ÁGUA, ARQUITETURA E AMBIENTE CONSTRUIDO -capítulo de livro sobre HIDROSOFIA
ARTES ESPACIAIS
Arquitetura, urbanismo, design e mobiliário, além de peças teatrais,
espetáculos públicos tais como os desfiles de escolas de samba, podem ser
considerados artes espaciais, pois lidam com a organização, transformação e
interação do espaço físico em diferentes escalas e contextos. A noção de artes
espaciais está associada à criação de formas que estruturam, modelam e dão
significado aos espaços habitados, integrando funcionalidade, estética e
sensibilidade.
As artes espaciais exploram a dimensão tridimensional.
Elas consideram como o corpo humano percebe e se move pelo espaço. Além de resolver problemas práticos, buscam
gerar sensações e emoções por meio da estética. Modificam a relação entre o
espaço e seus usuários, seja em edifícios, cidades, interiores ou objetos.
Embora todas sejam consideradas disciplinas de caráter
funcional, elas possuem uma forte base artística, muitas vezes complementadas
por outras formas de arte, como a pintura e a escultura. Porém, sua diferença
está na maneira como integram a funcionalidade prática com a experiência
espacial, tornando-se fundamentais para a construção da vida cotidiana.
Portanto, arquitetura, urbanismo, design e mobiliário
espetáculos teatrais, desfiles exemplificam como essas artes podem criar
cenários e paisagens culturais e moldar as relações humanas com o espaço físico
e social.
A água, com sua natureza fluida, simbólica e funcional,
desempenha um papel essencial na arquitetura, no urbanismo, no design, no
mobiliário, na escultura e em outras artes espaciais. A relação entre essas
disciplinas e a água é tanto prática quanto estética, envolvendo questões
funcionais, ambientais e culturais.
A água age como uma força de integração nas artes espaciais,
conectando a funcionalidade prática ao significado simbólico. Sua presença cria
paisagens vivas e mutáveis, reflete questões ambientais e culturais e oferece
novas possibilidades de interação entre pessoas, espaço e natureza.
ESCULTURA
A água frequentemente inspira esculturas que representam
temas de fluxo, vida e transformação. Muitas esculturas interagem diretamente
com a água, seja por meio de fontes que integram o movimento ou por meio de
obras submersas, como esculturas em recifes artificiais.
A fonte é um elemento estético e umidificador do ar em
Brasília.
Fontes luminosas, espetáculos de som e luz, usam a água como
elemento visual e sonoro. Em esculturas a água pode ser transformada em arte
dinâmica, incorporando elementos de tecnologia, física e interação humana.
A escultura de Shiva em meditação sob uma cortina de água no
Jnana Mandiram em Brasília.
Cortinas d’água criam ambiente repousante em shopping center
em Uberaba, Minas Gerais.
A Fontana di Trevi em Roma é
uma atração que encanta milhões de turistas.
Obras com água corrente ou que
exploram temas aquáticos, como as fontes de Bernini em Roma, destacam a força e
a beleza do elemento. Olafur
Eliasson, artista contemporâneo, é conhecido por suas instalações que exploram
a luz, a água e a percepção humana. “Light and Water" (Luz e Água) -
"The Weather Project" na Tate Modern em Londres é um exemplo, com um imenso
sol artificial que reflete na água para criar uma atmosfera etérea.
"Water Light/Water
Needle" (Luz d'Água/Agulha d'Água) - Rafael Lozano-Hemmer: Esta instalação
interativa usa feixes de luz e jatos de água em movimento controlados por
computador. As pessoas podem interagir com a obra, criando padrões e formas de
luz na água.
Esculturas feitas com água são obras
inovadoras que utilizam esse elemento dinâmico como material principal, muitas
vezes em combinação com tecnologia e design artístico. Entre as principais esculturas feitas com
água estão a "Water Maze" de Jeppe Hein. No Reino Unido, essa
escultura interativa cria labirintos de água com jatos controlados
eletronicamente. As paredes de água mudam de forma, permitindo que os
visitantes entrem e explorem a obra. "Aqualens" - Niklas
Troxler;"Digital Water Pavilion" - Carlo Ratti Associati; "Water
Trees" e."Charybdis" de William Pye "Fountain of
Wealth" - Cingapura
O uso da água e da luz como
elementos centrais em obras de arte é comum e pode ser encontrado em várias
formas de expressão artística, desde pinturas até instalações e esculturas
contemporâneas.
ARTES CÊNICAS
As artes cênicas têm um forte potencial para a
sensibilização e para expandir a consciência.
Peças e coreografias muitas vezes usam água como tema ou elemento
cênico, seja em forma de chuva artificial ou simbolizando emoções profundas.
Cenários aquáticos são comuns em histórias trágicas ou mitológicas, como Das Rheingold, de Wagner.
O espetáculo artístico e cênico montado na abertura das
Olimpíadas no Rio de Janeiro teve o poder de comunicar temas climáticos e
hídricos para bilhões de pessoas.
