segunda-feira, 27 de junho de 2016

O medo, uma abordagem ecológica


 Quadro: O medo - Munch
                                   
O medo é uma emoção primitiva expressa por animais e seres humanos. Diante do perigo representado por um predador, um animal  ou uma pessoa humana pode fugir ou lutar. Dessa decisão pode depender sua sobrevivência.  Feras acuadas não têm a opção da fuga. Usam os recursos à sua disposição e atacam ferozmente para se defender. Usam sua força e agressividade para sair da situação em que se encontram. Cutucar a onça com vara curta é perigoso, diz a sabedoria popular.  
Um rato fica paralisado diante da cobra que vai devorá-lo. O sistema nervoso  libera hormônios e adrenalina na corrente sanguínea. A emoção e o pensamento de medo levam  o corpo a suar, empalidecer, tremer. A respiração se acelera, o coração dispara, aumenta a pressão arterial, as pupilas se dilatam, músculos se tornam mais rígidos, os pelos da pele se arrepiam, há calafrios, pois a pele se esfria e as artérias liberam mais sangue para os músculos agirem, liberam-se os esfíncteres. 
Defecar nas calças é uma reação do corpo ao medo.
A ecologia do ser estuda os seres vivos no ambiente e as relações entre o corpo, os pensamentos, sentimentos e emoções.  Uma visão integral considera que o ser humano também dispõe de  alma e  espírito.  O medo se inicia na mente e ativa várias partes do cérebro a partir de um estímulo estressante ou assustador. A resposta do corpo é inconsciente.  Quando criança eu suava frio e desmaiava na cadeira do dentista. Anos depois, tomei consciência de que  a  causa  do medo era a perspectiva de sentir dor. Isso  tensionava o corpo e o levava a mudar seu estado de consciência, da vigília para a inconsciência do  desmaio. A partir do momento em que tomei a decisão de não ter mais medo da dor, nunca mais desmaiei no dentista.  A força da vontade mental controlou a emoção negativa e eliminou a reação física do desmaio.
Pierre Weil estudou os chacras ou centros energéticos do corpo, sendo que o primeiro deles se relaciona com a segurança, categoria que “está ligada ao sistema ou instinto de defesa do indivíduo identificado com as necessidades do seu corpo físico. Proteção contra as intempéries, alimentação, locomoção, defesa contra agressões são as necessidades essenciais ligadas a esta categoria. Medo e raiva são as emoções destrutivas deste centro.”[1] O chacra da segurança é o mais básico e rege o medo e a coragem.  Sente-se medo por preocupação  com a própria segurança. Há gradações dessa emoção, do estresse à ansiedade, à preocupação, até o pânico, o pavor, a paranoia. O pânico pode provocar agressividade, violência, em busca de manter a segurança e o status quo. 
O mestre indiano Sri Aurobindo considera o medo uma reação vital que nubla a inteligência, tira a presença de espírito e impede a pessoa de enxergar a coisa certa a fazer. Para dissolvê-lo  pode-se usar a mente  para raciocinar explicando que o medo é um perigo em si mesmo. Se existe um perigo real, é somente com o poder da coragem que se pode escapar dele. Mira Alfassa, a Mãe, que coordenou a construção de Auroville, no sul da Índia, propõe que na raiz do medo esteja o egoísmo, bem como a falta de confiança espontânea no destino. Quando se tem fé e se entrega para o Deus   o medo evapora. “O medo é um tipo de angústia que vem da ignorância”. 
Quem vive a dimensão espiritual do ser humano dispõe de possibilidades adicionais de lidar com o medo, por meio da reserva de energia espiritual. Acreditar que aquilo que acontece é o melhor que poderia ocorrer ajuda a superá-lo e a manter a autoconfiança que traz audácia, coragem, ousadia. Para aqueles que creem, colocar-se nas mãos de Deus e enfrentar o que o destino lhes reserva é uma forma poderosa de lidar com o medo.  A perda da fé e  da esperança facilita que ele se  instale.
