terça-feira, 30 de junho de 2020

A pandemia acelera mudança de paradigma na economia


Maurício Andrés Ribeiro

A pandemia acelerou a consciência sobre as deficiências da economia dominante hoje e exigiu de governos intervenções vultosas para socorrer emergencialmente grande número de pessoas que ficaram de um dia para o outro sem fontes de renda e  trabalho e mergulharam na piscina da pobreza e do risco de vida.
Além das medidas emergenciais, intensificou-se a busca por alternativas e por novas ideias sobre como projetar e construir novo modelo econômico socialmente mais justo e ambientalmente menos destrutivo. A pandemia estimulou as mentes a imaginarem conceitos e modelos novos e a colocarem em prática novas propostas.
O Fórum econômico mundial elegeu como seu tema para 2021 O grande reinício ( The Great Reset) depois da pandemia.
Renda básica universal e impostos sobre grandes fortunas passam a ser considerados até mesmo por financistas e seus porta-vozes. Fundos internacionais alertam que não vão investir em empreendimentos predatórios.
  O FMI sinaliza que se deve levar à superação do PIB como indicador econômico. Países propõem mudanças: a União Europeia aponta para a ecologização da economia.
Na Nova Zelândia, desenha-se uma economia amigável para com o clima e o ambiente.
Na Costa Rica se aplica a economia regenerativa na qual o básico é transformar os valores políticos e o modelo mental.
O Vaticano propõe nova abordagem para definir o que é essencial para a economia depois da pandemia, repensando o sistema financeiro, combatendo a desigualdade, propondo renda básica universal e o  uso do dinheiro público para o bem comum e para regenerar a economia. 
Estudos afirmam que a pandemia acelera a história e tornará o mundo diferente do que foi, com menor presença norte-americana, mais desordem e mais desafios globais, menos dependência da China e da Índia para as cadeias de suprimento de equipamentos de  saúde e medicamentos, por meio de produções em muitos outros países, bem como maior resistência a imigrantes, possíveis portadores de vírus perigosos.
Enfraqueceram-se as ideias de progresso e desenvolvimento enquanto crescimento do PIB, bem como sua substituição por indicadores de bem estar tais como IDH, SPI e outros, (inclusive alguns específicos para a saúde, a educação)  e reforçou-se a necessidade de pensar na escala temporal da evolução e na inserção da história humana na história natural.
O Prêmio Nobel Yunus constatou que a pandemia tirou o mundo de uma rota suicida. Ela não quebrou o sistema, mas expôs um  sistema quebrado e normótico.  Uma variedade de propostas são formuladas para lidar com a crise na ordem civilizatória e econômica, para implantar uma bioeconomia sustentável no tempo, voltada para o bem estar e menos predatória da natureza, que distribua melhor os frutos da prosperidade, repense os sistemas de saúde e alimentação, e transforme o setor industrial.

Fritjof Capra é um pioneiro do pensamento holístico ecológico e mantem um centro de ecoalfabetização na California.  Ele escreve que o vírus é uma reposta do planeta,  Gaia, às agressões que os humanos estão impondo com a devastação ambiental resultante da ganância. O vírus traz lições que precisam ser aprendidas no campo dos valores e da ética e mostrou que em pouco tempo pode-se melhorar o ambiente. Ele aponta para a importância da consciência das novas gerações e das mulheres no poder, da redução de injustiças e da cooperação. Ele critica a obsessão com o crescimento econômico num planeta limitado e questiona o PIB.

Desenvolveu-se a consciência de que as questões econômicas e ecológicas devem ser  tratadas conjuntamente e que os ganhos de investir na proteção da natureza e no pagamento por serviços ambientais podem ser maiores do que aqueles que se obtêm com sua destruição, que ainda têm tido incentivos. Isso tem dado origem a uma safra de novos ecologistas capitalistas voltados para  reduzir a pressão sobre o planeta.

Houve redução da ecoalienação, e expandiu-se a consciência de que somos parte integrante da natureza, não nos descolamos dela. Emergiu uma questão de fundo, conceitual, uma abordagem pré-ecológica, com o equívoco de considerar que "somos animais que escapamos da natureza" .  O coronavirus está aí para mostrar que não é assim.

Os holandeses estão  aplicando em Amsterdam a doughnut economics (economia do donut) onde o anel externo é o limite ecológico e o anel interno são as necessidades sociais. Essa concepção não focaliza no crescimento, mas a prosperidade e bem estar das pessoas.
Um novo paradigma econômico alternativo ao crescimento e focado na prosperidade e bem estar.
Na  economia donut o espaço seguro e justo para a humanidade se encontra entre o alicerce social e o teto ecológico.
Estamos num momento de mudança, no qual um velho paradigma com seu peso e inércia tenta sobreviver, enquanto novos paradigmas procuram se expandir, angariar apoiadores e se firmar.  Há uma fase de transição em que o velho e o novo coexistem, até que o novo  se imponha.  Assim por exemplo, a aplicação em larga escala da economia donut depende dela ser melhor conhecida e que mais políticos, jornalistas e outros venham a defendê-la, da experiência piloto em Amsterdam mostrar  bons resultados, de outras cidades-laboratório a experimentarem, de haver maior motivação e interesse para estudá-la em escolas, universidades, cursinhos e virtualmente nas redes sociais; de seus postulados serem desejados como habilidades dos economistas no setor público e nas empresas, de questões sobre essa proposta conceitual serem colocadas em concursos públicos, de que eleitores votem em políticos que defendam a proposta.  

Com o tempo, vencendo desconfianças e resistências, superando obstáculos na implementação, um novo paradigma econômico pode vir a substituir aquele  que já se mostrava obsoleto e cuja decrepitude foi escancarada pela pandemia.

 

2 comentários:

Antônio de Paiva Moura disse...

Mesmo com essa boa vontade que se vem pintando no universo econômico mudanças substanciais, é preciso ficar atento porque as potencias nacionalistas vão continuar defendendo o Neoliberalismo Estados Unidos e Inglaterra não terão nenhuma afinidade com essas propostas.
Atenciosamente Antônio de Paiva Moura

Luiz Cláudio Duarte Mattos disse...

Não por acaso está acontecendo essa pandemia.
A ganância obscurantista em curso revela o modelo falido neoliberal.
É urgente, ações estão sendo recomendadas para salvar o planeta e o ser humano, q com esperança e fé, caminha para uma evolução dígna em princípios fraternos.