quinta-feira, 26 de abril de 2018

Sri Aurobindo e Auroville

Maurício Andrés Ribeiro

Sri Aurobindo inspirou, com sua vida e suas idéias, tanto a criação de Auroville, como o movimento do Federalismo Mundial, que dissemina o ideal da unificação política da humanidade.
Nascido em 1872 em Calcutá, Aurobindo passou dos 7 aos 21 anos na Inglaterra, onde tomou contato com a cultura e a ciência ocidentais. Na primeira década do século XX, participou ativamente dos movimentos políticos nacionalistas indianos pela independência; foi preso durante um ano, ocasião em que teve oportunidade de aprofundar sua prática de ioga. Em 1910, partiu para Pondicherry, na Índia Francesa, onde produziu a maior parte de sua obra. Ali, passou por experiências espirituais com a ioga e a superconsciência. Em 15 de agosto de 1947, data de seu aniversário, a Índia alcançou a Independência; morreu em 1950.
Esses breves dados biográficos não abarcam a complexidade da vida desse poeta, político, escritor, filósofo, nacionalista, iogue e visionário, considerado santo e avatar por seus seguidores na Índia e em todo o mundo.
Em Pondicherry, antiga colônia francesa ao sul da Índia, na costa de Coromandel, está o núcleo do ashram fundado por Sri Aurobindo. Ali se localiza o principal centro do World Union, associação voluntária criada para promover as idéias universalistas de Sri Aurobindo. A.B. Patel, seu primeiro secretário, fundou universidades na África e depois se retirou para Pondicherry para dedicar-se ao trabalho de divulgar o pensamento político e social de Aurobindo.
De sua vasta obra, ressalta o conceito de que a crise que o mundo atravessa é evolutiva, que estamos em mutação e somos seres de transição. Segundo Sri Aurobindo, as escalas de organização coletiva humana vão se ampliando: a família, a nação (que ainda hoje é imperfeitamente realizada) e, por último, a união mundial, em direção à qual já se desenvolvem trabalhos pioneiros.
Como Darwin ou Teilhard de Chardin, Aurobindo foi um evolucionista. Mas, enquanto Darwin era formal e materialista, Aurobindo postulava que o espírito é o motor da evolução.[1] Assim, o estudo do passado não necessariamente abre as portas para compreender o futuro. Sri Aurobindo afirmava que o desenvolvimento das emoções é condição primordial para a evolução humana consciente.
A espiral da evolução na planta de Auroville
Criada em 1968, Auroville se situa nas proximidades da baía de Bengala, a 10 km de Pondicherry, em meio a amplas áreas verdes. Dos documentos de sua criação consta:

Ela foi concebida e projetada como a cidade da evolução perpétua, tendo suas raízes no futuro, estando, assim, sujeita a contínua revolução no pensamento e no comportamento. Ela não pode pertencer a qualquer raça, nação, religião ou seita específica ou a qualquer filosofia estabelecida.[2]

Auroville é uma cidade aberta. Propõe-se a ser um local de paz, harmonia e concórdia, com base na idéia de que a espécie humana não é o último passo da evolução, que continua. O homem é um ser em transição, que ainda deverá evoluir física, mental e espiritualmente e pode vir a ser ultrapassado por nova espécie.
A origem de Auroville remonta a 1955, quando surgiu a idéia de construir uma cidade internacional voltada para o novo homem da nova era.  Reconhecida em 1966 pela Assembléia Geral da Unesco como cidade dedicada ao entendimento entre os povos e à paz, Auroville foi inaugurada com a presença de 5 mil pessoas de todo o mundo.
Na cerimônia de sua fundação, vários países enviaram, como ato simbólico, um pouco da terra de seu solo, que foi depositada em um monumento erguido no centro da cidade. Durante a cerimônia, o diretor-geral da Unesco, Dr. M.S. Adiseshiah, pronunciou as seguintes palavras:

Em nome da Unesco, em nome de todos vocês presentes e não presentes aqui, eu exalto Auroville, sua concepção e realização, como uma esperança para todos nós e particularmente para nossas crianças, para nossa juventude que está desiludida com o mundo que construímos para ela, e que encontrarão em Auroville um símbolo vivo, inspirando-se a viver a vida para a qual são chamados.

Considerando Auroville um programa que encarnava os maiores e mais fundamentais propósitos da Unesco, Adiseshiah acrescentou:

A educação é o domínio especial da Unesco, que lida com as mentes humanas, com o espírito do homem. A educação, tal como até hoje praticada, não levou à paz, não levou à harmonia e ao entendimento. As pessoas que começam as guerras não são os analfabetos ou os ignorantes na Europa ou na América. O sistema educacional que Auroville terá, e que está sendo já desenvolvido e aperfeiçoado, é o sistema no qual cada homem, mulher e criança aprenderá a viver, e viver para aprender, livre e harmoniosamente em um mundo em evolução assustadora. Os aurovillianos que eu encontrei são a base de minha esperança. Eles me recordam os astronautas e os cosmonautas que, como vocês sabem, passam anos treinando-se para as tremendas tarefas que tem que desempenhar. Os aurovillianos são os cosmonautas e astronautas desta nova cidade internacional da esperança, do desenvolvimento, da prosperidade e da caridade.

