quarta-feira, 15 de julho de 2020

Pandemia, cidade e campo


Maurício Andrés Ribeiro

Nas últimas décadas houve um esvaziamento do campo e uma explosão demográfica nas cidades. A atual pandemia fortalece a tendência inversa, de reruralização e  desmetropolização.
Quem pode, sai da cidade grande e se refugia no campo ou em pequenas cidades. Com a pandemia deve se intensificar uma migração reversa.
O êxodo imobiliário das grandes cidades para as pequenas e da cidade para o campo, ocorre, por exemplo, na Espanha bem como no     regresso às aldeias italianas. Valorizam-se casas no campo, desvalorizam-se apartamentos em cidades.  “Sell city, buy country.” 

Intensificou-se o êxodo das grandes cidades para o campo e para pequenas e médias cidades. Pessoas fogem da contaminação em busca de tranquilidade de bem estar, com mais espaço para crianças e  menos aglomerações.  A conexão virtual e tecnológica viabiliza o teletrabalho. A pandemia está desgentrificando áreas urbanas e gentrificando áreas rurais e pequenas cidades na Europa, na Inglaterra.

 

 

 

A pandemia e a crise econômica dela decorrente aceleraram algumas tendências de mudanças nas cidades americanas e também no Brasil. Famílias se mudam para periferias e zonas rurais menos caras e menos adensadas, cortando custos e os riscos sanitários dos ambientes densos, esvaziando os usos de parques, cinemas etc. devido aos maiores riscos sanitários nesses locais. As cidades remotas atraem trabalhadores dispersos porem conectados.  Negócios imobiliários se intensificam com o êxodo das capitais e das metrópoles em busca de destinos com mais espaço e menor custo de vida.

Ao mesmo tempo que os humanos se retiram dos lugares, como os turistas numa

 

 

cidade centenária tailandesa, os macacos a ocupam.

Viver nas cidades tornou-se imprevisível. Com isso, quem pode saiu delas para viver em casas no campo ou em pequenas cidades, menos sujeitas a tais variações e imprevisibilidades. Ao mesmo tempo, valorizou-se o paisagismo e a jardinagem para manter-se perto do ambiente natural.

A pandemia acelerou o impulso para se reconectar com a terra, para valorizar a agricultura familiar, para voltar a viver no meio rural e aprender sobre os vegetais, os animais e a água. Nossa comida é também nossa medicina. A agricultura urbana, domiciliar e  familiar, orgânica deve se intensificar para gerar menos dependência de sistemas de abastecimento de grande escala e distantes, produzir mais segurança alimentar por meio da produção de alimentos junto ao local de consumo, em ciclos e sistemas locais, além de trazer bem-estar  emocional. A pandemia  reforça a importância da agricultura familiar e da soberania alimentar. A FMI, FAO e órgãos de meio ambiente da Onu propõem sistemas alimentares sustentáveis que valorizem as produções locais e regionais, dietas saudáveis com menor consumo de alimentos de origem animal,  a agricultura regenerativa, que proteja os solos, a água e o ar,  a conservação de florestas e a redução da pecuária.

A pandemia ajuda a impulsionar o projeto e a construção de casas autônomas e autossuficientes que produzem sua energia, agua e alimentos e que não dependem das redes e sistemas de abastecimento externo, vulneráveis numa crise.

Com a pandemia se  fortalecem as redes de pequenas cidades, como as que existem no interior de Minas e na rede de aldeias indianas.
Nos  anos 70 estudei, na Índia, uma das mais de 600 mil aldeias indianas (Kenchankuppe, em Karnataka, perto  de Bengaluru). Elas se abastecem com água, energia, materiais de construção e alimentos das redondezas, o que reduz a demanda por transportes de longa distância, conservando energia e recursos naturais. As aldeias ficam a poucos quilômetros umas das outras e formam uma rede territorial com relações econômicas e sociais. Essa estrutura se formou ao longo da história e durou vasto período. Ela obedece a um sofisticado padrão de aproveitamento dos recursos naturais, de conservação do meio ambiente e de prevenção de epidemias. A sabedoria indiana se expressa territorialmente no corpo dessa rede de aldeias interconectadas e que têm seu próprio sistema de governança coletiva, os panchayats.
Antena parabólica ao fundo conecta uma aldeia indiana com o mundo. Uma reded territorial se integra numa rede virtual eletrônica.
Essa é uma base espacial para uma economia rural sustentável que pode ser tomada como referência num mundo que precisa aprender a conservar energia e combustíveis, preservar a qualidade do ambiente e  se proteger de epidemias. Nesse sentido a historia milenar indiana produziu um modo de organização territorial da população inteligente. Esse é um padrão de organização territorial que pode inspirar no Brasil  a formação de uma rede de assentamentos com menor impacto ambiental e menores riscos à saúde individual e pública. Organizados e conectados regionalmente os milhares de municípios brasileiros podem formar uma rede similar. No mundo tecnologizado atual, conectados também numa rede virtual de comunicação pela internet que facilita a descentralização de trabalho, cultura, educação.
Distribuir a população numa rede de pequenas e médias cidades semi autossuficientes em água, energia, alimentos, materiais de construção é um modo de organização da sociedade valioso para reduzir os riscos de futuras pandemias. Fortalecer essa rede é um modo de lidar preventivamente com as  pandemias em sua relação com o urbanismo. Uma das formas de  prevenir novas pandemias pode ser feita por meio da organização territorial.
Cada vez mais cidades atraem trabalhadores individuais, remotos com liberdade para morar em qualquer lugar, desde que conectados. Eles escolhem onde querem viver de acordo com seu bem estar e não com a localização de seus empregadores. Substitui-se a estratégia de dar  incentivos econômicos para atrair empresas e passa-se a oferecer vantagens para atrair indivíduos que já dispõem de emprego e renda.
A pandemia acelera a desterritorialização num mundo virtual, no qual as distâncias físicas perdem importância. As conexões sociais para o trabalho, o estudo e a cultura, se estabelecem via internet e redes de comunicação. 
Hoje o grande distanciamento social acontece entre quem está ou não está conectado, esteja fisicamente próximo ou não.  
Auroville, cidade laboratório em que se testam modos de vida para o futuro.

Além disso, viver no campo ou em pequenas cidades reconecta crianças e adultos com a natureza e constitui um importante momento pedagógico de desalienação ecológica e de compreensão dos ciclos e ritmos naturais. Afastados dos apelos consumistas torna-se mais leve sua pegada  ecológica, hídrica, de carbono, aliviando assim os impactos que seus modos de vida provocam no ambiente.

 

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