sexta-feira, 22 de março de 2019

O nu e o vestido: a moda ecologizada

Maurício Andrés Ribeiro
 
 
 

 
A necessidade de vestir-se movimenta recursos humanos e econômicos consideráveis. Gera empregos na produção de matérias de origem vegetal, como nas plantações de algodão, juta e outras, e na produção da lã e de materiais de origem animal, tais como o couro; ou de origem fóssil – as fibras sintéticas – com os quais se fazem os fios ou se tecem os panos. Impulsiona a indústria têxtil, que no Brasil emprega 800 mil trabalhadores e move as confecções, as profissões dos estilistas e designers de moda, os alfaiates, costureiras e o comércio de tecidos, roupas e calçados.
 
A identidade de um povo ou de um cidadão e sua qualidade de vida são influenciadas pelo que vestem. A roupa é proteção, segurança, proporciona conforto térmico, regulando o calor ou o frio que os corpos sentem através do tato. O vestuário também é mensagem cultural, sinal visual que indica posto, posição, graduação, status social, ocupação. Denota gosto, ou a falta dele, estilo de viver, tem conotações estéticas, confere identidade ao indivíduo ou ao grupo social. Diferencia categorias profissionais ou sociais: os macacões, os colarinhos-brancos, as fardas, os fardões, as togas, os hábitos, os uniformes e os trajes para ocasiões especiais de núpcias, de domingo, de festa ou de trabalho, dos astronautas, as fantasias.
 
Inúmeras expressões se referem ao vestuário, desde “o rei está nu”, o “rasgar a fantasia”, “o desnudar-se das máscaras psicológicas” até o “camisolão”, os “engravatados”, os “descamisados”, “crime do colarinho branco.”
 
Os impactos ambientais da economia do vestuário variam da desertificação em áreas de cultivo de algodão à poluição hídrica causada pelo tingimento de tecidos na indústria têxtil; das vibrações e poluição sonora produzidas pelos teares às condições de trabalho dos empregados da indústria têxtil. Além disso, há os desperdícios e perdas de tecidos por moldes que não consideram as sobras e as possibilidades criativas de seu aproveitamento. Entre os consumidores, existem, num extremo, aqueles que não atingiram o limiar mínimo de meios materiais que permitam atender à necessidade básica de se vestirem. Noutro extremo estão os adeptos da moda predatória, que gastam recursos naturais – o algodão, as peles, as fibras sintéticas – em moldes que provocam perdas dos tecidos, bem como os que se vestem segundo padrões culturais importados dos países de clima temperado, usando roupas que lhes trazem desconforto térmico.
 
Num clima tropical, com temperaturas altas, a nudez é viável e confortável, como demonstram nossas tribos indígenas. A miséria urbana tem sobrevivido sem o abrigo da casa ou a proteção do vestuário, indispensáveis em climas temperados, frios ou polares. O clima tropical clama por uma moda em que a roupa seja leve, arejada, ventilada.
A roupa é fator de identidade pessoal, social e profissional. O design[1] de moda é um dos campos da arte com relação estreita com o ambiente e o conforto corporal e físico. A roupa regula o conforto térmico e as sensações táteis do calor e do frio e essa é uma função elementar do vestuário.
Num clima tropical, com temperaturas altas, vestir-se com roupas frescas e de fibras naturais é viável, mais barato e confortável. Pode-se  até sobreviver sem o abrigo da casa ou mesmo a proteção do vestuário, indispensáveis em climas temperados, frios ou polares.
Manter climas refrigerados artificialmente e manter-se vestido dentro deles, com roupas para frio é um contra-senso, somente suportável em sociedades com abundância de energia barata. Quando a energia escasseia ou torna-se cara, é preciso reduzir a demanda, adequar as necessidades, cortar os usos supérfluos ou que provocam seu desperdício.
Eliminar a roupa desnecessária ou imprópria e despir-se da moda supérflua é um dos meios para reduzir a demanda de energia e promover o consumo consciente. O vestuário ecológico é amigável em relação ao meio ambiente, porque facilita a economia de energia. Além disso, a energia mais limpa é aquela que se deixa de consumir.
Durante a crise energética em 2001, o racionamento de energia tornou insuportáveis as condições térmicas em muitos ambientes de trabalho, o que fez com que se abolisse a exigência de terno e gravata, vestimentas inadequadas para o clima quente dos trópicos. Em junho de 2005 o Primeiro Ministro japonês reuniu seu ministério e aboliu o uso do terno e gravata, para dar o exemplo, economizar gastos de energia com ar condicionado nos edifícios e atingir as metas do Protocolo de Quioto.
 