Os desfiles de escolas
de samba são manifestações artísticas com dança, música, cenografia, figurino,
com forte poder de comunicação. Várias
escolas de samba já usaram a água como tema central de seus enredos, destacando
sua importância como elemento natural, cultural e espiritual. Alguns exemplos: Beija-Flor de Nilópolis (2004): Com "Manôa, Manaus, Amazônia, Terra
Santa", o desfile apresentou a riqueza hídrica da Amazônia e trouxe
reflexões sobre a preservação dos rios e florestas; Mancha Verde (2021): Com o enredo "Planeta Água", inspirado na música de Guilherme Arantes;
Aparecida (Manaus, 2023): Em "Vitae: a essência, a seiva, a
fonte", a escola abordou a água como elemento essencial à vida,
celebrando sua presença em ciclos naturais e culturais.
A encenação de peças teatrais sobre temas hídricos ajuda a
expressar os vários interesses em jogo. Para lidar com conflitos e disputas de
interesses essas teatralizações são reveladoras.
Várias obras de artes cênicas, teatro e dança mostram como a
água pode ser utilizada como metáfora ou elemento narrativo, contribuindo para
temas poéticos, ambientais e existenciais e que têm uma relação direta com a
água como tema ou elemento central. Exemplos:
"A Marca da Água" (Armazém Companhia de Teatro) Armazém Companhia de Teatro; "Águas"
(Grupo Obragem de Teatro)RIC.com.br; "Rio que Passa Lá"
(Companhia Último Tipo) Direção Cultura; "Água e
Performatividade" (SP Escola de Teatro) SP Escola de Teatro
.Em instalações artísticas, artistas contemporâneos criam
instalações interativas que envolvem água como elemento central, como reflexos
em superfícies líquidas ou o uso de gelo em derretimento para simbolizar
questões ambientais. Obras que
combinam dança, arquitetura e água exploram a interação do corpo humano com o
elemento líquido em um espaço tridimensional.
Muitos festivais e eventos ao redor do mundo têm a água como
tema central, destacando sua importância cultural, ecológica ou espiritual.
Esses festivais ajudam a destacar a conexão das pessoas com a água, seja do
ponto de vista espiritual, cultural ou ambiental, além de promover a
conscientização sobre sua importância para a vida no planeta. Destacam-se entre
eles o World Water Week (Estocolmo,
Suécia); Festival Songkran (Tailândia); a Kumbh Mela (Índia), o maior festival
religioso do mundo, onde milhões se banham em rios sagrados, como o Ganges,
para purificação espiritual; o Water Festival (Camboja e Laos); o Festival das
Águas (Brasil) celebrado em Manaus e outros locais na Amazônia, promovendo a
conscientização sobre a água e sua preservação; o Festival do Rio Sagrado
(Peru) com foco na agricultura e na espiritualidade.
A água é usada em atos de purificação, como a Lavagem do Bonfim em Salvador, em que
devotos lavam as escadarias da igreja com água perfumada.
HIDRODRAMA E CULTURA DE PAZ
As artes cênicas são um tipo de manifestação artística
valioso para dramatizar os conflitos e encontrar modos não violentos de
resolvê-los. Durante vários anos ofereci workshops sobre Cultura ambiental e
cultura de paz em cursos da UNIPAZ no Rio de Janeiro, em Goiânia e Belo
Horizonte. Um dos exercícios para
a resolução deles, que praticamos com os aprendizes, foi o de simular
conflitos pela água e criar formas de resolvê-los de forma não violenta.
Os psicodramas são valiosos para
os psicólogos simularem situações e colocarem os participantes para assumirem
papéis distintos daqueles que desempenham na vida real. Por meio desses
exercícios pode-se sentir os pontos de vista dos outros e desenvolver
capacidade de diálogo e de compreensão mútua.
Da mesma forma como os
psicólogos, por meio de psicodramas e cosmodramas, simulam as relações entre
diversos atores, os hidrodramas revelam tensões e conflitos e descobrem modos
de lidar com eles, construtivamente.
Hidrodramas são psicodramas ou representações teatrais de
situações de conflitos. Na fase de
preparação, o diretor do hidrodrama sugere os temas aos participantes. Indica
alguns dos papéis em que devem atuar. Propõe que se organizem em grupos de
acordo com o tema de seu interesse e que preparem uma história sobre aquele
tema. Esses grupos concebem as situações e como cada ator se comporta. Cada
pessoa assume um papel e se coloca no lugar de outros atores: um representa o
ambientalista, outro é o cidadão reclamante, o poluidor, o fiscal, a polícia,
outros atores sociais. Os participantes se envolvem emocionalmente e com
sensibilidade nos seus papéis e, com isso, têm uma percepção vivenciada das
situações de conflitos que surgem na vida real. Esse distanciamento ajuda a
tomar consciência do ponto de vista de um ator distinto e a melhor
compreendê-lo.
