segunda-feira, 9 de junho de 2025

A ÁGUA NA HISTÓRIA DO BRASIL


 A água desempenhou um papel fundamental na história do Brasil, influenciando desde a formação dos primeiros assentamentos indígenas até os processos econômicos, culturais e sociais que moldaram o país. Sua presença está ligada à geografia, à economia e às dinâmicas de poder no território brasileiro.

Desde a ocupação indígena até a contemporaneidade, a água tem sido um recurso estratégico e simbólico no Brasil. Sua abundância moldou a cultura, a economia e a identidade do país, ao mesmo tempo que trouxe desafios, como a necessidade de preservação e gestão sustentável.

Os povos indígenas que viviam no território que viria a ser o Brasil reconheciam a sua importância. Muitos lugares tinham nomes relacionados com ela: Uberaba, água que brilha; Itororó, bica d’água; Pitangui, rio das crianças; Itamaraty, água entre pedras soltas; Igarapé, caminho das canoas; Igapó, a floresta inundada nas cheias.  As primeiras populações indígenas se estabeleceram próximas a rios, lagos e costas, garantindo acesso a água potável, alimentos (pesca) e transporte. As tradições culturais indígenas, de origem africana e de matriz europeia sempre deram importância simbólica e espiritual a elas. Os povos indígenas consideravam os rios e corpos d'água como sagrados, habitados por espíritos e deidades que regiam o equilíbrio da natureza.

A chegada dos portugueses em 1500 ocorreu pelo mar, destacando a importância das águas oceânicas como via de exploração. A abundância da água nessa terra foi reconhecida por Pero Vaz de Caminha em 1500 em sua carta ao rei de Portugal: “Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”



Em 1500, a carta de Caminha fundou o mito da abundância: “Águas são muitas, infinitas”.

Descobrimento e Expansão:

Os rios foram utilizados para explorar o interior do território e estabelecer novas colônias. Desde o início da colonização portuguesa eles foram caminhos de entrada para o interior do país, na região amazônica. Os bandeirantes começaram sua jornada pelo rio Tietê. O rio São Francisco – o rio da integração nacional - foi via de transporte de Pirapora a Juazeiro. Até o século XIX um de seus afluentes, o rio das Velhas, foi navegável até Sabará, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.

A economia açucareira, principal atividade colonial no Nordeste, dependia de recursos hídricos para a irrigação e transporte de mercadorias. No ciclo da cana de açúcar, rodas d’água foram equipamento essencial nos engenhos.  Monjolos, moinhos, moringas, filtros de barro e outros objetos e máquinas lembram os modos como se aproveitava e armazenava água desde a época do Brasil colônia.

As disputas entre colonizadores e indígenas frequentemente envolviam o controle de recursos hídricos estratégicos.

Durante o século XVIII, a água foi essencial para o processo de extração de ouro em regiões como Minas Gerais. A mineração, no ciclo do ouro e dos diamantes, exigia o uso de água para lavar o cascalho e separar os minerais preciosos. Ela afogou escravos na mina da Cata Branca que desmoronou em Itabirito. Continua sendo importante insumo na mineração atual, recebe os resíduos dessa atividade e é portadora de desastres quando se rompem barragens. A formação de cidades como Ouro Preto e Mariana ocorreu próxima a cursos d'água, que abasteciam as populações e serviam para o comércio.

 

 


O chafariz em Ouro Preto provia água gratuita e livre para o abastecimento urbano.

Obras de infraestrutura hídrica tais como aquedutos, chafarizes e canais estão presentes nas cidades coloniais brasileiras.

Em 1822, a independência do Brasil foi proclamada às margens do córrego do Ipiranga em São Paulo. Durante o Império, rios como o Amazonas, São Francisco e Paraná foram essenciais para a integração de regiões distantes do território. A navegação fluvial foi uma alternativa à infraestrutura terrestre limitada.