O clima tropical clama por uma moda em que a roupa seja leve, arejada, ventilada, adequada ao século XXI, o século do aquecimento global e do efeito estufa, no qual o calor crescente já exige hábitos de vestir adaptados ao clima, para proporcionar conforto térmico ao cidadão.
 Na Américas, há variações climáticas regionais, desde o clima quente e úmido equatorial da Amazônia, o clima tropical, que prevalece nos litorais, até o clima quente e seco da caatinga, os climas subtropicais das latitudes médias, o clima do cerrado,o clima das montanhas. Cada um desses tipos climáticos tem características de temperatura, pluviosidade e ventilação que devem influenciar os critérios para a escolha dos tecidos, das cores, do tipo de vestimenta. Há variações sazonais e, mesmo, no ciclo dia/noite, importantes na escolha do que vestir. Vestir-se ecologicamente supõe adequar-se ao bioclima, proporcionar conforto ao corpo, reduzir a transpiração e a necessidade de desodorantes, de climatização mecânica de ar.
A roupa ecológica resulta de moldes que reduzem perdas de tecidos. Os milenares sáris femininos ou os dothis masculinos usados na Índia são peças retangulares sem cortes e perdas de tecido. A “roupa ecológica” se faz reciclando e reaproveitando as sobras de tecidos.
 
A moda precisa desenvolver idéias que mexam com o imaginário, com os aspectos simbólicos e padrões estéticos e de desenho, levando em conta a influência do meio sobre o que se veste. A criatividade deve fazer cair de moda aqueles hábitos herdados do colonizador. Precisa inventar a moda ecologizada – que resista ao tempo e que se torne uma tradição, por ser adequada às condições do meio ambiente.  O ciclo de produção  da moda é curto e dura pouco, pois a moda por natureza é descartável e vive da  obsolescência. A moda ecologizada precisa atentar para os materiais e a cadeia de produção – dos plantadores das fibras às costureiras - e produzir roupas que sejam recicláveis e reaproveitáveis, ou que tenham maior duração e não sejam descartáveis.
Ecologizar a moda, adequando ao clima as tradições do vestir-se, será uma forma de render tributo a Oswald de Andrade que, no poema Erro de Português, apontava:
 
Quando o português chegou
debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio.
Que pena!
Fosse uma manhã de sol,
O índio tinha despido
o português.
 
 
 


[1] A palavra design significa desígnio, vontade, projeto. O design de uma civilização ecologizada começa pelos atos cotidianos de alimentar-se, respirar, vestir-se, morar, circular, usar o tempo livre e pelo eco design da roupa à habitação, do espaço urbano ao design das paisagens naturais. E de instituições políticas e socioculturais adequadas.
 
 

2 comentários:

Romulo Andrade disse...

Bom alerta, professor. Acrescento à sua reflexão a importância dos brechós. Uma solução inteligente em tempos de escassez e desperdício de matéria prima, além da pressão a um consumismo exacerbado. Saudações aos jovens inovadores do sec XXI

Unknown disse...

Muito oportuno em tempo de pensar antes de consumir. Também necessaríssimo em tempo em que pensar, avaliar, inferir, está entrando em des-uso. Desejável igualmente em tempo em que a pressa preconiza o imediato, o solúvel, o descartável e consequentemente o raso.