quinta-feira, 24 de novembro de 2022

JUSTIÇA DAS ÁGUAS


Maurício Andrés Ribeiro
 

As ações humanas transformam o meio ambiente, o clima e as águas. Essas ações beneficiam alguns indivíduos, grupos sociais ou países e prejudicam outros. Assim, por exemplo, a emissão de gases de efeito estufa pelos países industrializados, desde a revolução industrial na Europa no século XVIII está causando consequências desastrosas em pequenas ilhas do Pacífico, situadas a milhares de quilômetros de distância.  Alguns agem e se beneficiam, outros são prejudicados pelas consequências negativas dessa ação.

A justiça climática procura distribuir de modo mais justo e equitativo os benefícios e custos. Um garimpeiro que usa mercúrio para separar o ouro do cascalho se beneficia desse uso, mas prejudica populações ribeirinhas muitos quilômetros rio abaixo, que precisam do peixe para se alimentar, que se contaminou com o mercúrio. Grandes empresas mineradoras ou de agropecuária bombeiam muita água do subsolo para fazer suas atividades de extração de minério ou de produção agrícola. Com isso, rebaixam lençóis freáticos e provocam a seca subterrânea mencionada pelo médico e ambientalista Apolo Heringer Lisboa. Pequenos sitiantes sofrem as consequências quando secam as nascentes e passam a precisar de caminhões pipa para abastecê-los.

Quando alguns se beneficiam e outros são prejudicados originam-se injustiças sociais.

Num mundo justo e equitativo, cada um dos bilhões de habitantes do planeta deveria ter acesso a uma quantidade adequada de água de boa qualidade para atender às suas necessidades de vida. No mundo real, não acontece assim.  Milhões de pessoas têm dificuldades de acesso a água potável de boa qualidade. Mulheres precisam caminhar longas distâncias para carregá-la para seu uso cotidiano. A água tratada não chega a todas as casas. Rios são poluídos. Fontes secam devido à extração exagerada.

Aprofundam-se situações de injustiça hídrica. Os direitos de acesso à água são outorgados pelos governos. Grandes empresas com recursos financeiros se apropriam do direito de acessá-la. As secas e enchentes contribuem para aprofundar a injustiça hídrica, para exacerbar as desigualdades no acesso e a vulnerabilidade dos segmentos mais pobres da população.

Em 2018 Brasília sediou o 8. Fórum Mundial da Água e naquela ocasião juízes de todo o mundo aprovaram uma carta sobre justiça hídrica. Essa declaração sobre justiça da água explicitou  dez princípios:

 1. A água é um bem público.

2. Deve-se respeitar a função ecológica da propriedade.

3. Deve-se promover a justiça com os povos indígenas e das montanhas.

4. Deve-se adotar o princípio da prevenção.

5. Deve-se adotar o princípio da precaução pelo qual, ainda que não haja certeza cientifica sobre as consequências das ações, elas não devem ser tomadas para evitar que ocorram danos irreversíveis no ambiente.

6.  As leis devem ser interpretadas da maneira que mais proteja as águas. Em latim a expressão “in dubio pro aqua” significa que, na dúvida, a interpretação deve ser   a favor da água. A justiça das águas a torna sujeito de direitos e dá a ela a prioridade.

 7. Quem usa e polui deve pagar por esse uso, o poluidor e o usuário pagam.

8. Precisa haver a boa governança, com aplicação e imposição de boas leis.

9. Os juízes devem considerar a integração ambiental e ecossistêmica das águas.

10. Os procedimentos da justiça devem assegurar acesso e participação dos interessados.

Podemos acrescentar alguns princípios orientadores para a gestão que leve à justiça hídrica:

·         O princípio da solidariedade

·         O princípio da subsidiariedade

·         O princípio protetor recebedor

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