quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Hidrodiversidade







                                               Maurício Andrés Ribeiro (*)

Duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio compõem a água: H2O.
A água se apresenta em distintos estados físicos. Em estado sólido, está no gelo da cauda dos cometas, no solo de Marte (cosmosfera), nas calotas polares (criosfera), nos freezers e geladeiras, no granizo. Encontra-se em estado líquido nos oceanos, mares, lagos, rios, nascentes, fontes (hidrosfera), nos aquíferos e lençóis freáticos, infiltrada na litosfera. Está, ainda, nos corpos dos seres vivos, animais e vegetais, no líquido da bolsa onde se gestam os embriões (biosfera). Em estado gasoso, está na umidade do ar e nas nuvens onde se condensam as gotas de chuva (atmosfera).
As atividades humanas alteram o estado físico das águas ao interferirem na temperatura do planeta, com a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera. Alterações no ciclo do carbono provocam mudanças no ciclo da água. Sensíveis ao aumento  de temperaturas, gelos se derretem e águas líquidas evaporam.
A água nem sempre é um líquido insípido, inodoro e incolor, como se ensinava nas escolas. A ação humana degrada a água, ao lançar substâncias que a poluem, conferindo-lhe cor, odor e sabor, tornando-a turva e menos transparente. Quando suja, poluída ou contaminada, tratamento e depuração são necessários para que ela se torne novamente utilizável ao retornar ao ambiente. Sua qualidade pode ser melhorada por meio de tratamento  e remoção de poluentes.
As águas usadas num domicílio têm diferentes qualidades, identificadas por cores: águas cinzas passaram pelo chuveiro e lavabo; águas negras passaram pelos vasos sanitários e podem ser diferenciadas; águas amarelas  receberam urina e as águas marrons receberam fezes.
Em estâncias hidrominerais há águas com qualidades e valores  especiais. Conforme sua composição química podem ser alcalinas, ferruginosas, carbogasosas, com qualidades terapêuticas valiosas nos tratamentos de saúde e na crenoterapia. Com mais de uma molécula de oxigênio tem-se a água oxigenada: H2O2.
Elas são diversas quanto a seu preço: as águas minerais têm alto valor econômico, sendo vendidas em mililitros, em doses ou em copos; já as águas potáveis se vendem aos litros em garrafas e garrafões, enquanto os metros cúbicos são a unidade de venda das águas brutas e não tratadas, menos valorizadas.
Conforme o teor de sal nelas presente há águas doces, salobras, salinas ou salgadas. Dessalinizar a água é um processo tecnológico caro usado em locais com escassez de água potável.
Em meio a inundações causadas por chuvas intensas ou a um oceano de água salgada, ela está em toda a parte, mas a água para beber é um bem escasso e o donativo mais valioso e necessário é a água potável.  
Há uma gradação de qualidades, desde as águas potáveis na fonte até o esgoto. Para distingui-las, as normas ambientais (Resolução Conama 357/2005 e outras) classificam as águas de superfície conforme seu potencial para atenderem aos usos mais ou menos exigentes. Essa classificação é semelhante àquela que avalia a qualidade de hotéis, que variam de uma a cinco ou seis estrelas. Assim, as águas mais puras são as de classe especial (se fossem hotéis, seriam aqueles de seis estrelas) e que se destinam ao abastecimento para consumo humano, com desinfecção simples, à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas  e à preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral. Em seguida, em termos decrescentes de qualidade, estão as águas de classe 1, que podem ser destinadas ao abastecimento para consumo humano após tratamento simplificado; à proteção das comunidades aquáticas; à natação, esqui aquático, mergulho e demais formas de recreação e esporte com contato direto com a água; à irrigação de hortaliças consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e sejam ingeridas cruas sem remoção da casca, ou seja, aqueles produtos alimentares com contato direto com a água; e à proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas. As demais classes destinam-se a usos progressivamente menos exigentes em termos de qualidade da água. As de classe 4, de pior qualidade, podem ser destinadas à navegação, à harmonia paisagística e a usos que não exponham o ser humano e os animais ao risco de contraírem doenças.
Do mesmo modo se classificam as águas subterrâneas. A resolução Conama n.396 de 2008 dispõe que as mais puras são ás aguas dos aquíferos destinadas à preservação de ecossistemas em unidades de conservação de proteção integral e as que contribuam diretamente para os trechos de corpos de agua superficial enquadrados como classe especial. As águas de Classe 1 são as dos aquíferos sem alteração de sua qualidade por atividades humanas e que não exigem tratamento para usos preponderantes devido a suas características hidrogeoquímicas naturais. Em ordem decrescente de qualidade chega-se às águas de Classe 5, destinadas a atividades que não têm requisitos de qualidade para uso.
O esgoto tem 99,9% de água e apenas 0,1% de material sólido – areia, óleos e graxas, metais, nitrogênio, fósforo.
Águas podem ser reutilizadas ou tratadas.  Por meio do reúso, águas de qualidade inferior são aproveitadas para usos menos exigentes. O reúso e o tratamento do esgoto permitem que ele seja reutilizado, até mesmo para uso potável.
A melhoria da qualidade da água exige investimentos na sua conservação, no seu tratamento, no controle de erosão e de poluições, nos sistemas de gestão das águas.
O conhecimento sobre a qualidade das águas depende de dados obtidos por meio de seu monitoramento,  analisados em laboratórios com procedimentos padronizados, por  pessoas capacitadas para realizar  essa avaliação e para divulgar dos resultados das análises.
A quantidade de águas existente no Brasil e sua importância como um recurso para a agricultura foi registrada por Pero Vaz de Caminha, em sua carta ao rei de Portugal: “Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!” Cinco séculos depois, é relevante reconhecer também a sua diversidade. Distinguir as várias realidades no mundo das águas ajuda a compreendê-las integralmente. A hidrodiversidade é um conceito mal  conhecido e pouco usado, mas de valiosa aplicação.


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