vida contribuem para a devastação da Amazônia e o desmatamento.O consumo de carne em grande escala é prejudicial ao clima e à natureza. Quanto mais de descarnivorizar a sociedade, menor o impacto e a pressão sobre o ambiente. Cada quilo de carne exige muitos litros de água e vários hectares de terras seja para pastagens seja para produzir soja para alimentar os animais.A pegada de carbono, a pegada hídrica e a pegada ecológica tornam-se mais pesadas devido aos hábitos carnivoristas.

Há benefícios à  saúde ambiental e à economia de energia no vegetarianismo, que é muito menos impactante sobre o ambiente e o clima do que outros hábitos alimentares: as quantidades de água,  de insumos agrícolas e de área de terra necessária para alimentar vegetarianos são menores que as necessárias para alimentar carnívoros. Empresas de alta tecnologia, como Impossible foods pesquisam e colocam no mercado proteínas vegetais com baixo impacto climático e ambiental que viabilizam inclusive churrascos e feijoadas vegetarianas. Isso é relevante pois o vício de consumir carne está associado  ao prazer do paladar.

Mais recentemente grandes empresas passaram a produzir alimentos vegetarianos para atender à crescente demanda desse mercado, que aumenta à medida que a população toma consciência dos impactos ambientais negativos de seus hábitos alimentares.  A descarnivorização da sociedade é uma das formas mais efetivas de reduzir a pressão pelo desmatamento, os incêndios florestais, a caça e criação de animais silvestres para alimentos, a criação de animais em fazendas-fábricas e o frigoríficos, a pressão pela terra e pela água para produzir soja e carne e as mudanças no clima.   A pecuária industrializada em fazendas-fábricas com animais confinados  e tratados com crueldade e desrespeito com sistemas imunológicos deprimidos  (vacas, porcos, frangos)  produz as condições para que proliferem zoonoses ou doenças de origem animal.O vírus se espalha em frigoríficos cujas linhas de desmontagem de animais são locais úmidos e fechados, refrigerados e com congelamento. Elas se  tornaram locais de risco para a conservação dos vírus.

A pandemia se origina de relações estressadas com os animais e da devastação de seus habitats.

Sociedades carnivoristas produzem pandemias, a exemplo do coronavirus que se originou de destruição de habitats de animais silvestres e comercio de animais em mercados molhados sem higiene e favoráveis a contaminações e contágios.

Mercados em que se vendem animais silvestres, com precárias condições sanitárias são ambientes em que os vírus se  multiplicam e transmitem as zoonoses pelo contato próximo com os compradores. Em Pequim, um novo surto na China se originou num mercado que vende carne bovina e de cordeiros.   

A abolição dos animais silvestres do menu dos chineses deve ser saudada, evoluindo na linha do que fez a vizinha civilização indiana, há milênios, onde o vegetarianismo oferece lições para banir o carnivorismo que impulsiona a devastação florestal. Sociedades menos carnivoristas, como a indiana, reduzem  tais riscos. A difusão de receitas e ingredientes vegetarianos que produzem refeições saborosas facilita a mudança de hábitos alimentares e a renuncia ao carnivorismo. O vegetarianismo indiano mostra o caminho para uma dieta alimentar ecologizada no futuro.

Descarnivorizar a sociedade é um caminho para a prevenção de próximas pandemias.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Psicoalfabetização

 

Precisamos de uma cartografia para as viagens dentro do ser

Maurício Andrés Ribeiro

Estamos  numa era em que cada vez importam mais as questões ligadas à subjetividade, à psique, ao universo interior dos seres humanos. Tornamo-nos uma espécie co-gestora da evolução. A mutação psicológica humana será determinante no rumo que ela tomará.

A pressão evolutiva é grande. Pandemias e a emergência climática colocam situações inusitadas diante das quais é preciso dar respostas. Além do estresse físico e dos riscos das perdas e da morte, ela trouxe um estresse psicológico.

