sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Esverdear, tornar sustentável, ecologizar



 Enquanto as questões ambientais se concentravam na atenção para com os vegetais, árvores, parques, a elas se associou a cor verde: economia verde, partido verde, empregos verdes, tecnologias verdes, combustíveis verdes, energia verde, alimento verde; marketing verde. Ocorre, entretanto, que há agendas ambientais com várias cores: a agenda azul cuida das águas; a marrom combate a poluição ambiental; a verde trata da biodiversidade, das florestas, das unidades de conservação; a vermelha focaliza as questões socioambientais e a agenda branca aborda os aspectos institucionais da gestão ambiental.  Uma variação disso foi formulada por Cristovam Buarque que, em artigo intitulado Economia Colorida (O Globo, 16-7-2011), observa que  A "economia verde" começou a ser aceita, mas ela não representa a metáfora certa. Pelo menos cinco cores são necessárias para definir a economia do futuro: o verde da sustentabilidade ambiental; o vermelho da justiça social; o branco de uma economia produtiva para a paz; o amarelo da criação de bens de alta tecnologia; e o azul da economia comprometida mais com o bem-estar do que com a produção e a renda.” Reduzir o meio ambiente e a economia à cor verde é empobrecer os conceitos e as múltiplas possibilidades de ação e eles associados.[1]
O adjetivo sustentável hoje se aplica a tudo – desenvolvimento sustentável, economia sustentável, consumo sustentável,  alimento sustentável, crescimento sustentável, planeta sustentável, mundo sustentável, agricultura sustentável, arquitetura e construção sustentáveis, turismo sustentável, propaganda sustentável; design, embalagem, mobilidade, sociedade, cidade, aldeia, empreendimento sustentáveis; idéia, visão, projeto, futuro, conversas sustentáveis. No Google há mais de cinco milhões de entradas para essa palavra; em inglês há mais de 60 milhões para sustainable e 30 milhões para sustainability. Aplicado a qualquer coisa, torna-se veículo de confusão e pouco esclarece. O desenvolvimento sustentável (conceito que se disseminou a partir do relatório Bruntland em 1987) não equivale ao ecodesenvolvimento (usado na conferência de Estocolmo em 1972). O prefixo eco, presente no ecodesenvolvimento, se perdeu à medida que se disseminava a noção de sustentabilidade.  O tripé clássico da sustentabilidade (economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente prudente ou inofensivo) não abarca a riqueza e diversidade trazidas pela dimensão ecológica.
O ecológico aos poucos se insere na consciência e na ação. A ecologia extrapolou sua origem nas ciências biológicas e significa mais do que o estudo de bichos e plantas em sua relação com o ambiente. As ciências ecológicas hoje se desdobram em dezenas de campos, da ecologia econômica à social, da ecologia energética à ecologia do ser. Ser ecologicamente consciente implica em ser economicamente viável (ecologia econômica) e socialmente justo (ecologia social); além disso, implica em ser energeticamente eficiente (ecologia energética), culturalmente criativo (ecologia cultural), industrialmente convergente (ecologia industrial), cosmicamente integrado (ecologia cósmica), pessoalmente saudável (ecologia do ser, pessoal), comportamentalmente responsável (ecologia do cotidiano, ecologia da ação), ética e espiritualmente elevado (ecologia transpessoal), filosoficamente consistente (ecologia profunda). Essas dimensões e outras mais estão presentes na consciência ecológica integral e tem implicações práticas. Assim, por exemplo, a ecologia energética oferece subsídios para compreender a importância de dietas alimentares vegetarianas. A ecologia cósmica oferece elementos para compreender a história humana e a história da terra no contexto da história do universo. E assim por diante. O biogeógrafo canadense Pierre Dansereau propôs ser preciso voltar aos fundamentos ecológicos e, com lucidez, clarear equívocos conceituais. Para avançarmos teoricamente e termos um modelo mental orientador da ação prática, é preciso resgatar a dimensão ecológica em seu significado integral.


Os verbos

Esverdear, tornar sustentável e ecologizar são verbos que expressam mudanças nas maneiras de relacionamento do ser humano com o ambiente.
Esverdear (to green) ou verdejar a economia, o consumo, os partidos, os empregos,  evoca uma postura maquiadora, um tratamento superficial da questão, sem profundidade e consistência; esse tipo de ação é necessária, porém não é suficiente diante da magnitude da crise ambiental atual.
Tornar sustentável transmite uma conotação de permanência, de continuidade, de perdurar no tempo, de dar sobrevida a algo se encontra em estado terminal, afastando rupturas e mutações  mais radicais. Antigas civilizações, como a da India, por exemplo, souberam se sustentar por milhares de anos e preservar tradições com fundamentos ecológicos, ao mesmo tempo em que se adaptavam à modernização.
Ecologizar é aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e a sabedoria da consciência ecológica às ações humanas. O uso desse verbo se iniciou de forma tímida e envergonhada, entre aspas. No livro O Verde é negócio, Hans Jöhr mencionava a “ecologização” da empresa, do escritório, da fábrica, do processo, do comércio internacional. À medida que nos ecoalfabetizarmos e superarmos nossa ignorância sobre o que é são as ciências ecológicas, esse verbo fecundo e includente torna-se mais compreensível e útil nas ações práticas.
Para além de esverdear/verdejar ou de tornar sustentável, o verbo ecologizar expressa um modo de pensamento e de ação prática essencial no atual contexto de crise climática e ambiental e de megacrise  da evolução.




[1]  Ken Wilber é um dos grandes estudiosos da consciência e de seus estágios (Uma teoria de tudo, pg. 126). Ele observa que “O meme verde comandou a produção intelectual acadêmica, a elite cultural e a maior parte dos políticos liberais durante as últimas três décadas, mas está agora sendo desafiado por todos os lados (questiona-se hoje suas contradições internas, sua agenda política falha, sua filosofia do politicamente correto, seu complexo de superioridade num mundo onde nada é considerado superior, o narcisismo e o niilismo do pos-modernismo extremo, a marginalização agressiva das holarquias e, portanto, a falta de uma visão integral.”

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