segunda-feira, 13 de julho de 2020

A pandemia e os modos de fazer cultura

Maurício Andrés Ribeiro


Nas quarentenas, os eventos culturais públicos e presenciais praticamente deixaram de existir. Espaços culturais foram fechados para evitar aglomerações. A casa passou a ser o principal espaço da cultura.
Passa-se tempo diante da TV, do computador ou celular. Nas telas há uma superoferta de programas culturais e artísticos  sobre todos os temas e para todos os gostos: visitas a museus, viagens por cidades antigas, shows de música, dança, poesia e teatro  e tantos outros. Há um novo território cultural na internet, acessado por meio do celular e dos smartphones. A telecultura acontece na tela do celular, do tablet, do computador, da TV, nas mídias digitais e plataformas.
A todo momento surgem novas ofertas de lives, webinars, conversas, debates, numa profusão de formas de expressão, em vários canais. YouTube, Zoom, Meet, Skype, Instagram, Facebook,  são algumas das plataformas tecnológicas que os veiculam. Multiplicam-se as pessoas que produzem algum conteúdo e o divulgam autonomamente nas redes. Amigos, conhecidos, familiares,  celebridades convidam para assistir suas lives e programas. Em vários deles o espectador participa ativamente por meio de questões e perguntas, triadas e formuladas pelos mediadores.
O isolamento físico não impede a conexão cultural. Os artistas aprendem a buscar um novo modo de se comunicar com o público nas redes. Professores dão aulas on line de música, de ginástica, yoga.  Produtores culturais enxergam essa oportunidade e abastecem os espaços e tempos virtuais com bons, belos e verazes programas, lives, webinars, aulas, debates, mostras e exposições. Exercita-se a criatividade, a capacidade de resistência e comunicação. Além da leitura tradicional de livros e revistas, há os livros virtuais eletrônicos. Jornais diários deixam de circular em papel e são lidos nas telas.
Há uma efervescência cultural e uma explosão de produção e difusão de conhecimento nessa fase que expõe com grande intensidade e frequência o produto da atividade artística e intelectual.
O tempo é pouco para participar de toda a oferta. Um dia com 24 horas é pequeno para caber tanta coisa. Selecionar e priorizar o que ver e montar o seu próprio programa cultural cotidiano tornam-se atividades relevantes. Sabendo fazer uma adequada curadoria e seleção pode-se separar o joio do trigo, o lixo tóxico e as maravilhas de criatividade que se encontram nas redes sociais. A seleção do que ver ou não ver alimenta as mentes e abastece a faixa de sintonia que cada um escolhe. Isso constrói o mundo em que se vive e a narrativa de mundo  que dá sentido e propósito a sua vida. Se um programa de interesse se superpõe no mesmo horário com um outro, não há problema, pode-se assistir  ambos, pois tudo fica gravado e  acessível em streaming nas redes, na internet e no YouTube. O tempo escasso e que passa rapidamente é o fator limitante para a participação cultural. A limitação deixa de ser  a falta de dinheiro, de oportunidade de viajar ou se deslocar para participar.
A casa como território da cultura. Mutirão Cultural de Entre Rios de Minas realizado virtualmente durante a pandemia.

Festivais de cultura e arte que anteriormente eram realizados presencialmente e com patrocínios se reinventam virtualmente e com baixo custo. Um exemplo é o do Mutirão Cultural  de Entre Rios de Minas, que aponta um caminho promissor. Ele promove a inclusão digital, cria um polo de produção cultural local, de baixo para cima, de dentro para fora, autonomamente e sem depender de grandes recursos.  É um evento local com o potencial de atingir gente de muitas outras partes do estado, do país, do mundo.

Se por um lado perde-se o convívio pessoal próximo e presencial, por outro lado amplia-se o público para além de limites geográficos. Atingem-se outras cidades, regiões e países via internet e capacita-se no uso de tecnologias. Tomara que se torne um modo de aumentar renda e que ajude a valorizar a economia local, estimular o empreendedorismo e  abrir oportunidades de trabalho e renda para os jovens de Entre Rios. 
Diante da diversidade de ofertas de notícias e programas culturais nas redes sociais, aqueles veículos que os oferecem gratuitamente tendem a ter mais leitores e espectadores do que aqueles que liberam a notícia ou o evento somente mediante pagamento. Nas boas lives patrocinadas por empresas, que proliferam no YouTube e em outros canais, muitas vezes se faz um apelo para doações voluntárias para uma causa generosa e solidária. O espectador pode ser motivado a doar, mas tem a opção de desfrutar sem custos do programa caso não se sensibilize com a causa ou não tenha recursos.
O usufruto cultural foi estendido a milhões de pessoas  conectadas que anteriormente estariam excluídas. Antes da pandemia, uma parte desses programas estaria disponível mediante um alto custo econômico e ecológico de deslocamento, viagens, ingressos. Na quarentena, são oferecidos de graça dentro de casa.
 O isolamento físico  na quarentena não impede a proximidade virtual, social e cultural, de baixo custo, de baixo carbono e autofinanciável, sem grande dependência de governos. Promove-se a inclusão cultural, que democratiza e deselitiza o acesso à cultura e à arte. Ecologiza-se uma forma de acessar a cultura. 
A pandemia trouxe uma aceleração da consciência, com essa profusão de manifestações artísticas e culturais, científicas e de reflexão filosófica, que mexem com o intelecto, com a mente, com as emoções e sentimentos. Isso  pode contribuir para a evolução cultural, mental, emocional e espiritual humana.
O vírus  desacelerou o mundo físico e acelerou a esfera imaterial e intangível da consciência, a noosfera.

 

 

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