No Império, Dom Pedro II foi motivado a recompor a floresta da Tijuca, para recuperar as fontes que abasteciam o Rio de Janeiro. Nas cidades que cresceram, começaram as primeiras iniciativas de saneamento básico envolvendo água potável e esgoto. Os seus poderes curativos e medicinais foram explorados na crenoterapia praticada em estâncias hidrominerais.

A seca era um fenômeno frequente no Nordeste. A grande seca de 1877-1880 levou à construção de açudes, como o do Cedro, no Ceará.

No Sudeste, a expansão da produção cafeeira usou corpos d’água para irrigação e transporte, fortalecendo a economia nacional. Pequenas usinas hidrelétricas começaram a surgir, utilizando a força da água como fonte de energia.

No século XX, com a industrialização, a água tornou-se essencial para o abastecimento industrial e para a geração de energia. Grandes hidrelétricas foram construídas, como a Usina de Paulo Afonso, no Rio São Francisco, e Itaipu, no Paraná. A hidroeletricidade tornou-se um uso dominante. Isso levou a que as águas fossem administradas pelo setor elétrico, desde o Código de Águas de 1934 até a lei da política nacional de recursos hídricos de 1997.  A partir da segunda metade do século XX a industrialização a usou intensamente como insumo na produção e para a diluição de rejeitos.

A agricultura irrigada se tornou grande usuária a partir da década dos anos 70, quando o Brasil tornou-se grande exportador de commodities para um mundo com muitas regiões em situação de estresse hídrico.

O Brasil se urbanizou intensamente a partir da segunda guerra mundial, passando a demandá-la cada vez mais para o abastecimento urbano. O crescimento das cidades impulsionou a criação de sistemas de abastecimento e tratamento de água, embora muitas áreas rurais permanecessem desassistidas. Com os déficits na infraestrutura de coleta e tratamento de esgotos, os rios continuam a ser usados para o despejo de esgotos in natura. 

A poluição prejudica especialmente aqueles usos que dependem de boa qualidade, tais como os esportes aquáticos (houve problemas durante as Olimpíadas na lagoa Rodrigo de Freitas e na baía de Guanabara), o lazer, devido à necessária balneabilidade em praias, cachoeiras etc; o turismo, que depende de boa qualidade; o patrimônio cultural e natural (Sete Quedas ou Guaíra foram  inundadas pelo reservatório de Itaipu); e a pesca, que depende dos serviços ambientais e que é ameaçada pelas poluições e a má qualidade.

O uso excessivo dos recursos hídricos causou impactos ambientais, levando a mobilizações sociais. A transposição do Rio São Francisco, um dos maiores projetos de engenharia do Brasil, destinado a levar água para regiões semiáridas do Nordeste, gerou debates sobre sustentabilidade e impacto ambiental.

No século XXI, a crise hídrica, que historicamente ocorria no Nordeste, atingiu o centro-oeste e o sudeste brasileiros. Grandes cidades, como São Paulo, enfrentaram crises de abastecimento devido à má gestão dos recursos e às mudanças climáticas. O mito da abundância cede lugar a uma realidade em que se multiplicam conflitos entre usos, entre estados e entre municípios vizinhos e há necessidade de um gerenciamento sofisticado, capaz de evitar que tais conflitos se tornem violentos. Comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas se organizaram para defender seus direitos à água potável e pela preservação de rios, resistindo a projetos que ameaçam suas fontes de vida.

No século XXI as emergências climáticas trazem a necessidade de abordar o tema num contexto de longo prazo, dentro dos grandes ciclos da história natural e das eras glaciais e interglaciais. Exigem, também, dar atenção à segurança hídrica, bem como à adoção de coeficientes de segurança reforçados nas obras hídricas. Demandam prudência na regulação e nas outorgas de uso e nos investimentos em cuidados e proteção ambiental, capazes de assegurar suprimento a partir dos serviços ambientais naturais. Dos colapsos da civilização maia, dos habitantes da ilha de Páscoa, da cidade de Fatehpur Sikri na Índia, devido à escassez e a crises climáticas, o Brasil pode aprender lições que levem a sociedade a tornar-se mais consciente e a cuidar melhor dela em seu próprio benefício.

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