terça-feira, 19 de novembro de 2019

Karma e dharma


Maurício Andrés Ribeiro 

Karma é uma palavra do sânscrito que significa ação.
Toda ação produz uma reação, toda ação produz um impacto e uma consequência.
Mais cedo ou mais tarde boas ações produzem circunstâncias positivas na vida de quem as pratica, enquanto más ações produzem sofrimento para quem as realiza.
Traduzindo tal ideia em uma linguagem contemporânea, é como se cada indivíduo tivesse uma conta ou cartão de crédito cármico, um “credicarma”, com seus créditos e débitos, que se acumulam e que são pagos ou resgatados, cedo ou tarde, imediatamente, no médio ou no longo prazo. No hinduísmo, Errou, pagou!  Nesta vida ou em outras vidas. Não há indulgências, não se compra a absolvição. Há quem tenha um karma pesado a pagar, já outros tem um destino mais aliviado.
Karma é a lei da causa e efeito aplicada à vida. Karma yoga é o yoga da ação.
As ações podem ser motivadas  seja por razões do ego – a ego ação motivada pelo egoísmo, a ganância, a busca de poder; por uma ética ecológica, a eco-ação voltada para cuidar do ambiente que sustenta a vida; ou pela prestação de um serviço desinteressado , a seva, palavra do sânscrito que significa serviço abnegado e que  resulta de uma liberdade da alma de seguir o próprio dharma. Seva ação, aquela que  se pratica no sentido de servir.
Uma ação pode ter uma motivação egoísta, ecológica ou de vontade de prestar um serviço.
 
Num dos textos sagrados hindus, a Bhagavad Gita, parte integrante do épico Mahabharata (Grande Índia), Krishna, a divindade, estimula Arjuna, o guerreiro, a lutar e a assumir seu próprio dharma, aqui entendido como missão ou tarefa: “Lembra-te que é melhor cumprir a própria tarefa, ainda que seja humilde e insignificante, do que querer fazer a tarefa de um outro, por mais nobre e excelente que seja.”[1]
Ao cumprir seu dharma, o indivíduo liquida o débito do carma passado e obtém um crédito para se libertar.
A Gita recomenda que as ações sejam realizadas desinteressadamente. Sri Ramakrishna esclarece: “Quando a Gita pede para realizarmos nossas ações sem qualquer pensamento sobre o resultado, não espera que eliminemos todos os motivos como tais, mas que eliminemos todos os motivos mundanos e que tenhamos o desenvolvimento de nossa natureza espiritual como o único motivo para nossas ações”.[2]
Todo indivíduo tem um dharma próprio, exigido pelas circunstâncias de sua vida - positivas ou negativas - em que ele é compulsoriamente colocado pelo destino para que equilibre ações passadas. Quem sabe o seu dharma torna-se autoconsciente, conhece as ações que lhe cabe realizar nesta vida e procura exercê-las virtuosamente. Ao cumprir a ação e a missão humanas a tarefa que lhe cabe, o indivíduo ou a sociedade aceitam sua missão e reconhecem aquilo para o que foram destinados.
Numa interpretação livre, dharma é aquilo que uma pessoa ou uma coletividade ama, precisa, ganha, tem habilidade e aptidão para fazer. É ao mesmo tempo  a paixão, missão, vocação, profissão.
Descobrir aquilo que dá sentido à vida é descobrir o próprio dharma.
 Descobrir qual é o dharma, missão ou tarefa a cumprir em cada momento ou etapa é um exercício de autoconhecimento que pode dar sentido a uma vida individual ou coletiva.



[1] BHAGAVAD Gita; canção do Divino Mestre. Trad. Rogério Duarte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.51.
 
[2] RAMAKRISHNA. Yoga: its various aspects: Gita on Karma yoga, p.30-31.
 

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