Maurício Andrés
Ribeiro (*)
O Centro de
Estudos Indianos da UFMG promoveu em fevereiro de 2014 uma jornada sobre a
cooperação acadêmica Brasil-Índia no século XXI. O evento foi prestigiado pelo
Reitor da UFMG, o embaixador da Índia no Brasil, autoridades universitárias, pesquisadores
e professores indianos e brasileiros de vários campos do conhecimento. Houve sessões
sobre cultura e filosofia, ciência e tecnologia; desenvolvimento e sustentabilidade.
Ao final, um workshop resultou em
propostas para fortalecer o Centro de Estudos
Indianos, incrementar relações com centros similares na Paraíba e no Rio de Janeiro, criar rede de contatos e comunicação, envolver empresas
e governos como parceiros. Será organizado um banco de dados com a memória dos
principais encontros acadêmicos e missões oficiais, de modo a não reinventar a
roda e a aproveitar os acúmulos existentes; será enriquecida a biblioteca e serão
buscadas fontes de recursos para viabilizar bolsas de estudo para estudantes brasileiros
na Índia e para professores visitantes indianos no Brasil. Atividades
triangulares Índia-Brasil-África do Sul serão intensificadas. Em atividades
promovidas por outras unidades da universidade serão realizados eventos paralelos
para explorar as possibilidades de intercâmbio Índia-Brasil.
A UFMG quer se
internacionalizar, estudando melhor a China, a América Latina, a África, a Europa.
Com a Índia, isso pode ser feito por meio de incentivos à vinda de professores
indianos para lecionarem em universidades brasileiras, trazendo-nos a
contribuição da excelência acadêmica existente naquele país. Isso também pode
se realizar por meio de editais para pesquisas conjuntas e por meio da oferta
de bolsas de estudo para pesquisadores brasileiros na Índia. Há 35 anos, fui
pesquisador visitante em Bangalore, com uma bolsa do CNPq, tendo desenvolvido
um estudo comparativo que resultou em livros e publicações[1]. A imersão durante um ano
na Índia foi uma rica experiência, com benefícios práticos, pois o baixo custo
de vida permite ao estudante viver na Índia com mais folga econômica do que em
outros países.
Ao longo de sua
história, o Brasil recebeu imigrantes europeus da Península Ibérica, Itália,
Polônia, Alemanha, Armênia; recebeu negros escravos trazidos de diversas partes
do continente africano; asiáticos da China, Japão, Coréia. A proximidade
linguística e geográfica facilita o ir-e-vir entre latino-americanos, e a
influência cultural e tecnológica americana está presente na economia e na
comunicação de massa. O Brasil se europeizou com a descoberta pelos portugueses
e se africanizou entre os séculos XVI e XVIII com o tráfico negreiro. Nesse
período, se desindianizou com a matança dos índios. Ainda é dominante a
influência da tradição ocidental judaico-cristã, que subjugou os índios e as
sociedades pré-colombianas. Com a vinda de Dom João VI e a missão francesa,
afrancesou-se. Nas migrações pós-escravatura, achinesou-se, italianizou-se,
niponizou-se, incorporando o temperamento, a maneira e o estilo de cada um
desses povos que formam o povo brasileiro.
Além de
internacionalizar-se no século XXI, o Brasil precisa indianizar-se, trazendo o
tempero desse país com o qual antigas relações no intercâmbio de espécies
vegetais ( manga, coco, caju) e animais (o gado zebu de origem indiana), bem
como no campo da cultura (yoga, tradições espirituais). Entretanto, tem poucas
relações acadêmicas, no intercambio de ciência e tecnologia, nas experiências
de desenvolvimento socioeconômico e político. Ao se indianizar, o país estará
se abrasileirando de maneira mais plena, completando o cadinho de contribuições
culturais que compõem a civilização brasileira.
A
universidade brasileira é fortemente influenciada pela matriz de pensamento
ocidental, europeia e norte americana. Ela sustenta intelectualmente visões de mundo utilitaristas, que têm por objetivo aprofundar o domínio do
ser humano sobre a natureza. Essa visão antropocêntrica responde a demandas das
corporações econômico-financeiras e do complexo industrial militar e tem
consequências devastadoras. No contexto da crise ecológica e climática, a
universidade pode promover melhor compreensão mútua entre civilizações. A educação é um
instrumento poderoso para o desenvolvimento da consciência humana e a universidade apresenta potencial para expandir a formação da consciência ecológica.
A
indianização da universidade pode se realizar a partir da crescente indianização de cada disciplina, departamento,
faculdade e unidade de ensino bem como de todos e
cada um dos campos do conhecimento.
A antiga civilização indiana oferece pistas para uma
humanidade ecologicamente amigável e apresenta riquezas imateriais: a
resiliência social, a fraternidade, a frugalidade, a tolerância, a inteligência
espiritual, a não violência, o dharma, o yoga, a meditação, a paciência, o
respeito à diversidade. Corpo, mente e emoções, ciências, artes, tradições e
visões de mundo, tudo pode ser indianizado.
A
história política no século XX dissolveu
a esperança nos regimes que, a pretexto de alcançar a igualdade, sacrificaram a
liberdade; também se dissipou a ilusão
de que os padrões de riqueza material dos países ocidentais são desejáveis; ao
contrário, eles se mostram ecologicamente destrutivos e tem uma pesada pegada
ecológica, predatória para o planeta.
No campo da
sustentabilidade muito podemos aprender com a civilização indiana que se
mostrou sustentável ao longo da história e que acumula um patrimônio de
conhecimentos que se refletem na vida prática frugal, nos hábitos de consumo
que levam a uma leve pegada ecológica, nos mitos em que se baseiam o imaginário
coletivo e o individual. Poderíamos aprender com a “antropofagia” indiana, que
soube ser resiliente e absorver o impacto da colonização europeia e de outras
invasões. Brasil e Índia são as maiores nações tropicais da Terra e duas
grandes democracias que prezam a liberdade. Da cultura indiana o Brasil pode
absorver ensinamentos e sabedoria, bem como aliar-se numa nova inserção no
mundo globalizado; da cultura brasileira a Índia pode absorver a vitalidade de
uma nação jovem.
[1] Entre
outros, o livro Tesouros da Índia para a Civilização Sustentável. Editora
Rona/Santa Rosa Bureau Cultural, Belo Horizonte, 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário