A água desempenhou um
papel fundamental na história do Brasil, influenciando desde a formação dos
primeiros assentamentos indígenas até os processos econômicos, culturais e
sociais que moldaram o país. Sua presença está ligada à geografia, à economia e
às dinâmicas de poder no território brasileiro.
Desde a ocupação indígena até a contemporaneidade, a água
tem sido um recurso estratégico e simbólico no Brasil. Sua abundância moldou a
cultura, a economia e a identidade do país, ao mesmo tempo que trouxe desafios,
como a necessidade de preservação e gestão sustentável.
Os povos indígenas que viviam no território que viria a ser o
Brasil reconheciam a sua importância. Muitos lugares tinham nomes relacionados
com ela: Uberaba, água que brilha; Itororó, bica d’água; Pitangui, rio das
crianças; Itamaraty, água entre pedras soltas; Igarapé, caminho das canoas;
Igapó, a floresta inundada nas cheias. As primeiras
populações indígenas se estabeleceram próximas a rios, lagos e costas,
garantindo acesso a água potável, alimentos (pesca) e transporte. As tradições culturais
indígenas, de origem africana e de matriz europeia sempre deram importância
simbólica e espiritual a elas. Os
povos indígenas consideravam os rios e corpos d'água como sagrados, habitados
por espíritos e deidades que regiam o equilíbrio da natureza.
A chegada dos portugueses em 1500 ocorreu pelo mar, destacando a
importância das águas oceânicas como via de exploração. A abundância da água
nessa terra foi reconhecida por Pero Vaz de Caminha em 1500 em sua carta ao rei
de Portugal: “Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”
Em 1500, a carta de Caminha fundou o mito da abundância:
“Águas são muitas, infinitas”.
Descobrimento e
Expansão:
Os rios foram utilizados para explorar o interior do
território e estabelecer novas colônias. Desde o início da colonização
portuguesa eles foram caminhos de entrada para o interior do país, na região
amazônica. Os bandeirantes começaram sua jornada pelo rio Tietê. O rio São
Francisco – o rio da integração nacional - foi via de transporte de Pirapora a
Juazeiro. Até o século XIX um de seus afluentes, o rio das Velhas, foi
navegável até Sabará, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.
A economia açucareira, principal atividade colonial no
Nordeste, dependia de recursos hídricos para a irrigação e transporte de
mercadorias. No ciclo da cana de açúcar, rodas
d’água foram equipamento essencial nos engenhos. Monjolos, moinhos, moringas, filtros de barro
e outros objetos e máquinas lembram os modos como se aproveitava e armazenava
água desde a época do Brasil colônia.
As disputas entre colonizadores e indígenas frequentemente
envolviam o controle de recursos hídricos estratégicos.
Durante o século XVIII, a água foi essencial para o processo
de extração de ouro em regiões como Minas Gerais. A mineração, no ciclo do ouro
e dos diamantes, exigia o uso de água para lavar o cascalho e separar os
minerais preciosos. Ela afogou escravos na mina da Cata Branca que desmoronou em Itabirito. Continua sendo
importante insumo na mineração atual, recebe os resíduos dessa atividade e é
portadora de desastres quando se rompem barragens. A formação de cidades como Ouro Preto e Mariana ocorreu próxima a
cursos d'água, que abasteciam as populações e serviam para o comércio.
O chafariz em Ouro Preto provia água gratuita e livre para o
abastecimento urbano.
Obras de infraestrutura hídrica tais como aquedutos,
chafarizes e canais estão presentes nas cidades coloniais brasileiras.
Em 1822, a independência do Brasil foi proclamada às margens
do córrego do Ipiranga em São Paulo. Durante o Império, rios como o Amazonas,
São Francisco e Paraná foram essenciais para a integração de regiões distantes
do território. A navegação fluvial foi uma alternativa à infraestrutura
terrestre limitada.
No Império, Dom Pedro II foi motivado a recompor a floresta da Tijuca, para recuperar as
fontes que abasteciam o Rio de Janeiro. Nas
cidades que cresceram, começaram as primeiras iniciativas de saneamento básico
envolvendo água potável e esgoto. Os seus poderes curativos e medicinais foram
explorados na crenoterapia praticada em estâncias hidrominerais.