A Carta de Auroville afirma que ela pertence à humanidade como um todo: uma cidade planetária para a criação e a propagação do entendimento e da paz. Outros trechos da Carta dizem: "Para viver em Auroville, deve-se desejar servir à consciência perfeita."; "Auroville será o lugar de uma educação sem fim, de progresso constante, e de uma juventude que nunca envelhece. Auroville quer ser a ponte entre o passado e o futuro. Incorporando todas as descobertas de fora e de dentro, Auroville florescerá audaciosamente em direção a realizações futuras."; "Auroville será o sítio de pesquisa material e espiritual, para a vivência concreta de uma unidade humana real.".
Nos anos 70, tiveram início os primeiros assentamentos. Desenvolveu-se um bem-sucedido projeto de reflorestamento, com um milhão de mudas, para conter a erosão que se agravava com as monções. Foram construídas casas com estruturas simples, adequadas tanto para o calor do verão, como para a estação chuvosa das monções. Foram implantados e experimentados sistemas de energia alternativa – energia solar e biogás.
A planta urbanística foi planejada por uma equipe internacional.[3] Em forma de espiral, simboliza a evolução humana e prevê capacidade para abrigar 50 mil pessoas voltadas para a pesquisa e a experimentação, em educação permanente.

O Matrimandir em 1978

O Matrimandir  em 2015
No centro da espiral está uma grande esfera de concreto, construída pelos próprios aurovillianos: o Matrimandir, templo considerado a alma, a “força coesiva de Auroville", "o símbolo vivo da aspiração de Auroville para o Divino".[4] 
No centro do Matrimandir, há uma câmara com doze paredes de mármore branco, utilizada para meditação. O detalhe arquitetônico mais importante fica no meio da câmara: um globo de cristal de 70 cm de diâmetro, feito pela Zeiss, na Alemanha.
O pavilhão da Índia abriga uma maquete do projeto de Auroville, uma biblioteca, uma loja e um centro de cultura indiana. Na cidade há também escolas de crianças que procuram proporcionar um novo tipo de educação, baseada nos ensinamentos de Sri Aurobindo.
Hoje, vivem e trabalham em Auroville pessoas de dezenas de países. Esse fluxo migratório suscitou inicialmente problemas de integração com a população que vivia no local e nas proximidades. A chegada de forasteiros com valores culturais diferentes transformou o contexto social. Entretanto, com o passar do tempo, a situação foi se harmonizando, e os habitantes das aldeias vizinhas passaram a se inserir no projeto de variadas formas: alguns começaram a trabalhar nos setores de reflorestamento, artesanato e na produção de alimentos; outros vieram estudar nas escolas e centros de treinamento.
Auroville contou com recursos do governo da Índia, doações de indivíduos e de organizações internacionais para sua fundação e manutenção. Mas espera alcançar a auto-suficiência por meio da produção de alimentos (já consegue suprir 10% das necessidades locais; o restante vem de Pondicherry e é distribuído pela cooperativa Pour Tous), de artigos como incenso, perfume e de trabalhos artesanais, como serigrafia em seda e outros tecidos. Alguns produtos são exportados.
O governo indiano participa da fundação que administra o projeto Auroville. Os recursos que o governo doa são utilizados em pesquisas: criação de protótipos para digestores de biogás, novas aplicações para o ferrocimento, como produção de portas, telhas e caixas d'água, entre outras.
Auroville é, assim, uma "cidade experimental", "um laboratório da consciência, um lugar onde se tentam novas maneiras de os homens viverem em comunidade"[5]. E ajuda a preparar a humanidade para os passos seguintes de sua evolução.



[1] Na mesma linha há uma ampla gama de estudos. Cf. SMITH, L. Intelligence came first.
[2] Carta de Auroville. Cf. site www.auroville.org.
[3] A abertura para o trabalho de urbanistas estrangeiros teve impulso com o projeto de Chandigarh, por Le Corbusier, e o projeto de Auroville; na arquitetura, com a obra de Louis Kahn, no Instituto de Administração de Ahmadabad. Entre os arquitetos e urbanistas indianos, destaca-se Charles Correa, cujo projeto mais conhecido é o de New Bombay, uma cidade nova nas cercanias de Mumbai.
[4] Carta de Auroville. Cf. site www.auroville.org.
[5] Carta de Auroville. Cf. site www.auroville.org.


[i] Texto integrante do livro Tesouros da India para a civilização sustentável, Santa Rosa Bureau Cultural

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