terça-feira, 2 de julho de 2019

O outro nome da América


Maurício Andrés Ribeiro
América é o nome dado a este continente pelos colonizadores europeus em homenagem ao navegador florentino Américo Vespúcio.
Os povos andinos originários o chamavam  de Abya Yala,  que significa terra madura de eterna juventude. Durante muitos séculos a disseminação da cultura andina foi sufocada e ficou quase invisível diante da força da colonização europeia. Como não havia uma forte tradição escrita, perdeu-se parte da cosmovisão, da mitologia e das histórias transmitidas oralmente. Entretanto, essa visão, abafada pela colonização espanhola, continuou a ser vivida pelos povos quéchua, aimara e outros, discreta e subterraneamente. Apenas há cerca de 30 anos passou a ser divulgada mais amplamente e nas últimas décadas vários estudiosos passaram a estudar, registrar e escrever sobre ela.
Alberto Acosta[1] é um dos autores que registrou a cosmovisão andina e incaica originária. O bem viver (Buen vivir) enfatiza a suficiência, o coexistir, o co evoluir. Bem viver, buen vivir, vivir bien são conceitos comunitários e cooperativos, vivos nas culturas e na cosmologia quéchua e aimara do Equador e da Bolívia. São conceitos distintos de boa vida, de dolce vita, de viver melhor. A unidade do ser humano com a natureza está presente nessa cosmovisão andina que enfatiza os ciclos longos da evolução, cooperação, fraternidade, o pequeno e o comunitário. Comunidade é estrutura social e estrutura de vida, é comunidade humana e biológica. Os povos andinos originários viviam de acordo com uma concepção integrada com a natureza e com o cosmos e tinham a percepção dos ciclos longos da vida.
David Choquehuanca[2] discorre que os povos indígenas originários acreditavam que todos somos irmãos, humanos, que a mãe Terra alimenta com a água, leite da terra. Acreditavam que precisamos viver em harmonia com a natureza e entre os seres humanos,  cuidar e proteger a mãe terra, que é diferente do conceito de Planeta. Planeta é objeto, mãe terra é sujeito. Essa visão quer unidade, paz, soberania ao invés de divisão e submissão, irmandade, incluindo as plantas e animais. (trata-se de filosofia que se aproxima de são Francisco de Assis).
Em 2010 a Bolívia propôs à ONU instituir a água como direito humano e da natureza fundamental. Por proposta da Bolívia, o dia 22 de abril foi declarado pela ONU como o dia internacional da Mae Terra, Pacha Mama, mãe terra em equilíbrio. Bolívia e Equador são os países que mais avançaram na aplicação e na institucionalização dessa abordagem trazida de suas tradições indígenas. Elas foram inseridas na Constituição e  defendidas junto a outras nações no fórum da ONU.
Sonha-se voltar a um mundo sem fronteiras, como o condor que ultrapassa os picos das cordilheiras dos Andes, a espinha dorsal da América do Sul, como na canção.
Há afinidade entre os conhecimentos dos mestres andinos e dos mestres tibetanos com elementos  que existem em  ambas as tradições, centradas numa visão cósmica do ser.
Luta-se pelo reconhecimento de línguas milenares ancestrais, diante dos idiomas europeus e do linguicidio atualmente em curso.
Fernando Huacanuni[3]  é outro autor que tratou do bem viver não apenas  como uma concepção intelectual, mas como uma visão filosófica e espiritual, a resposta de vida dos povos indígenas, sustentada por cosmovisão ancestral. Tudo vive, as montanhas, árvores, pessoas. Em aymara se diz que somos filhos do pai cosmos e da mãe terra.
O continente sul americano foi desintegrado, criaram-se fronteiras, dividiram-se países para facilitar a exploração de seus recursos naturais. Atualmente,  Abya Yala  procura recuperar caminhos próprios, revalorizar a  cultura, a música, a dança, a  cosmovisão, história e filosofia originárias. Pode ser sinal  de um renascimento cultural e de civilização. Um vídeo sobre a cosmovisão andina no tecido expressa essa perspectiva. https://ciseiweb.wordpress.com/2017/05/03/bellisimo-video-sobre-la-cosmovision-andina-a-traves-del-tejido/?fbclid=IwAR2miYJHQ_FP3zGAGZAWP2PGL-kHLSjB8gnnzMerIhmYl_IKfHUspB6WIkA 



[1] Acosta , Alberto - “O Bem Viver”, de (Ed. Autonomia Literária e Elefante); Acosta, Alberto Apreciações sociopolíticas e econômicas sobre o bem viver. Entrevista com Alberto Acosta Fonte: Revista IHU online

[2] No programa Dossier de entrevista na TV.
[3] Huanacuni, Fernando Bem Viver- Filosofia, políticas, estratégias e experiências regionais andinas. Extraído da Agenda Indígena Amazônica da Coordinadora de las Organizaciones Indigenas dala Cuenca Amazónica (COICA) – Nota 15 do texto original.


Um comentário:

Romulo Andrade disse...

Muy bueno. Boa síntese !
vamos em frente: desaprendendo as velhas crenças, despertando pra vida verdadeira, nos reinventando.
"Tempo rei Ó tempo rei, transformai as velhas formas do viver."