Para lidar com o medo é  preciso tomar consciência de sua inutilidade. Manter  a  calma, tranquilidade, serenidade é um  antidoto contra ele. Uma vontade forte e livre não permite que o medo se instale. Exercícios físicos corporais estimulam e tornam mais positivas as emoções e pensamentos e ajudam a evitá-lo.  Pela lei da atração, o medo atrai o objeto do medo; não ter medo afasta o objeto do medo. Somente com coragem, o perigo real ou imaginário poder ser enfrentado. Ajuda a afastar o medo  o desenvolvimento da autoestima, ter um projeto ou meta a realizar, ter compromisso com a verdade, manter a calma. Olhar de frente aquilo que se teme  ajuda a superar o encolhimento, o recuo e o instinto de fuga.
A propaganda  hipnotiza, fascina, espalha o medo. Por meio dela pode-se semear dúvidas e cizânia, perturbar, causar intranquilidade, excitação. Paz e guerra se realizam crescentemente no campo psicológico. Espalhar inquietação, preocupação com o futuro, pânico, desestabilizar com a guerra de nervos são formas de fazer nascer e crescer o medo. Governos usam a  tática de dominar pelo terror. Michael Moore  mostrou no filme Fahrenheit 9/11 como o governo americano,  ao buscar apoio para atacar o Iraque, induziu um clima de medo entre a população americana por meio da mídia de massa. Manipulou o medo ao terrorismo e a supostas armas de destruição de massa pelo inimigo.  O medo ao estrangeiro nas atuais ondas de refugiados e migrantes leva europeus a se fecharem em políticas nacionalistas e xenófobas.
A perspectiva de perder alguma coisa provoca medo. Esse algo pode ser a perda da vida, da liberdade, saúde, juventude, memória; perder uma pessoa querida, vantagens, bens materiais, emprego,  conforto e bem estar. Há o medo da perda do poder e das benesses que ele traz, que geram reações como as de uma fera acuada.
Há o medo do salto no escuro, de vertigem e se estar caindo num abismo, de encontrar algo com que não se poderá lidar. O medo do desconhecido  traz angustia e insegurança em relação ao futuro. O pânico pela falta de informação confiável acontece em casos de acidentes nucleares.
Medos ancestrais incluem o  de serpentes, de ratos e insetos e de forças naturais poderosas difíceis de enfrentar. Nas cidades, pessoas deixam de frequentar os espaços públicos ou de saírem à noite por medo da violência, de serem assaltadas e agredidas. Cercam-se de muros altos para se proteger dos perigos do ambiente externo, fora do lar, sua zona de conforto. Afastam-se de situações que levem ao confronto.
Atualmente, cresce a consciência sobre novos perigos à vista, associados a perdas de biodiversidade e mudanças climáticas rápidas.  Diante de mega desafios tais como os representados pelas mudanças climáticas e a crise ecológica do atual período antropoceno,  acender luzes amarelas de alerta e de emergência são passos para lidar com os perigos à frente. Ao aterrorizar as pessoas, as previsões de catástrofes paralisam as reações, podem produzir sensação de impotência, de não ter o que fazer, de medo do futuro. Para além de uma reação emocional de medo, a iminência da catástrofe pode ser compreendida pela razão como desafio a ser vencido. Isso cria motivação para desenvolver a astúcia, a inteligência, a resistência. Com calma, vem a aceitação da situação e a consciência da necessidade da adaptação, o desenvolvimento de estratégias de sobrevivência. Mobilizam-se ações para se proteger e escapar da catástrofe, evitar que o desastre aconteça ou para se prevenir e criar sistemas de alerta. Cientistas convencidos dos riscos que eventuais colisões com outros corpos celestes representam para a vida na Terra montam sistemas de previsão e de prevenção. Cientistas vêm denunciando o déficit de consciência ecológica dos governantes, a ganância e o egoísmo que estão na raiz dos problemas.  Cumprem assim o importante papel de expandir a consciência  ecológica coletiva e de pressionar por ações adequadas para lidar com essas circunstâncias críticas.




[1] Weil Pierre, A nova ética, pág. 68. Rio de janeiro: rosa dos Tempos, 1993.

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