Maurício Andrés
Ribeiro
“Devemos ter sempre em mente que é arrogância
achar que sabemos como salvar a Terra: nosso planeta cuida de si próprio. Tudo
o que podemos fazer é tentar nos salvar.” James Lovelock
Organizações ambientalistas e órgãos de
imprensa, empresas, governos, campanhas de mídia, publicações e autores têm usado a expressão “salvar o planeta”. Uma
busca rápida na internet mostra vários exemplos desse uso.
No sentido religioso, salvar é livrar das penas do Inferno e
obter a salvação eterna. Salvar tem o sentido de livrar de ruína, pôr-se a
salvo de algum perigo ou risco iminente.
Numa escala restrita e limitada, um médico, uma enfermeira, um
socorrista, um bombeiro ou a defesa civil podem salvar vidas em pandemias, desastres
e catástrofes, como terremotos e tsunamis, enchentes e deslizamentos de
encostas.
Numa escala mais ampla, pode ser que o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia nos torne capazes de desviar corpos celestes em rota de
colisão com a terra, evitando mega desastres e, assim, salvar a terra.
Salvar também tem o sentido de preservar o status quo, de manter;
preservar, conservar intato; salvar um determinado modo de vida que está em
risco.
Diz James Lovelock, o criador da teoria de Gaia,
referindo-se às mudanças climáticas com as quais nos defrontamos que “a Terra
real não precisa ser salva. Pôde, ainda pode e sempre será capaz de se salvar,
e agora está começando a fazê-lo, mudando para um estado bem menos favorável a
nós e outros animais. O que as pessoas querem dizer com o apelo é “salvar o
planeta como o conhecemos” e isso agora é impossível.”
A vida humana está presente numa fração mínima da história
da Terra. O homo sapiens surgiu há apenas 150 mil
anos. Há 50.000 anos, o sucedeu o homo
sapiens sapiens, uma espécie que sabe que sabe. A vida humana entrou em cena já no
final da era cenozóica, a era dos mamíferos, que se iniciou depois da última
grande extinção e dura até nossos dias. A era mesozóica, quando imperaram os
dinossauros, durou entre 245 e cerca de 65 milhões de anos atrás. Terminou
devido a uma catástrofe que pode ter sido causada pelo choque de um asteróide
com a Terra. Nosso planeta tem
mais de quatro bilhões de anos, e nele a vida se desenvolveu há milhões de
anos.
O uso da expressão em português pode ser o resultado de
tradução mal feita do inglês, língua na qual o verbo to save tem o sentido de guardar (nos computadores, salvar um texto
ou arquivo é guardá-lo). Em inglês, to
save pode significar poupar, economizar (savings - poupança). Faz sentido poupar
os recursos naturais do planeta, evitar seu mau uso ou desperdício. Mas como em
português o verbo salvar não é usado com tal significado, a expressão soa
inapropriada.
A expressão salvar o
planeta envolve, portanto ou uma má tradução, ou uma dose de
presunção. Em qualquer desses casos,
precisa ser evitada.
A comunicação e a expressão corretas de pensamentos e ideias
ajudam a promover a compreensão e a construção da consciência ecológica. O
cuidado com o significado das palavras e com seu uso apropriado ajuda a promover
a necessária ecoalfabetização.
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