A seca era um fenômeno frequente no Nordeste. A grande seca
de 1877-1880 levou à construção de açudes, como o do Cedro, no Ceará.
No Sudeste, a expansão da produção cafeeira usou corpos
d’água para irrigação e transporte, fortalecendo a economia nacional. Pequenas
usinas hidrelétricas começaram a surgir, utilizando a força da água como fonte
de energia.
No século XX, com a industrialização, a água tornou-se
essencial para o abastecimento industrial e para a geração de energia. Grandes
hidrelétricas foram construídas, como a Usina de Paulo Afonso, no Rio São
Francisco, e Itaipu, no Paraná. A hidroeletricidade tornou-se um uso
dominante. Isso levou a que as águas fossem administradas pelo setor elétrico,
desde o Código de Águas de 1934 até a lei da política nacional de recursos hídricos de
1997. A partir da segunda
metade do século XX a industrialização a usou intensamente como insumo na
produção e para a diluição de rejeitos.
A agricultura irrigada se tornou grande
usuária a partir da década dos anos 70, quando o Brasil tornou-se grande
exportador de commodities para um mundo com muitas regiões em situação de
estresse hídrico.
O Brasil se urbanizou intensamente a partir da segunda
guerra mundial, passando a demandá-la cada vez mais para o abastecimento
urbano. O crescimento das cidades impulsionou a criação de sistemas de
abastecimento e tratamento de água, embora muitas áreas rurais permanecessem
desassistidas. Com os déficits na infraestrutura de coleta e tratamento de
esgotos, os rios continuam a ser usados para o despejo de esgotos in natura.
A poluição prejudica especialmente aqueles usos que dependem
de boa qualidade, tais como os esportes aquáticos (houve problemas durante as
Olimpíadas na lagoa Rodrigo de Freitas e na baía de Guanabara), o lazer, devido
à necessária balneabilidade em praias, cachoeiras etc; o turismo, que depende
de boa qualidade; o patrimônio cultural e natural (Sete Quedas ou Guaíra
foram inundadas pelo reservatório de
Itaipu); e a pesca, que depende dos serviços ambientais
e que é ameaçada pelas poluições e a má qualidade.
O uso excessivo dos recursos hídricos causou impactos
ambientais, levando a mobilizações sociais. A transposição do Rio São
Francisco, um dos maiores projetos de engenharia do Brasil, destinado a levar
água para regiões semiáridas do Nordeste, gerou debates sobre sustentabilidade
e impacto ambiental.
No século XXI, a crise hídrica, que historicamente ocorria
no Nordeste, atingiu o centro-oeste e o sudeste brasileiros. Grandes cidades,
como São Paulo, enfrentaram crises de abastecimento devido à má gestão dos
recursos e às mudanças climáticas. O mito da abundância cede lugar a uma
realidade em que se multiplicam conflitos entre usos, entre estados e entre
municípios vizinhos e há necessidade de um gerenciamento sofisticado, capaz de
evitar que tais conflitos se tornem violentos. Comunidades indígenas,
ribeirinhas e quilombolas se organizaram para defender seus direitos à água
potável e pela preservação de rios, resistindo a projetos que ameaçam suas
fontes de vida.
No século XXI as emergências climáticas trazem a necessidade
de abordar o tema num contexto de longo prazo, dentro dos grandes ciclos da
história natural e das eras glaciais e interglaciais. Exigem, também, dar
atenção à segurança hídrica, bem como à adoção de coeficientes de segurança
reforçados nas obras hídricas. Demandam prudência na regulação e nas outorgas
de uso e nos investimentos em cuidados e proteção ambiental, capazes de
assegurar suprimento a partir dos serviços ambientais naturais. Dos colapsos da
civilização maia, dos habitantes da ilha de Páscoa, da cidade de Fatehpur Sikri
na Índia, devido à escassez e a crises climáticas, o Brasil pode aprender
lições que levem a sociedade a tornar-se mais consciente e a cuidar melhor dela
em seu próprio benefício.
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