Observa-se uma falta de rumo, um desnorteamento e uma desorientação diante da pandemia. Há decisões e posturas contraditórias dos executivos federal, estaduais, municipais, do judiciário, do legislativo, de profissionais da saúde. Há um certo caos e anarquia conceitual sobre qual a melhor postura para lidar com essa situação. Está-se aprendendo empiricamente, por tentativa e erro, em aproximações sucessivas. Governos deram sinalizações contraditórias, populações protestaram contra confinamentos impostos, ainda que a motivação deles seja preservar a saúde. É como se tivéssemos com um radar avariado, incapaz de nos apontar o norte.

Uma transformação da consciência humana supõe uma transformação da ciência da subjetividade. Aprofundar, complexificar e definir com maior clareza os aspectos subjetivos é uma necessidade para o mundo atual. Uma parte de minha geração teve um déficit de educação psicológica até a idade adulta. No dia a dia, erramos e aprendemos.

Grande parte de nós é psicoanalfabeta.  Não tem clareza sobre o que são valores humanos, virtudes humanas, qualidade humanas, confunde o que são emoções e sentimentos.

Assim como os mapas ajudaram os navegantes a traçar seus caminhos nas grandes navegações, um mapa  psicológico ajuda nas viagens interiores à consciência. Uma cartografia psicológica é necessária para viajar para dentro, para a introspecção, para desemaranhar aspectos enredados e orientar o rumo. Aprender a reconhecer sentimentos e  a causa que os gera é importante para que possamos alimentar as atitudes, as virtudes, as qualidades humanas necessárias para lidar com a pandemia e com as demais crises que virão  em  seguida. A partir do autoconhecimento podem-se desenvolver comportamentos adequados para os dias atuais e futuros. Um amplo projeto de psicoalfabetização desde a infância ajudaria as crianças e jovens a se autoconhecerem e a terem maior clareza sobre como se comportar na sociedade, diante de si e dos outros.

Diante da pandemia, comecei a mapear atitudes que podem ser positivas para lidar com ela e para prevenir as próximas que virão. Coletei sugestões de atitudes, oferecidas por amigos na rede social. Elaborei um glossário que se expandiu. Verifiquei que não havia clareza entre o que são atitudes, qualidades, virtudes, valores humanos.  Comecei a organizar e classificar  isso.  Descobri coleção de livros infantis voltados para o tema que  misturavam o que  era uma qualidade, uma atitude ou um valor.

Encontrei alguma indicação em religiões. Na tradição cristã as virtudes cardeais essenciais são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança, complementadas pela fé, esperança e caridade. Castidade, generosidade, diligência, paciência e humildade completam esse conjunto de virtudes cristãs.

Entre as qualidades humanas encontra-se a amorosidade, a calma, a criatividade, a empatia,  a flexibilidade, a generosidade, a gratidão, a honestidade, a humildade, a paciência, a prudência, a resiliência, o respeito, a responsabilidade, a tolerância. Algumas dessas são consideradas valores humanos, tais como o respeito, a solidariedade, a tolerância, a humildade, a honestidade, a empatia. Várias outras, tais como a afetividade, o ânimo, a bondade, a compaixão, a consideração, a cooperação, a coragem, o cuidado, o desapego, o desprendimento, a frugalidade, a hospitalidade, a união se situam num território ambíguo podendo ser classificadas como atitudes, valores ou virtudes.

Há civilizações, como a indiana, cuja cosmovisão valorizou as questões da subjetividade: “Para cada conceito psicológico em inglês há quatro em grego e quarenta em sânscrito” observa A.K. Coomaraswamy[1].

Uma cartografia das virtudes, dos sentimentos, das emoções e dos valores, colocando cada um em seu devido lugar, ajudaria as pessoas  a se autoconhecerem e desse modo a contribuírem para sua própria saúde física, mental e emocional, e a desenvolverem as atitudes necessárias para propiciar o bem estar coletivo e a saúde do ambiente.

A pandemia trouxe uma oportunidade para cada um se psicoalfabetizar, para aprender o bê-á-bá da psique e dissolver a psicoalienação.

 



[1] Citado por RUSSELL, Peter. Acordando em Tempo – encontrando a paz interior em tempos de mudança acelerada. São Paulo: WHH, Antakarana, 2006.

 

O amor incondicional chegou à consciência de cientistas

 


O grafiteiro pergunta. 

O designer redesenha a bandeira.


