segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Rumo ao homo oecologicus

 


Maurício Andrés Ribeiro

A perspectiva humanista, característica da modernidade, coloca no centro a espécie humana, seus direitos, demandas e desejos.  A visão humanista reflete a perspectiva do ser humano como o ápice da evolução.

Algumas tradições religiosas colocam o ser humano como o coroamento da criação, com mandato para dominá-la. O historiador da cultura Thomas Berry apontou as deficiências dessa cosmovisão: “Tanto nossas tradições religiosas como humanistas são primordialmente comprometidas com uma exaltação antropocêntrica do humano.”  

A perspectiva humanista tem sido crescentemente questionada, diante da constatação de que nossa espécie se tornou um grande fator de pressão sobre a natureza e da devastação, ao dizimar habitats, provocar a extinção de espécies e mudar o clima.

James Lovelock, autor da teoria de Gaia, é crítico da visão humanista, que teria levado a sobre explorar o planeta e a precipitar a atual crise hídrica, ecológica e climática. Ele considera que “A humanidade, totalmente despreparada por suas tradições humanistas, enfrenta seu maior teste”. Ele propõe que se priorize o bem-estar e a saúde do planeta, Gaia, tendo em vista que sua existência saudável é precondição para a vida humana e para todas as outras espécies.

A ecologia profunda, que tem uma abordagem distinta do ambientalismo superficial, também rejeita o humanismo. Atribui os problemas ambientais ao antropocentrismo, que procura preservar recursos para o uso pelo homem e não pelo valor intrínseco da natureza.

As respostas para a crise ecológica atual devem estar à altura das dimensões épicas das transformações pelas quais passa o planeta. Isso inclui uma mudança de perspectiva semelhante àquela adotada por Copérnico, que demonstrou que o sol, e não a Terra era o centro do sistema. Galileu sofreu por demonstrar essa realidade. Somos mais periféricos do que eles imaginavam, pois o sol é apenas uma estrela de quinta grandeza situada na periferia de uma das milhões de galáxias no universo.

Cabe à educação transcender a perspectiva humanista e adotar princípios e conteúdo que facilitem a transição para a era da evolução consciente do planeta. Thomas Berry propõe um papel para a educação: “O objetivo da educação não é treinar pessoal para explorar a Terra, mas apoiar os estudantes numa relação íntima com a Terra e estabelecer um caminho mais viável para o futuro.”

Para superar a atual crise  hídrica e da evolução cabe uma perspectiva pós-antropocêntrica. Nela, o ser humano ecologizado e hidroconsciente deixa de ser uma presença devastadora, para tornar-se uma presença benigna diante do mundo natural.  Ele pode tornar-se um cogestor consciente da evolução da Terra e de sua própria evolução. 

Migrar de um ângulo de visão antropocêntrico e humanista para uma perspectiva Gaiacêntrica, que coloca como ponto de partida a saúde do planeta,  demanda humildade e desprendimento. O Homo sapiens não é o fim da evolução, mas é um ser em transição, como definiu Sri Aurobindo. Esse ser poderá ser sucedido por um ser trans-humano, pós-humano ou, numa perspectiva ecológica, eco-humano: o homo ecologicus.

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