Cada ator traz para o palco os conhecimentos de que dispõe
sobre o tema e o que imagina que sejam as respostas para os conflitos
focalizados. Em seguida, cada sketch
é apresentado para o restante do grupo. A representação envolve criatividade,
arte, capacidade de representar papéis, e gera um ambiente de leveza. O teatro
ajuda a dar um clima lúdico a temas que frequentemente envolvem conflitos
sérios.
O exercício do hidrodrama simula
uma disputa entre diversos usos: agricultura, abastecimento humano, saneamento,
turismo, indústria, hidrovia, pesca. Além dos usuários, são representados os
órgãos gestores, comitês e agências de bacias. É um modo leve de promover a
compreensão sobre os diversos interesses envolvidos no tema e de usar a
criatividade para solucioná-los.
Nessas encenações a
representação dramática ajuda a expandir a consciência. Estimulam a imaginação,
a espontaneidade, a criatividade artística, a desinibição de representar papéis
diante do grupo. Têm papel liberador. Permitem a expressão e dramatização de
conflitos, de forma comunicativa. Por meio deles, a solução de conflitos se
beneficia dos conhecimentos da cultura de paz.
O hidrodrama é instrumento
pedagógico e educacional. Sensibiliza e leva à tomada de consciência e dos
conflitos neles envolvidos.
Música, dança, teatro, expressão
verbal e literatura, são manifestações artísticas aplicadas num hidrodrama.
Eles retratam conflitos relacionados com a convivência de interesses
divergentes numa vizinhança local, regional ou nacional. O hidrodrama ajuda a
compreender e a valorizar a hidro ação.
Os atores distanciam-se da ego-ação,
movida por interesses econômicos ou de poder, por sentimento de orgulho,
vaidade, inveja, competição. Desvestem-se os papéis pessoais, cria-se um clima
de distanciamento da situação real de vida e de envolvimento com outro papel
social.
No hidrodrama os atores colocam
seu talento, conhecimentos e criatividade a serviço da cultura de paz e da
promoção de uma convivência humana harmoniosa. Por meio desse exercício pode-se
vivenciar e sentir os pontos de vista dos outros e desenvolver capacidade de
diálogo e de compreensão mútua. O hidrodrama é um instrumento pedagógico e
educacional. Sensibiliza e leva à tomada de consciência. Ele permite a
expressão e dramatização de conflitos, de forma comunicativa.
Outra fase do hidrodrama é o compartilhamento das
experiências da representação. Integrantes do grupo revelam aos demais o que
sentiram ao representar seus papéis. Cria-se empatia com as situações vividas e
capacidade de compreendê-las, com menos prejulgamentos e preconceitos.
Descondiciona-se a mente dos papéis e máscaras da vida real. A mudança
emocional e dos sentimentos provoca transformações que ajudam a preparar para
resolver situações de conflitos de modo não violento.
ARQUITETURA
A arquitetura é a principal expressão das artes espaciais.
Ela organiza o espaço tridimensional, considerando aspectos como proporção,
textura, escala e funcionalidade. Ao projetar edifícios e estruturas, os
arquitetos criam experiências espaciais que influenciam a maneira como os
usuários interagem com o ambiente construído. A arquitetura envolve arte, ciência,
técnica construtiva, domínio dos espaços, da sombra e da luz.
Muitas vezes está associada à pintura (por exemplo a obra de
Michelangelo na Capela Sistina no Vaticano), à escultura (as estátuas dos
templos gregos e hindus), ao paisagismo, ao urbanismo, às artes do mobiliário,
à tapeçaria.
Piscina integrada ao paisagismo num hotel à beira mar em
Salvador na Bahia.
A água condicionou historicamente a arquitetura. A água é frequentemente integrada aos
edifícios por meio de cisternas, fontes, espelhos d’água e sistemas de coleta
de chuva. Fontes, piscinas e cascatas são usadas para criar uma conexão visual
e auditiva com a água, promovendo calma e bem-estar. Esses elementos desempenham, ainda, papéis
práticos.
Um espelho d’água reflete a imagem do Taj Mahal, em Agra, na
Índia.
Entre as obras de arquitetura mais conhecidas que utilizam a
água como elemento central estão a Ópera de Sydney (Austrália). a Casa das
Cascatas (Fallingwater, EUA) projetada por Frank
Lloyd Wright, o Museu de Arte Islâmica (Qatar) o complexo futurista de
Marina Bay Sands (Singapura), os Jardins Flutuantes de Lily Pads (França), a
Biblioteca de Alexandria (Egito), o Museu Guggenheim Bilbao (Espanha). A água é
integrada em projetos monumentais, a exemplo do Taj Mahal na Índia, o Alhambra
na Espanha ou o Palácio do Itamaraty em Brasília.
Os modos de se construir variam conforme se esteja num clima
seco ou úmido, quente ou frio. No clima gelado do ártico, os iglus dos esquimós
são casas feitas de água em estado sólido, o gelo que ali é abundante.
Construções são adaptadas ao ambiente hídrico ou ao clima,
como as palafitas em áreas alagadas ou os sistemas de ventilação natural que
usam a água para resfriamento.
