quinta-feira, 30 de maio de 2019

Sri Aurobindo e visões contemporâneas sobre a Fraternidade



Maurício Andrés Ribeiro

Sri Aurobindo escreveu extensamente sobre a Fraternidade, valorizando esse terceiro princípio da Revolução Francesa como sendo aquele capaz de articular os outros dois princípios. “A fraternidade é a chave para o triplo evangelho da ideia de ‘humanidade’. A união de liberdade e igualdade só pode ser alcançada pelo poder da fraternidade humana e não pode ser fundamentada em qualquer outra coisa".
Ele escreveu que a fraternidade só pode ser alcançada a partir de um movimento da alma, de dissolver o ego e as ações e motivações egoístas.
A fraternidade foi um princípio ignorado no âmbito da política e apropriado pelo campo das religiões, frequentemente associado com a caridade cristã, no cristianismo, com campanhas da fraternidade na igreja a católica, com  ações assistencialistas de grupos religiosos. Em alguns casos, estendendo essa fraternidade ao mundo das pessoas não humanas, como o fez Francisco de Assis, que considerava todos como irmãos.
A fraternidade foi apropriada e absorvida há muito pelas tradições espirituais e religiões organizadas, com suas fraternidades, irmandades. Entretanto a fraternidade universal transreligiosa, para além das crenças especificas, ainda não é uma característica dominante. Elas  ainda focam e valorizam aspectos específicos culturais.
A crise ecológica e climática atual, com a consciência crescente sobre problemas e riscos que se colocam diante da humanidade como um todo também  induzem a uma percepção de nossa fragilidade como espécie e da necessidade da fraternidade. A era em que uns lutavam contra outros e em que a identidade de um indivíduo ou um grupo era percebida numa escala local ou nacional, passa a ceder lugar a uma escala em que somos todos terráqueos e nosso lugar de fala ou de identidade é esse canto do universo que habitamos. Talvez essa percepção da unidade humana ainda não seja amplamente disseminada coletivamente, mas muitos e um número crescente de indivíduos já a percebem.
Pensadores como Duane Elgin em  A dinâmica da evolução humana (São Paulo: Cultrix, 1993) visualiza uma era de solidariedade global na qual “a compaixão social torna-se a base prática para a organização de uma civilização em escala planetária. Graças ao profundo senso de solidariedade e dedicação, a humanidade se esforça para construir um futuro sustentável fundado no desenvolvimento coletivo. Há grande empenho em restaurar o ambiente global.” (ELGIN, 1993, p. 207).
Em vários campos da atividade humana acontece a fraternidade laica, não necessariamente ligada a movimentos religiosos.
Assim , por exemplo, no campo das artes esse é um tema recorrente no discurso e em ações práticas.
O poeta e diplomata mexicano Octavio Paz escreveu, sobre a Fraternidade combinada com a Igualdade e com a Liberdade “Dadas as diferenças naturais entre os seres humanos, a igualdade é uma aspiração ética que não pode ser concretizada sem se recorrer ao despotismo ou a um ato de fraternidade. Minha liberdade fatalmente se confronta com a liberdade do outro e procura destruí-la. A única ponte capaz de reconciliar essas duas irmãs que continuamente se atacam de faca é uma ponte feita de braços interligados: a fraternidade.” Na música, Caetano Veloso cantou:  “E eu não tenho pátria, tenho mátria. E quero frátria. “
A imagem da terra vista de longe por um astronauta ajudou a impulsionar essa consciência e muitas produções artísticas focalizam esse tema. Assim, Yann Arthus Bertrand produziu vários filmes com essa abordagem, entre eles o filme Home, que mostra a unidade da Terra para além das diversidades.



Há alguns anos uma grande exposição fotográfica também focalizou a família humana com sua diversidade.



A grande familia humana em fotos

No mundo contemporâneo há vários exemplos de  ações motivadas por princípios e valores altruístas, tais como os médicos sem fronteiras, os doutores da alegria, os movimentos ecológicos que estendem a fraternidade para além do mundo humano, para a natureza, numa visão aproximada à de São Francisco de Assis , aqueles que praticam o serviço abnegado ou seva, como na tradição sikh.
Doutores da alegria

O movimento dos acionistas ativistas também expande a noção de auto interesse dos investidores e acionistas de uma empresa ou corporação para além dos objetivos de lucro e ganância egoísticos, para relação a responsabilidade social e ecológica dessas empresas. Ainda se trata de um movimento emergente e minoritário, mas que sinaliza para uma mudança de mentalidade desses atores econômicos.
Acionistas ativistas ou investidores engajados protestam em Sydney quando do desastre da Samarco em Mariana. A angloaustraliana BHP Billiton é controladora da Samarco
A ação desinteressada ou a prestação de serviço abnegado é praticada com motivações religiosas, como por exemplo pelos sikhs, os praticantes de uma das religiões indianas. que “O serviço abnegado é um conceito importante no sikhismo, assim como na maioria das religiões indianas. O ato de seva leva ao benefício e ganho coletivo, embora seja realizado sem levar em conta o resultado para o indivíduo.” “Realizar o seva pode ser uma tarefa desafiadora, pois pode gerar dificuldades pessoais para as pessoas que o fazem. Elas podem descobrir suas próprias aversões a certos aspectos do trabalho. No entanto, por meio da conscientização consciente desses desafios, a seva pode ser uma ferramenta poderosa para as pessoas aprenderem mais sobre si mesmas, suas personalidades e os padrões de comportamento ou pensamento que já não os servem. Desta forma, a realização de seva pode ser uma forma de desenvolvimento pessoal e espiritual.“ (Yogapedia)


Seva, ação realizada como serviço abnegado


Demorou, mas no curso da evolução parece que finalmente a fraternidade pode passar a ter a prioridade que merece em todos os campos da atividade humana. Uma nova versão da bandeira de Minas Gerais, Libertas quae sera tamem, poderia adotar o lema da Fraternidade ainda que tardia, colocando a fraternidad na base das relações humanas.

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