Incomodado com a falta de menção
às questões ecológicas, escrevi na época dois artigos, um sobre a ecologização
do ensino da historia e outro que articulava a historia humana no contexto da
historia natural. Da história pessoal à do universo, há várias formas de narrar os fatos e
suas versões. Realçam-se alguns aspectos, em função de interesses e desejos, ao
passo que se desvalorizam outros. A narrativa histórica é seletiva, recorta
alguns fatos, dá menos visibilidade a outros.
Para além da história do homem –
com toda a diversidade de percepções do que seja o gênero Homo, a da espécie se
embrenha na história natural, com suas explicações evolucionistas, com o
criacionismo bíblico cristão e os demais mitos de criação de outras tradições
ancestrais. Na história natural também se multiplicam polêmicas que opõem
visões cientificas a visões religiosas.
As escalas temporais com que se
trabalha na história natural são de bilhões ou milhões de anos, enquanto que na
história das civilizações humanas essa escala se estende por alguns milhares de
anos. As mudanças climáticas são processos que duram milhares de anos, mas se
aceleram em períodos de transição entre eras
geológicas.
As histórias nacionais, a história
da vida humana, a história da vida, estão inseridas num contexto maior, da
história do planeta, com suas variações climáticas, com seus grandes eventos de
extinções, com as grandes eras, idades, períodos, épocas, estudados na historia
geológica do planeta. Essa, por sua vez está inserida numa visão cósmica, como mostra o astrônomo
Carl Sagan em O pálido ponto azul.
Conectam-se então a história
nacional, a história mundial da humanidade, a história ambiental, a história
natural. Uma história que transite do estado-nação ao planeta e ao cosmos. No
antropoceno, faz sentido ecologizar e superar visão antropocentrada da
história, reconectar a evolução da
espécie e a da natureza. No antropoceno, faz sentido evoluir para uma visão
ecocêntrica e cosmocêntrica. Faz
sentido tomar consciência de uma
história que ajude a enfrentar os desafios da dinâmica acelerada de
transformações no ambiente no século XXI.
Tendo refletido e escrito
sobre o tema, foi com satisfação que li
os dois livros de Yuval Noah Harari, Sapiens( L&PM) , e Homo Deus, publicado pela Companhia das Letras em 2015. No primeiro, ele
trata a historia humana a partir da perspectiva da espécie, articulando-a
diretamente com os processos naturais da própria evolução biológica. No
segundo, ele se permite um salto prospectivo a partir do antropoceno, a época
atual em que nossa espécie se tornou dominante, em que acelera a historia , em
que as questões da consciência, do conhecimento e da informação se tornam primordiais.
Ele aborda o transhumanismo, os robôs, androides, as próteses que fundem homem
e maquina, a inteligência artificial e a nova religião do dataísmo, na qual
acumular e processar muitos dados é a base para induzir a própria evolução.
Yuval Noah Harari dedica o livro
Homo Deus a seu professor S.N.Goenka, que com afeto lhe ensinou coisas
importantes. Trata-se de um conhecido guru indiano. Na raiz do pensamento de
Harari há elementos da cosmovisão indiana, talvez a civilização que tenha
melhor articulado historia humana e historia natural. Uma cosmovisão que
compreende o ser humano como corpo , mente, emoções, alma e espírito e que não o
reduz a sua dimensão material ou física. Uma cosmovisão que expande a noção do
tempo para os grandes ciclos ou yugas e que o compreende ciclicamente, com a
roda das varias vidas e encarnações . Uma cosmovisão politeísta que sacraliza a
natureza, bichos, plantas, aguas e que não nega ou subvaloriza a dimensão espiritual.
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