Nos palácios islâmicos, na Índia, a água foi usada para
amenizar a secura do ar e dar conforto ambiental.
. Em climas secos e desérticos busca-se trazer umidade para
o ambiente construído e melhorar o conforto ambiental.
As fontes em jardim no palácio em Udaipur, na Índia, têm
função estética e funcional, para umedecer o ar. Na arquitetura árabe, fontes e
lagos nos jardins e no interior das casas umedecem o ambiente e proporcionam
conforto ambiental e térmico. Nela, a captação de água de chuva e seu depósito
em cisternas é uma prática milenar.
No planalto central brasileiro umidificadores de ar são
valiosos para melhorar o bem-estar nos períodos secos. Em Brasília, espelhos d’água umedecem o
ambiente nos períodos quentes e secos e a evaporação no lago do Paranoá ameniza
a secura.
Em muitas partes, foram construídas palafitas, casas sobre
as águas.
Em climas úmidos, é um objetivo evitar o contato excessivo
dela com a edificação. Beirais e varandas reduzem o desgaste causado nas
construções pela água de chuva; azulejos protegem paredes, fachadas e áreas
úmidas internas, tais como banheiros e cozinhas A proteção interna contra a
umidade provê higiene e salubridade, evitando as doenças relacionadas com o
ambiente interno úmido. A ventilação natural e a entrada de luz solar são
recursos valiosos para reduzir a umidade. Telhados e coberturas bem construídos
protegem o interior das casas das indesejáveis goteiras durante chuvas fortes.
Para evitar que suba por capilaridade pelas paredes, as casas são projetadas
suspensas do solo.
No contexto da adaptação às emergências climáticas, a água
tem importância redobrada para a arquitetura e a construção de abrigos e requer
reforços nas estruturas para resistir aos eventos climáticos extremos.
No Japão rural, a água condiciona a escolha de áreas para se
construir. Evita-se a construção em declives onde há enxurradas fortes e
evita-se construir nos fundos de vales úmidos e insalubres, sujeitos a
enchentes.
Nas edificações, as águas usadas têm diferentes qualidades:
as cinzas passaram pelo chuveiro e lavabo e podem ser reaproveitadas em usos
que necessitam menor qualidade; águas negras passaram pelos vasos sanitários.
Elas são diferenciadas: as águas amarelas receberam urina e as marrons
receberam fezes. Elas podem ser tratadas e reaproveitadas para usos menos
exigentes.
Projetos de casas autônomas fazem com que elas se auto
abasteçam. Biopiscinas são crescentemente usadas, com tratamento biológico. Em
ecovilas, sanitários secos e tratamento biológico são soluções adotadas.
Numa ecovila em Pirenópolis, Goiás, experimenta-se o
sanitário seco e o tratamento biológico da água.
Em contextos rurais em que não há energia elétrica ou outro
meio para bombear, a escolha de onde construir leva em consideração o essencial
abastecimento por gravidade.
Paredes hidráulicas com as tubulações internas de cozinha e
banheiro são soluções de projeto mais econômicas.
Na bacia do Piracicaba-Capivari-Jundiaí - PCJ construiu-se casa modelo para uso racional de água e energia
elétrica, envolvendo as áreas de construção civil, arquitetos e engenheiros.
Estimou-se que tal casa pode economizar até 60% no consumo.
A legislação de construções de Curitiba criou
o programa de conservação e uso racional da água nas edificações. A água de
chuva coletada é usada para todos os usos não potáveis. Isso reduz a conta a
ser paga e o volume que escorre nas enxurradas.
Para dar melhor aproveitamento às águas, alguns municípios tornam
obrigatória a implantação de sistema para retenção de águas pluviais coletadas
por telhados, terraços, coberturas e pavimentos descobertos, em lotes que
tenham área impermeabilizada. As licenças para os parcelamentos do solo,
projetos de habitação, obras e instalações ficam condicionadas ao cumprimento
dessas normas.
Um modo de atuar junto a usuários é educá-los pelo bolso.
Para reduzir desperdícios, alguns municípios adotam códigos de obras que exigem
a hidrometração individual, na qual cada um paga pelo que consome. A instalação
de hidrometria individualizada em cada domicílio pode reduzir consumos, já que
a conta é mais alta para quem gasta mais.
A hidrometração coletiva induz ao desperdício, pois a conta é rateada
num valor médio entre todos e quem consome mais paga relativamente menos.
Alguns municípios adotam programas de conservação e uso
racional e reuso em edificações, visando a reduzir desperdícios. Outros
municípios têm hidratado a legislação municipal de uso e ocupação do solo,
códigos de obras e de posturas, o que pode torná-los cidades hidricamente
conscientes, que sintonizam a legislação urbanística com a legislação de
recursos hídricos.
Em contextos urbanos modernos há relação entre o gasto de
água e o de energia para seu aquecimento.