Maurício Andrés Ribeiro

Amorosidade é uma atitude necessária para lidar com a pandemia. Num ambiente de doença e morte, o amor dos pais, filhos, avós, netos, primos conforta e alivia dores e aflições. As vibrações e  energia amorosas emitidas por amigos e conhecidos fortalecem os ânimos e a psique dos pacientes e de seus familiares. Se a presença física não é permitida, a presença psíquica e emocional supera distâncias.

Estamos todos enfrentando a mesma tempestade, como terrícolas ou terráqueos, a nossa identidade original. Estamos  em barcos diferentes e nesse momento não há lugar para invejar quem está num barco melhor ou desprezar os que estão em botes mais vulneráveis. A imunidade de cada um é de interesse de todos.

Diante de tragédias e da morte, o amor se explicita, como observou Patrick Viveret:  “No momento dos ataques a Nova York, as pessoas, ao perceber que iam morrer, não telefonaram para seus banqueiros, a fim de se informar sobre a situação de suas contas, mas para os que lhes eram próximos, para lhes falar de seu amor. Diante da morte, o que verdadeiramente constitui valor é o eixo do amor e do sentido, as únicas paixões capazes de enfrentar o desenlace final.”

O amor em suas várias formas é a energia positiva mais forte para melhorar o mundo. As religiões o valorizam ( Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo). A  Organização Brahma Kumaris publica frases inspiradoras sobre virtudes e valores, entre eles o amor: "O amor é uma das qualidades originais da alma humana. Porém, se misturou tanto com apego, possessividade e dependência, que tais hábitos profundamente arraigados foram sendo aceitos como normais. Como resultado, o ser humano tem dificuldade de perceber a verdadeira forma de amor puro, que é incondicional. A qualidade do amor significa: eu me importo, eu compartilho e, em especial, eu liberto. O verdadeiro amor espiritual nunca gera dependência onde os outros não podem ser eles mesmos."

Poetas o declamam. Luiz de Camões: Eu cantarei de amor tão docemente, Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Faça sentir ao peito que não sente.”

Os artistas  se manifesam: o grafiteiro pergunta onde ele se encontra e o designer o insere na bandeira.

Filósofos reconhecem sua importância: Bertrand Russell  afirmou que o amor é sábio e o ódio é tolo. Edgar Morin fala da força do amor, de Eros, diante do Tanatos, da morte. Goethe observou que “A inveja e o ódio, mesmo se acompanhados pela inteligência, limitam o indivíduo à superfície daquilo que constitui o objeto da sua atenção. Mas, se a inteligência se irmana com a benevolência e com o amor, consegue penetrar em tudo o que nos homens e no mundo há de profundo.” Sri Aurobindo  escreveu que “É o dharma de todo homem ser livre na alma, levado a servir não por compulsão, mas pelo amor; ser igual em espírito, encontrando seu lugar na sociedade pela sua capacidade para servi-la; ser em relações harmônicas com seus irmãos humanos, ligado a eles por amor e serviço, não por laços de servidão ou relações de explorador e explorado.“ Sri Aurobindo também ressaltou a importância do amor para a comunicação não violenta e o mau uso da liberdade de expressão, um dos males que acontecem na sociedade moderna: "Somente o amor pode evitar o mau uso da liberdade."

 Yuval Harari, autor de Sapiens e de Homo Deus: estende a importância do amor à vida animal para evitar novas pandemias: “Bilhões de animais domesticados, como vacas e galinhas, são tratados pela indústria de carne, laticínios e ovos como máquinas, não como criaturas vivas capazes de sentir dor e angústia. E a ciência demonstra-nos que vacas e galinhas vivenciam um mundo complexo de emoções e sensações. Elas são capazes de sentir dor, medo e ansiedade, além de alegria, tranquilidade e amor. Ainda assim, os humanos ignoram completamente o seu sofrimento. "

Finalmente a importância do amor é reconhecida no âmbito da  ciência. Antonio Nobre ressalta a importância do amor incondicional e da colaboração para a evolução da vida e da renúncia ao egoísmo para evitar o crescimento canceroso de células que trazem a morte aos seres vivos que integram o organismo maior de Gaia, nosso planeta vivo.

Muito já se pensou e falou sobre o amor. Colocá-lo em  prática na vida cotidiana e nos tempos da pandemia é um exercício que alivia dores e sofrimentos.