sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Amizade, política e redes sociais

Maurício Andrés Ribeiro
 
Conta-se que um pesquisador propôs uma competição a crianças famintas de uma tribo africana. Colocou uma cesta com frutas a 20 metros delas e disse: "Quem chegar primeiro, fica com o cesto todo”. Mas quando deu o sinal de partida, as crianças deram as mãos e correram juntas para o cesto. Sentaram-se e, em conjunto, degustaram todas as frutas. Quando o pesquisador lhes perguntou por que fizeram isso, elas responderam:
"Ubuntu - como pode um de nós ser feliz quando todos os outros estão tristes?” Ubuntu significa para elas "Eu sou porque nós somos”.

Numa cultura comunitária, a ação coletiva busca o bem comum e a cooperação para não deixar ninguém para trás. Numa cultura competitiva busca-se benefícios individuais e particularistas e usa-se o poder político para privilegiar os amigos: “A esfera da política coincide com a da relação amigo-inimigo” e em situações de antagonismos, defende-se os amigos e combatem-se os inimigos: “Enquanto houver política, ela dividirá a coletividade em amigos e inimigos.” (Bobbio, Matteuci e Pasquino (1986, p. 959), no Dicionário de política.). Outra expressão corrente na política, que a divide entre os amigos e os outros diz “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei.” Aí se expressa a prática política de aproveitar-se da condição de amigo do rei para obter benefícios para si, sacrificando o interesse público em função de interesses particularistas.

Redefinir a amizade é redefinir a política.

Pode-se expandir a abrangência da amizade e outros membros da comunidade da vida. Defendendo hábitos de consumo ecologicamente amigáveis e de alta economia energética, George Bernard Shaw justificava seu vegetarianismo dizendo que “Os animais são meus amigos; e eu não como meus amigos.” Defendia a amizade pelas espécies da biodiversidade e não apenas pelo círculo das amizades humanas. No Brasil, expressão popular trata pejorativamente da amizade com os animais, como no caso da expressão “amigo da onça”.  Mas há muitos casos em que os afetos humanos se dirigem para animais domésticos, gatos e cães, os melhores amigos do homem. Tradições espirituais, como a de São Francisco de Assis, estendem sua amizade aos animais.

As redes sociais que se formam a partir da internet são uma tecnologia de relacionamento que altera o significado da amizade e do que é ser amigo. O conjunto de meus amigos no Facebook inclui desde pessoas com quem tenho relacionamento próximo - esposa, filhos, mãe, irmãos - até familiares, antigos colegas de escola reencontrados virtualmente, ex-empregadas domésticas conectadas na rede social, antigos professores que moram em outro lado do mundo, colegas de trabalho antigos e atuais. Meus amigos virtuais compõem um conjunto de milhares de pessoas, muitas das quais não conheço pessoalmente, mas de quem recebo mensagens, a quem envio aquilo que penso e que me motiva, com quem comento impressões sobre assuntos variados, com quem compartilho informações.

A tecnologia das redes sociais facilita que esse conjunto de pessoas saiba a data de meu aniversário e me cumprimente, à distância, sem contato verbal ou pessoal. No dia de meu aniversário recebo delas dezenas de mensagens com desejos de felicidade e saúde e retribuo os bons votos. Eu também as cumprimento e lhes dou parabéns pelas suas datas e feitos, demonstro solidariedade quando sofrem alguma perda, curto as mensagens que me sensibilizam. Lanço mensagens como as garrafas que um náufrago lança ao mar, para que sejam compartilhadas, espalhadas, curtidas, comentadas, dando-me a sensação de que não estou sozinho.

A rede aproxima pessoas física e socialmente distantes e que não teriam muita oportunidade de conversar entre si. Ha ainda um processo de difusão de conhecimentos e de informações, de nivelamento cultural. Tudo isso é parte da nova ecologia e tecnologia dos relacionamentos humanos.  Atualmente acontecem conflitos e desentendimentos nas redes sociais entre antigos amigos ao exporem suas ideias políticas ideológicas, religiosas sem tato ou discrição.  Muitas pessoas optam por se desconectar, se isolar do ambiente toxico e agressivo que se forma virtualmente. O relacionamento promiscuo gera tensões e conflitos, rupturas de relações, inimizades. Aprender a se relacionar de modo respeitoso nas redes sociais é um aprendizado útil no mundo atual.

Os Brahma Kumaris, praticantes da raja ioga definem que “É nos nossos relacionamentos que podemos realmente conhecer a nós mesmos. Somos um espelho para o outro. O que damos aos outros através de nossos pensamentos, sentimentos e atitudes é o que damos a nós mesmos. Nossos relacionamentos são o aprendizado real, a sala de aula, o laboratório da vida. Relacionamento não é simplesmente estar junto com os outros. Relacionamento é compreensão, construção, nutrição e carinho. Cada interação traz uma lição.”

Oxalá possamos cultivar amizades físicas e pessoais, além de regular nossos relacionamentos virtuais apreendendo a conviver harmonicamente com antigos e novos amigos.

 

 

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