Coletores solares para aquecer água economizam na conta de
energia e reduzem o consumo, ao reduzirem as distâncias para ela chegar quente
aos chuveiros. Em novos projetos, esse é
um recurso valioso.
O arquiteto hidroconsciente pode atuar em várias frentes: ao
conceber o projeto arquitetônico de modo integrado com o projeto hidráulico e
de uso de energia solar; ao especificar componentes da construção que
economizem ou reusem, ao aproveitar água de chuva, ao influir na aprovação de legislação
municipal de obras que induza a economia, seu aproveitamento e reuso.
Retrofits, ou reformas para tornar as edificações antigas mais eficientes, são
um dos métodos para adaptá-las a tempos em que ela se torna escassa e mais
cara.
Há a necessidade de aprender como reduzir o consumo e
desenvolver tecnologias que levem à redução de desperdícios. Os arquitetos e
engenheiros podem projetar ambientes construídos que se relacionem de modo
harmônico com a água e nos quais ela esteja integrada.
MUSEUS, AQUÁRIOS E
OCEANÁRIOS
Diversos museus, aquários e oceanários ao redor do mundo
exploram a temática da água e contribuem para a hidroalfabetização, cada um com
seus enfoques próprios. https://www.watermuseums.net/
Crianças brincam com o fluxo das águas em espaço educacional
perto de Amsterdã, na Holanda.
O Museu da Água de Lisboa é um equipamento cultural que
recebe crianças para a sua hidroalfabetização.
Destacam-se o Museu da Água de Lisboa (Portugal) que
apresenta a história do abastecimento de água na cidade desde a época romana
até os dias atuais. O Museu das Águas Brasileiras (Brasil): Um museu virtual
ligado à Universidade Federal do Tocantins, criado em 2023, dedicado à sustentabilidade e à gestão da
água (ver Palmas UFT) O Museu Planeta Água (Brasil): Situado
em Curitiba, o museu combina educação ambiental e tecnologia para conscientizar
o público sobre a importância da preservação da água, com exposições
interativas e programas educativos Museu Planeta Água . A rede de museus globais
da UNESCO Water Museums Network que abordam a água como patrimônio cultural e
natural. https://www.watermuseums.net/
No Porto, (Portugal) está um desses museus. ver Porto Water & Energy O Museu da Água de
Estocolmo (Suécia): conhecido como "Aquaria Water Museum", este
espaço combina educação sobre o ciclo da água com aquários que exibem
ecossistemas aquáticos.
Na Califórnia,
museus de ciência e tecnologia, museus de história natural, aquários, jardins
botânicos e outros equipamentos cumprem o valioso papel de complementar a
educação e consolidar a cultura hídrica e científica de adultos e crianças. A
hidro alfabetização se completa nesses museus e centros de cultura de forma
lúdica e vívida.
Por meio dos
recursos de expressão e comunicação museográficos - iluminação, cenários,
filmes, vídeos, design de objetos, maquetes etc. – os frequentadores se expõem
a uma variedade de informações que enriquecem sua experiência e que fortalecem
sua base de conhecimento hídrico, ecológico, cultural e científico.
Acompanhadas de familiares, de seus colegas na escola e professores, as
crianças dispõem ali de ambientes que facilitam a absorção de conhecimentos. Os
museus, aquários, centros de cultura, de ciência e tecnologia contam com a
colaboração voluntária de idosos e de professores aposentados. Ali eles aplicam
seus conhecimentos de toda uma vida e auxiliam as crianças a saciarem sua
curiosidade. A interação forte entre idosos, adultos, jovens e crianças cria um
ambiente humano rico para a aprendizagem. Crianças que desde cedo vivenciam e
experimentam tais situações têm maior facilidade para aprenderem.
O aquário de
Monterey é um dos melhores do mundo; o da Academia de Ciências da Califórnia em
San Francisco mostra vitrines da vida aquática e marinha.
Os museus e
equipamentos culturais congêneres não precisam ser monumentos arquitetônicos
espetaculares que se destacam na paisagem urbana. Podem instalar-se em prédios
restaurados e com funções alteradas e exibirem dentro de si conteúdos relevantes,
dispostos de modo convidativo e amigável, para facilitar o aprendizado e sua
absorção cultural pelos frequentadores.
É relevante o papel
de desenvolvimento cultural, científico e ecológico desempenhado por tais
equipamentos. Museus, jardins botânicos e centros de cultura têm função
complementar à das escolas. Eles aceleram e facilitam a aprendizagem.
O Inhotim, museu de arte contemporânea a céu aberto, em
Brumadinho, Minas Gerais, dispõe de vários espelhos d’água que valorizam sua
paisagem.
O AquaRio é um aquário intensamente visitado onde se aprende
sobre a vida na água, no Rio de Janeiro.
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A balança hídrica
num centro de educação em Bangalore, na Índia, mostra a quantidade de água
que existe dentro do corpo de quem se pesa nela.
Museus de ciência
e tecnologia têm importante papel ao chamar a atenção para o fato de que nossos
corpos são constituídos em sua maior parte de água.
