terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

PREVENÇÃO DE CONFLITOS EM RESERVATÓRIOS

Maurício Andrés Ribeiro


 

No Brasil há milhares de reservatórios de  água construídos para a geração de energia elétrica, o abastecimento humano, a  agricultura, a regularização de níveis dos rios, o despejo de resíduos da mineração.

Os entornos de reservatórios, por sua beleza cênica, tornam-se atrativos para o turismo o esporte e o lazer. Em alguns reservatórios artificiais que geram energia hidroelétrica ou para abastecimento, prefeituras e empreendedores privados investiram em portos, cais, embarcadouros e infraestrutura de hospedagem. Entretanto, a operação de usinas hidrelétricas por vezes exige rebaixamentos do nível da água, ocasiões em que as margens retrocedem, inviabilizando o lazer e a recreação. As atividades turísticas e de lazer que usam os lagos como balneários se ressentem quando o nível é rebaixado, prejudicando a paisagem e a infraestrutura turística. Multiplicam-se, então, conflitos entre os usos da água para o tempo livre e os demais usos.

O maior conflito de usos no Brasil ocorreu no lago de Furnas. O reservatório foi construído para a geração de energia elétrica e, ao longo das décadas, as belezas cênicas no entorno do lago atraíram investimentos em pousadas, hotéis, resorts e todo tipo de infraestrutura de turismo e lazer. Tais atividades dependem da manutenção de uma cota adequada e há prejuízos vultosos quando o nível da água decresce, para atender a geração de energia elétrica nos anos de crise hídrica. Mais de um milhão de pessoas no entorno do lago e muitos empreendimento econômicos, situados em 50 municípios,  sofrem quando o reservatório se esvazia. Isso gerou um forte movimento a favor da manutenção de uma cota e nível de água, que envolveu usuários, empreendedores, prefeitos, políticos, o ministério público. Minas Gerais tombou o lago de Furnas  em sua constituição estadual, com a previsão da cota  mínima de 762 acima do nível do mar, para possibilitar o uso múltiplo das águas para geração de energia, turismo, abastecimento humano e outros usos. O setor de energia elétrica resistiu a essa determinação. Houve forte pressão política para manter essa cota 762.

Um plano de contingência foi elaborado para regular a operação do reservatório de modo a evitar o descumprimento da legislação estadual. A agência reguladora propôs mecanismos de liberação controlada de água que permitem maior armazenamento no período chuvoso, de modo que no período seco a cota mínima não seja atingida. Por meio de  restrições na operação dos reservatórios e de planos de recuperação de reservatórios, pode-se compatibilizar a geração de energia elétrica com os usos de turismo, lazer e recreação no lago.

Na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina está a maior queda d’água longitudinal do mundo, o Salto Yucumã. Nos anos 1970 houve a tentativa de construir ali reservatórios para hidreletricidade, mas esses projetos foram abandonados diante das leis que previam a proteção desse patrimônio.  A regra de operação da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó prevê um limite de até 1 mil m3 por segundo de vazão entre o meio-dia de sexta feira e o meio-dia de domingo. Isso permite que o salto se torne visível nos finais de semana.

As praias no rio Tocantins, muito frequentadas, sofriam os efeitos da operação de reservatórios que baixavam e subiam os níveis do rio. Pactuou-se, para preservar o turismo e o lazer, que os reservatórios do sistema hídrico do rio Tocantins, entre eles o de Serra da Mesa,  seriam operados de modo a não causar grandes variações de nível do rio, especialmente nos meses de alta temporada de praias, entre junho a agosto. Desse modo se conciliou a existência do turismo e lazer com a geração de energia elétrica. 

Nas cataratas do Iguaçu, o reservatório da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu é  operado de modo a regular a vazão  especialmente nos períodos de estiagem e nos  finais de semana, para não prejudicar a atratividade turística daquele local. Há alguns anos as cataratas volumosas se transformaram em filetes, no período de seca.

O uso da água para fins de culto religioso pode implicar em mudar a operação de reservatórios para liberar água que permita a navegação. Assim se evita o risco de encalhe das embarcações de procissões religiosas, como no caso da procissão do Bom Jesus de Piaçabuçu, em Sergipe, no Rio São Francisco.

Atualmente, cresce a demanda social por áreas de beleza natural para serem usufruídas durante as atividades no tempo livre, como o turismo, o lazer e a recreação e os cultos religiosos. Isso tem levado à maior proteção desses locais e a um esforço de compatibilização e convivência entre essas atividades e outras ditas mais produtivas.

A operação dos reservatórios é um instrumento que pode evitar ou prevenir os riscos de conflitos quando acontece um período de seca mais rigorosa. A depender dos critérios usados para  operar os reservatórios, podem acontecer conflitos entre os vários usuários. A retenção pode baixar o nível do rio e inviabilizar a navegação; a liberação para gerar energia elétrica pode prejudicar os usos de lazer e turismo.

Ela precisa ser regulada, liberando ou retendo água, abrindo ou fechando as comportas por questões de segurança, considerando os múltiplos usos. Deve levar em conta, ainda, as perspectivas futuras, para que o reservatório não seque quando acontece um período de seca ou de baixa pluviosidade hipótese em que a crise hídrica deixa de ser apenas uma crise energética para transformar-se numa crise de abastecimento mais ampla.

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