No passado, quando a
sociedade aceitava a escravidão, era necessário produzir os instrumentos e equipamentos para subjugar os escravos: gargalheiras,
troncos, chibatas, correntes, algemas, pelourinhos. Cada um desses objetos
demandava uma quantidade de água para ser produzido.
No passado, quando se
aceitava a tortura, era necessário produzir instrumentos para essa finalidade,
como as forquilhas, parafusos, chicotes, garrotes etc e aplicar as práticas como os afogamentos. Era necessário usar água para produzir tais
instrumentos ou práticas. Quando a
tortura deixou de ser socialmente aceitável,
deixou de ser necessário usar água para essas finalidades. Abolir a
tortura e a escravidão aboliu também a demanda por uma parte da água que era
então consumida.
Na medida em que as
sociedades evoluem, mudam as demandas e as necessidades de uso da água. Alguns usos são abolidos
junto com as práticas que os demandavam, outros caem em desuso.
Ao longo do tempo
surgem, por outro lado, novas demandas de uso da água. Atualmente há outras atividades
humanas, como as guerras, que demandam grande quantidade de água para a fabricação de tanques, aviões e navios de
guerra, submarinos, armamentos de todo tipo. Enorme quantidade de água é
demandada para produzir tais objetos bélicos. Caso as guerras fossem abolidas,
deixaria de ser necessário o uso de grandes quantidades de água, que poderiam
ser liberadas para outras utilizações ou para a proteção e conservação.
Do mesmo modo, caso se
mudassem as dietas alimentares, de hábitos carnivoristas para outros mais
vegetarianos, veganos, grandes quantidades de água deixariam de ser necessárias
para irrigação, uso em frigoríficos, matadouros,
lavagens de resíduos etc e poderiam ser liberadas para finalidades social e
ambientalmente menos impactantes.
O consumismo, o
viajismo, o belicismo, o carnivorismo estão presentes na sociedade contemporânea
e merecem uma abordagem crítica para que sejam reduzidos ou abolidos, do mesmo
modo como no passado a escravidão e a tortura foram questionadas e abolidas depois
de lutas e embates.
Hoje a sociedade se
encontra diante de situações em que é necessário usar a água de modo
responsável, parcimonioso, frugal, austero. É necessário não a desperdiçar em
usos que não sejam os socialmente prioritários. Uma sociedade que se dispusesse
a rumar para uma melhor qualidade de vida para todos deveria escolher que
atividades, bens e serviços deve proporcionar e usar a água prioritariamente
para tais finalidades.
Trata-se de escolhas,
definições e diretrizes que as sociedades precisam tomar e que repercutem
direta ou indiretamente sobre as demandas por água.
No contexto da mudança
do clima e da crise ecológica e hídrica, está na hora de levantar tais questões
e colocá-las para a reflexão e o debate social, ético, econômico e político. Uma
vez feitas tais escolhas ou definições, os gestores das águas teriam um
balizamento mais claro sobre como aplicar a cobrança pelo uso da água, que desincentiva
seu desperdício, ou a outorga de direitos de uso, que ajuda a reduzir
conflitos, o planejamento de recursos hídricos e os demais instrumentos de que
dispõem para bem usar ou proteger o patrimônio hídrico.
Um comentário:
Boa reflexão, Maurício
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