Vivi, certa vez,
uma experiência educativa inesquecível, ao pesar-me em uma balança hídrica,
instalada em um museu de ciência e tecnologia no Japão. Quem sobe na balança
acoplada lê o seu peso e vê cair em um recipiente uma expressiva quantidade
de água. Ao lado da balança hídrica, uma placa informa: “A água corresponde a
70% do peso de cada ser humano. A quantidade de água à sua frente corresponde
à quantidade existente no seu corpo.” [1]
Essa experiência
facilita a compreensão de que o corpo de cada ser vivo é parte do ambiente.
Usar uma balança
hídrica é uma experiência educativa prazerosa, impactante e de fácil assimilação,
que desperta o autoconhecimento das pessoas, desde os primeiros anos de
idade. O uso da balança hídrica conscientiza sobre a importância da água na
vida humana; mostra que o corpo de cada ser vivo é, também, um corpo hídrico;
desperta, de forma lúdica, a consciência dos seres humanos de pertencerem à
natureza e aos elementos naturais e ambientais.
Balanças hídricas
podem ser instaladas em museus de ciência e tecnologia, escolas,
universidades, instituições públicas, praças, shopping centers, entre outros.
Seria valioso implantar em muitas cidades brasileiras sujeitas a crise
hídricas esse instrumento pedagógico amplamente usado na Índia, no Japão e em
outros países. Seu design pode ser funcional e econômico.
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Além de museus, os oceanários são espaços
para explorar o mundo subaquático, que combinam educação, entretenimento e
conscientização ambiental, e entre eles se destacam o Oceanário de Lisboa
(Portugal); No Rio De Janeiro, há o AquaRio na região do porto. Georgia
Aquarium (Atlanta, EUA); o Chimelong Ocean Kingdom (Zhuhai, China), considerado
o maior do mundo, o Dubai Aquarium & Underwater Zoo (Emirados Árabes
Unidos); o Okinawa Churaumi Aquarium (Japão): o Vancouver Aquarium (Canadá).
JARDINS CALIFORNIANOS
A Califórnia
formulou um planejamento estratégico para lidar com a seca, aumentando a oferta
de água e reduzindo a demanda, com o mínimo de prejuízos ao bem-estar. Com
relativamente pouca chuva e muita gente, o sul do Estado planeja há muitos anos
a conservação e controle de uso. No campo da redução da demanda, um dos
importantes instrumentos para a adaptação à seca e a conservação está no campo
da jardinagem e do paisagismo.
As cidades
americanas, seus subúrbios e bairros residenciais são conhecidos pelos extensos
jardins e gramados verdes. Os versos de Leminski em Verdura,
cantada por Caetano Veloso lembram que
Eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana.
Os tradicionais
gramados verdes característicos das cidades americanas são altamente
consumidores. Num contexto de seca, a grama deixa de ser bacana, e valorizam-se
outros modelos de paisagismo. Incentivam-se novos padrões estéticos de jardins,
cuja aplicação leva à conservação de água.
Na Califórnia, as
pessoas foram estimuladas com dinheiro a substituir por cactáceas e suculentas
as plantas dos jardins que demandam mais água para sobreviverem e florescerem.
Jardins com
cactáceas e suculentas economizam água e são adotados em campus universitário
na Califórnia.
O Estado da
Califórnia instituiu programas de reembolso (grants, rebates) para os moradores que modificam seus jardins e
quintais, que retiram a grama e substituem plantas por outras que precisam de
pouca água. Programas de reembolso dos governos locais, tais como aquele
lançado pelo Departamento de Água e Energia de Los Angeles, pagam aos moradores
uma quantia proporcional à área do terreno que foi ajardinada com plantas
adequadas, reduzindo a demanda. Um paisagismo sábio substitui vegetação
sedenta.
As propostas dos
moradores para a substituição das plantas são pré-aprovadas. Funcionários do
governo inspecionam as mudanças feitas e liberam os recursos do reembolso aos
moradores. Para que os reembolsos sejam feitos de modo correto, esse programa
depende de confiança e de não existirem fraudes entre os funcionários públicos
e os moradores. Da mesma forma, as
floras comerciais, que produzem e vendem mudas para os jardins e quintais,
recebem incentivo econômico pela venda de plantas que ajudam a poupar.
Na Califórnia
implanta-se programa de substituição de jardins, para economizar água.
Campanhas de
divulgação, com folhetos em inglês e em espanhol, recomendam regar jardins de
manhã cedo, instalar irrigação por gotejamento, coletar e usar chuva e usar plantas
nativas tolerantes à seca.
Isso foi feito
complementarmente a trabalhos de reeducação estética, conduzidos nos jardins botânicos,
revalorizando as plantas nativas daquela região e substituindo gramados cuja
manutenção exige muita água. O programa de redução da demanda por meio
do plantio de jardins é sustentado por uma base consistente de conhecimentos
sobre botânica, paisagismo, clima e técnicas de uso na irrigação de plantas.
Universidades, centros de pesquisa e jardins botânicos produzem o conhecimento
necessário, aplicam-no em seus jardins e o divulgam em programas de educação
sobre as plantas e suas demandas de água. Pratica-se o uso consciente e de
forma estética de plantas nativas, adaptadas a cada bioregião e ecossistema.
A CIDADE E O CICLO DA ÁGUA
Todas e cada uma das cidades precisam de água para viver. As
atividades urbanas, tais como a indústria, o comércio, os serviços e
os transportes precisam dela para funcionar. Ela é um elemento fundamental para
a vida urbana. Muitas cidades se localizam junto a rios, lagos ou na região
costeira.
As cidades são ecossistemas urbanos que interagem com o
entorno: consomem alimentos e devolvem seus rejeitos para o ambiente externo;
consomem energia que pode vir de dentro da própria cidade ou de fora dela. Consomem o ar e o devolvem poluído para o
ambiente externo. Se abastecem por meio de mananciais e fontes fora das cidades
que são trazidas por encanamentos ou aquedutos. E se abastecem com água de
chuva captada nos telhados ou com água subterrânea bombeada de poços e
cisternas. Frequentemente a devolvem poluída ao ambiente, de qualidade inferior
àquela que foi captada para o abastecimento urbano.
O ecossistema urbano se abastece de água do ambiente
regional e a devolve ao ambiente, frequentemente com pior qualidade.
A cidade altera o ciclo e o movimento da água. Ela
impermeabiliza o solo com concreto e asfalto, o que dificulta a infiltração e a
alimentação dos lençóis freáticos. As enxurradas tendem a ser cada vez mais
intensas e frequentes e exigem maiores redes de drenagem. O risco de rupturas desastrosas em córregos e ribeirões encaixotados tende a
aumentar. Grande parte da infraestrutura hídrica nas cidades é subterrânea: tubulações prediais, redes de abastecimento,
redes de coleta de esgoto, redes de drenagem estão fora das vistas do cidadão e
são pouco conhecidas. Prestar atenção aos
bueiros ajuda a compreender essas águas subterrâneas urbanas. As cidades transformam
águas superficiais em águas subterrâneas canalizadas.
A cidade gera calor, com suas atividades. A formação de ilhas de calor sobre as cidades
aumenta a evaporação e transforma águas superficiais em águas atmosféricas.
Mais vapor d’água na atmosfera resulta na precipitação de chuva sobre as
cidades e agrava as inundações urbanas.
Essa combinação de ilhas de calor com impermeabilização dos solos
aumenta os riscos das inundações causadas por águas superficiais.
Durante muito tempo, no Brasil, a água foi considerada
abundante e barata. No planejamento urbano não se deu valor a ela. Cidades
deram as costas a ela. Os córregos, ribeirões e rios serviram para o despejo de
esgoto in natura e de lixo. Parte dos rios brasileiros está poluída,
especialmente por esgotos urbanos. A disponibilidade total é
reduzida devido à poluição.
Com o aumento da população e das atividades econômicas, a
oferta de água tende a decrescer, ao passo que a demanda cresce. Cidades vivem
passam a viver em situações de estresse hídrico e com riscos de
desabastecimento.
Na história, há muitos exemplos de cidades que entraram em
colapso para se abastecerem. Fatehpur Sikri, construída para ser a capital do
império mogol, na Índia, é um exemplo disso. Foi abandonada antes de ser habitada,
devido à falta de água causada por mudanças climáticas. Hoje é uma atração
turística, incluída nos espaços considerados como patrimônio mundial pela
UNESCO. Quando a capacidade de suporte
atinge seu limite, é preciso desurbanizar, desadensar, migrar as atividades
para outros lugares e em caso extremo, abandonar a área devido à falta dela. A
civilização maia sucumbiu a uma seca e a mudanças no clima.
Na urbanização brasileira as primeiras prioridades dos
cidadãos são obter o terreno e a moradia. Muitas vezes invade-se um terreno,
ocupa-se o solo, constrói-se, instala-se um bairro, cria-se um fato consumado.
Fura-se uma cisterna. Ao final, a pressão social consegue regularizar a área e
implantar a rede de abastecimento. A
água é vista como um problema menor que pode ser resolvido depois. Na falta de terrenos seguros, devido ao seu
alto custo, ocupam-se terrenos inseguros, em fundos de vale ou encostas de
morros. Quem neles vive se arrisca a ser soterrado em deslizamento de encosta
ou numa inundação de fundo de vale.
Reduzir desigualdades econômicas e sociais pode reduzir perdas de vidas
e perdas econômicas em desastres desses tipos.
Para se implantar uma nova cidade, um novo loteamento ou
parcelamento do solo para fins urbanos, é preciso considerar em primeiro lugar
a existência de água. Antes de urbanizar, é preciso estudar o potencial
hídrico, as fontes de abastecimento, conhecer a disponibilidade e a capacidade
de atendimento ao longo do tempo. Sem ela não há cidade.
