terça-feira, 4 de junho de 2019

Evolução pessoal e mudanças sociais na visão de Sri Aurobindo


Maurício Andrés Ribeiro
O homem é produto do meio que por sua vez é produto do homem num processo mutuamente adaptativo de coevolução.  O que vem primeiro, a evolução pessoal ou as mudanças sociais? É possível haver mudanças sociais e políticas coletivas duradouras sem a  evolução pessoal?
Sri Aurobindo postula que o ser humano é um ser em transição na evolução. Ao vislumbrar o advento de uma era espiritual, ele prioriza abertamente  a liberdade individual:  “A vinda da era espiritual deve ser precedida pelo aparecimento de um número crescente de indivíduos que não estão mais satisfeitos com a existência intelectual, vital e física do homem, mas percebem que uma evolução maior é a verdadeira meta da humanidade e tentam efetuá-la em si mesmos, guiar outros para ela e fazer dela o objetivo reconhecido da espécie.” 
Num mundo em que os estímulos  se multiplicam, atraindo a atenção das pessoas para a realidade externa e para aquilo que apela aos sentidos, olhar para dentro é um exercício de desligamento e de desconexão com os atrativos externos, que valorizam as atualidades conjunturais e superficiais e não as realidades profundas e estruturantes.
A vida introspectiva ou introvertida é necessária para o autoconhecimento. ""É dentro de nós que a Realidade deve ser encontrada e a fonte e fundação de uma vida aperfeiçoada; nenhuma formação exterior pode substitui-la: deve haver o verdadeiro si dentro se é para haver a verdadeira vida realizada no mundo e na Natureza."  Ele reconhecia a importância de olhar para dentro:
“Esta raça errante de seres humanos sonha sempre em aperfeiçoar seu meio ambiente por intermédio dos mecanismos do governo e da sociedade, mas é somente pela perfeição da alma interna que o ambiente externo pode ser aperfeiçoado. Aquilo que tu sejas dentro, o que esteja fora de ti desfrutará; nenhum mecanismo pode te salvar da lei do teu ser.”
Assim,  ele se aproxima de campos da ecologia do ser, da ecologia interior, da ecologia transpessoal. Complementarmente ele coloca em dúvida a possibilidade de as mudanças serem realizadas de fora para dentro, do exterior para o interior:
“Este movimento de ir para dentro e viver dentro é uma tarefa difícil a colocar sobre a consciência normal do ser humano; no entanto não há nenhum outro caminho de autodescoberta."
Ao mesmo tempo em que valoriza liberdade individual que é um pré-requisito para  a evolução pessoal, Sri Aurobindo  reconhece que também o meio coletivo, físico e social influencia os indivíduos e os alteram. Ele chama a atenção para a importância de uma evolução combinada do individual e do grupal. Em O Ciclo Humano ele escreveu que “...nem o crescimento separado do indivíduo, nem o crescimento compreensivo da totalidade do grupo podem ser o ideal, mas um igual, simultâneo e, na medida do possível, um paralelo desenvolvimento dos ambos no qual cada um ajuda a realizar o outro.” (H.C. p. 60) Na sua visualização de uma mudança espiritual para a espécie humana de seres em transição, ele reforça a importância dessa dupla origem das mudanças:  “Se a mudança espiritual da qual estivemos falando tiver quer se realizar, ela deve unir duas condições que deverão ser satisfeitas simultaneamente, mas que são muito difíceis de ocorrer juntas. Deve haver indivíduos que sejam capazes de ver, de desenvolver, de recriar a si próprio à imagem do Espírito e de comunicar tanto sua ideia como seu poder à massa. E deve haver ao mesmo tempo a massa, a sociedade, uma mente coletiva ou ao menos os componentes de um corpo coletivo, a possibilidade de uma alma coletiva que seja capaz de receber e de efetivamente assimilar, pronta a seguir e a efetivamente chegar, se não compelida por suas próprias deficiências inerentes, por seus defeitos de preparação para parar no caminho ou para recuar antes que a mudança decisiva seja feita.”
Entre essas duas escalas, a do indivíduo e a global, há uma escala intermediária relevante, a das nações.
O movimento do individual para o global passa por identidades nacionais, regionais, comunitárias e essa instancia necessita ser reforçada para que o cosmopolita e o global também tenham força. Uma globalização que se faça às custas do enfraquecimento das identidades nacionais ou regionais não se sustenta. Movimentos separatistas em várias partes do mundo  (na Espanha, no Canadá, a dissolução de países amalgamados precariamente como a antiga URSS, a antiga Iugoslávia, a antiga Tchecoslováquia etc.) valorizam tais identidades regionais.   A importância dessa escala intermediaria entre o individual e o global é reconhecida por Sri Aurobindo que valorizava a identidade nacional como uma escala entre o indivíduo e a espécie:
“Dentro da mente e alma universal da humanidade está a mente e alma do indivíduo com sua variação infinita, sua singularidade e seus traços comuns e entre elas há um poder intermediário, a mente de uma nação, a alma de um povo.” 17-196
Ele reconhecia a importância do fortalecimento das nações e de sua identidade, de firmar a diversidade para compor a unidade do todo. Pioneiro na luta pela descolonização da Índia, a partir de um certo momento Sri Aurobindo considerou que essa batalha seria inexoravelmente vencida e passou a focalizar o tema mais amplo da humanidade.
Muitas das coisas que ele quando jovem pensava como projetos para o futuro  se realizaram no seu período de vida, pois a força das ideias e da vontade pressionam pela mudança na realidade exterior.
Ao mesmo tempo em que enxergava a importância do fortalecimento das identidades nacionais, Sri Aurobindo estudou como essa diversidade de nações poderia se articular e integrar num todo mais unitário. Nesse sentido ele examinou vários cenários e avaliou os pros e contras de cada um deles: um império mundial, uma confederação de nações, uma federação.  Estudou o passado,  das tentativas de articulação supranacional desde a Liga das Nações e a ONU.  Em seu pensamento político e social, propôs que a melhor formulação para tal organização política seria uma federação planetária. Essa concepção deu origem a iniciativas tais como a Constituição para a federação do planeta Terra, publicada em 1977 pela imprensa de Auroville.

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