Maurício
Andrés Ribeiro
Vale
aprender com civilizações milenares que souberam ser resilientes, suportar os
impactos de invasões e acomodar povos e culturas diferentes. Em poucos anos, a
Índia será o país mais populoso do
mundo, com cerca de 18% da população mundial. É um país multicultural, que tem várias religiões – hindu, muçulmana, cristã, budista, jainista,
entre outras.
A Índia é o país com maior
diversidade linguística. Tem trinta diferentes troncos linguísticos
e centenas de dialetos. Entre
as línguas mais faladas do mundo estão o hindi, telugu, marathi, kannada,
tamil, urdu, bengali. Muitos indianos são poliglotas. Além disso, falam o
inglês, incorporado como uma nova língua no país. (Figura)
Um mundo de línguas . Na Índia encontram-se várias das mais faladas.
Fonte:
Alberto Lucas López - http://www.scmp.com/infographics/article/1810040/infographic-world-languages?page=all
|
A
diferença não é apenas respeitada, mas também estimulada. Diversidade social,
cultural, psicológica, além da biodiversidade, caracterizam essa sociedade. A
Índia cultivou a convivência entre diversos de forma introspectiva:
aprofundou-se na psicologia humana, criando tradições espirituais que
priorizaram o autoconhecimento e um estilo de vida não agressivo em relação ao
ambiente natural e social; desenvolveu tecnologia de vivência implosiva, de
adensamento e aprofundamento interno, diferente das tecnologias de conquista do
mundo exterior desenvolvidas em outras sociedades. O princípio da não violência
é um dos pilares dessa civilização e determina o comportamento individual e
coletivo. Até mesmo a luta pela independência, conduzida pelo Mahatma Gandhi,
usou da gentileza da resistência passiva para fazer os invasores europeus sair
de seu território. A ahimsa, ou não violência,
praticada na luta política por Gandhi, levou o país à independência. Praticada
no dia a dia faz com que os índices de violência sejam muito mais baixos do que
os da América Latina e da África. (World
Tables, do Banco Mundial, mostra que os índices de homicídios intencionais por
100.000 habitantes na Índia são seis vezes menores do que no Brasil. Link http://data.worldbank.org/indicator/VC.IHR.PSRC.P5
)
A
Índia criou um sistema de valores que facilitava a tolerância para com o
diferente. No campo da hospitalidade e no exercício da convivência com o
diferente, a cosmovisão indiana tem grandes contribuições para as demais
civilizações. Ali formou-se uma civilização que desenvolveu tolerância a
diferenças, ao acomodar em seu território, durante milênios, imigrantes e
descendentes de arianos e drávidas, maometanos e gregos, europeus de Portugal, da
França, da Inglaterra. Disso resultou um
país com grande diversidade de línguas, culturas, costumes. Talvez seja, no
mundo, o povo mais diverso e a sociedade em que se experimentam mais
explicitamente os extremos das grandezas e misérias da condição humana. A Índia
absorveu, metabolizou influências das inúmeras invasões que sofreu ao longo de
sua história e as devolveu transformadas ao mundo. Diferentemente dos países europeus, que colonizaram a África,
Ásia e América, e ali predaram e parasitaram recursos com os quais se
sustentar, a Índia nunca foi expansionista. Pelo contrário, absorveu os
imigrantes que chegavam.
A
Índia exercitou, na prática, formas de acomodação que facilitam a convivência.
Unidade na diversidade é o lema da nação indiana. Há unidade de princípios
dentro da diversidade étnica e cultural. O poeta indiano e
prêmio Nobel Rabindranath Tagore assim expressou essa condição do país: “A
missão da Índia foi como a da anfitriã que tem que prover acomodações
apropriadas para numerosos hóspedes, cujos hábitos e necessidades são
diferentes uns dos outros. Isso causa complexidades infinitas, cuja solução
depende não meramente de tato, mas de simpatia e de um verdadeiro entendimento
da unidade do homem". Tagore conclui: “Temos que reconhecer que a
história da Índia não pertence a uma raça em particular, mas a um
processo de criação para o qual várias raças do mundo contribuíram – os
drávidas e os arianos, os antigos gregos, os persas, os maometanos do oeste e
aqueles da Ásia central. E por fim, foi a vez dos ingleses nessa história,
trazendo-lhe o tributo de suas vidas; não temos o poder nem o direito de
excluir esse povo da construção do destino da Índia.” (TAGORE, 1976). Para
abrigar hóspedes tão diversos em seu território, a civilização indiana
desenvolveu o espírito de tolerância.. A capacidade de ser um bom anfitrião e
de bem receber migrantes está relacionada com um entendimento generoso da
unidade do ser humano. Tem a ver com solidariedade, empatia, compaixão, valores,
que vão além dos interesses econômicos e materiais imediatos. A receptividade
para com aqueles que migram e pretendem se estabelecer de modo permanente está
relacionada com a capacidade de deixá-los à vontade, não hostilizá-los ou
excluí-los. A habilidade de ser receptivo e de acolher imigrantes é valiosa num
mundo com números crescentes de refugiados políticos, econômicos ou ambientais.
A tecnologia de convivência e respeito a diferenças desenvolvida nessa
civilização é essencial no mundo conflagrado por conflitos étnicos.
Nesse estágio terminal da era cenozoica, caracterizado
por mudanças climáticas, eventos críticos e extremos, catástrofes, êxodos e
deslocamento de populações, é positiva a capacidade de exercer a cultura de paz
e a tolerância, a habilidade de conviver pacificamente uns com outros. São
riquezas intangíveis e imateriais valiosas a generosidade, a solidariedade e a
hospitalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário