terça-feira, 4 de junho de 2019

Sri Aurobindo e os ingleses


Maurício Andrés Ribeiro

Nascido em Calcutá em 1872 em pleno domínio inglês, Sri Aurobindo foi educado conforme os cânones dos colonizadores, pois seu pai não queria que ele tivesse qualquer contato com a cultura indiana. Tendo vivido na Inglaterra dos sete aos 21 anos, Sri Aurobindo estudou profundamente o hemisfério ocidental, com sua história, cultura e política. Somente após retornar a seu país aprendeu o sânscrito, o bengali e  processou esse conhecimento à luz da Vedanta, a milenar sabedoria das escrituras hindus.
 Sri Aurobindo participou ativamente, no início do século XX, da luta pela independência de seu país.  Entre 11 de abril de 1907 e 23 de abril de 1907, durante 10 dias, Sri Aurobindo publicou no Bande Mataram, o jornal que então editava sete artigos, com menos de 40 páginas,  com a teoria e conceito da resistência passiva ou resistência defensiva. Gandhi foi o mais conhecido aplicador da resistência passiva, método e prática pelo qual a India conquistou sua independência em 1947, quatro décadas depois.
Preso pelos ingleses, que o consideravam a pessoa mais perigosa da Índia por sua luta pela independência, Sri Aurobindo mudou-se para a ex-colônia francesa de Pondicherry para escapar de novas prisões. Lá viveu todo o restante de sua vida.
A cultura indiana que era desprezada pelos colonizadores europeus e particularmente pelos ingleses. Florência Costa,  em seu livro Os indianos, cita  lorde Macaulay  que afirmou que: ”o conjunto inteiro da filosofia e literatura indianas  não valia uma única prateleira de uma boa biblioteca europeia.” Winston Churchill comentou que “Eles (os indianos) são um povo bestial com uma religião bestial”. Nos clubes dos colonizadores, indianos e cachorros  não entravam. (p 190) e 30 milhões de indianos morreram  massacrados  pelos ingleses, no maior genocídio da história.
No seu livro Os fundamentos da cultura indiana Sri Aurobindo observa que dois eventos, o movimento teosófico e a atuação de Swami Vivekananda em Chicago, no Congresso Mundial de Religiões em 1900, foram fundamentais para revalorizar a filosofia e a cosmovisão indiana, desprezadas e menosprezados pelos europeus. Ele rejeitava alguns métodos e doutrinas dos teosofistas como teocratas e altos sacerdotes mas os aceitava como por seu trabalho pioneiro e dava um crédito ao papel dos teosofistas que beberam em antigas fontes orientais: "A Teosofia, com suas combinações compreensivas de antigas e novas crenças e o seu apelo a antigos sistemas espirituais e psíquicos teve em todas as partes uma influência para muito além do círculo de seus seguidores explícitos." A Índia  veio a abrigar a sede mundial da Sociedade Teosófica, em Adyar, Madras, atual Chennai, perto de onde posteriormente veio a se estabelecer, em Pondicherry, a cidade de Auroville, inspirada pelo pensamento de Sri Aurobindo. A Índia é um país com grande abertura para propostas abrangentes e compreensivas, como essas duas.
Por ocasião da segunda guerra mundial, a Índia estava no auge da luta de décadas para obter sua independência, que veio a ocorrer em 1947. Muitos indianos propunham manifestar-se neutros ou verbalizar o apoio à Alemanha, inimiga da Inglaterra naquela guerra.
Mas Sri Aurobindo foi enfático em defender o apoio aos aliados, quando escreveu em 3.9.1943:
 “Mesmo se eu soubesse que os Aliados iriam fazer mau uso de sua vitória ou não observariam a paz ou, ao menos em parte, estragariam as oportunidades abertas ao mundo humano por essa vitória, ainda assim, eu poria minha força por trás deles. De qualquer modo, as coisas não seriam nem uma fração de centésimo tão ruins como seriam sob Hitler. As vias do Senhor estariam ainda abertas – mantê-las abertas é o que conta. Mantenhamo-nos na realidade, no fato central: a necessidade de remover o perigo da servidão negra e do barbarismo revivido que agora ameaça a Índia e o mundo, e deixemos para mais tarde todos os problemas secundários e menores ou questões hipotéticas que pudessem nublar o único, inteiramente importante, o trágico problema diante de nós.”
Sri Aurobindo identificava com clareza  o problema central dos problemas secundários e  enxergava as forças que atuavam por detrás dos atores em guerra. Para ele o problema central era derrotar o nazismo e diante disso até mesmo a luta pela independência se tornava um problema secundário.
. Saber fazer essa distinção entre o que é o problema principal e o que são os problemas secundários é um pré-requisito para se tomar a posição e realizar a ação correta.

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