A pesquisa ambiental e a geração de conhecimentos locais
constituem um pré-requisito para elaborar os projetos e sua posterior execução.
Conhecimentos sobre o local em que serão implantados bairros
ou cidades, por meio de pesquisas e levantamentos técnicos, são pré-requisitos
para a elaboração dos projetos, das normas urbanísticas de uso e ocupação do
solo. É útil nesse contexto produzir conhecimento sobre a infiltração de chuva
coletada nos telhados das casas e pesquisar os tipos de pavimentação para
permitir infiltrar chuva no terreno ao invés de deixar que se escoe.
A estimativa da capacidade de suporte ou de carga de um
ambiente e do limite máximo a partir do qual se gera o estresse hídrico,
ambiental e a insustentabilidade, são parte do planejamento e gestão urbana.
Os cidadãos ativos, despertados quando sentem na pele o
drama da falta ou o excesso durante as inundações, influenciam as prioridades
dos governos.
Novas cidades, bairros ou condomínios precisam ser
hidroconscientes desde o momento da concepção do projeto até cada etapa de sua
implementação.
URBANISMO
No mundo, 3,5 bilhões de pessoas moram em cidades. No Brasil
mais de 160 milhões são cidadãos urbanos.
Muitas cidades são criadas junto à água como rios, lagos e
mares. Nova York, Rio de Janeiro, Mumbai, Chennai, Udaipur, Shanghai, Tóquio e
muitas outras. O caso mais conhecido é Veneza é uma cidade inteira cercada pelas
águas.
O lago de Udaipur, no Rajastão, na Índia, tem campanhas para
sua despoluição.
A água se torna assunto de urbanistas e planejadores
quando falta, quando se apresenta com má qualidade ou quando seu excesso causa
inundações nas cidades. Então, toma-se consciência de sua importância.
Desperta-se para a necessidade de cuidar bem dela, preservá-la e proteger as
fontes de abastecimento.
Escolas e centros de pesquisa e inovação têm um papel
relevante na formação profissional. A importância do trabalho de arquitetos e
designers nesse campo justifica que, nas universidades, sejam tratadas as
questões da captação de água de chuva, de como ela se comporta no seu ciclo,
quando escorre nas superfícies, se infiltra no solo, evapora e está presente na
atmosfera.
A água pode ser utilizada como um elemento estético,
funcional e simbólico em projetos de paisagismo como se usou no monumento em
homenagem às vítimas do terrorismo em 11 de setembro em nova Iorque, que
derrubou as torres gêmeas.
A cortina d’água presta uma homenagem às vítimas do
terrorismo nas torres gêmeas em Nova Iorque.
O paisagismo japonês se destaca com seus lagos, trutas e sua
cuidadosa disposição da vegetação. No mundo várias obras de paisagismo são bem
reconhecidas pela presença da água tais como os Jardins de Versalhes (França),
os palácios mouros de Alhambra e Generalife (Espanha), o Jardim de Monet em
Giverny (França), o Yuyuan Garden (em Xangai, China)
Arquitetura, artes plásticas, paisagismo integram a Igreja
da Pampulha em Belo Horizonte.
Roberto Burle Marx é o grande nome do paisagismo brasileiro,
com obras na lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, nos palácios de Brasília, no
Parque do Ibirapuera (Brasil) e muitos outros. Rosa Kliass e Fernando Chacel
também se destacaram como paisagistas. Além dos conhecimentos de botânica, de
biologia, eles fizeram uso das águas como espelhos para valorizar as cidades e
as obras de arquitetura.
A água pode integrar-se ao urbanismo de diversas formas,
promovendo sustentabilidade, bem-estar e valorização estética dos espaços
urbanos. Integrar a água no urbanismo pode mitigar impactos ambientais,
melhorar a qualidade de vida e promover cidades mais sustentáveis e
resilientes.
Cidades como Medellín (Colômbia) revitalizaram rios para
criar espaços de lazer e áreas verdes. Esses projetos ajudam a controlar
enchentes e melhorar a qualidade da água. Em Curitiba, o Parque Barigui e
outros parques funcionam como áreas de contenção de água e espaços recreativos.
Sua valorização está presente nos lagos urbanos da Pampulha
em Belo Horizonte e do Paranoá, em Brasília, que seriam cidades diferentes se
não fosse a presença planejada da água; na arquitetura, os espelhos d’água
valorizam o espaço e o paisagismo e ajudam a umidificar e dar conforto ao
ambiente construído.
As pontes construídas em cidades para transpor corpos d’água
são oportunidades para a valorização estética. A terceira ponte, em Brasília,
representa o movimento de uma pedrinha lançada sobre a água.
A terceira ponte sobre o lago Paranoá em Brasília.
Na ponte sobre o rio Arno em Florença há muitas lojas
comerciais.
A ponte Golden Gate com a cidade de São Francisco ao fundo,
nos EUA.
Projetos como o Floating
Farm em Roterdã integram a água ao design urbano para lidar com o aumento
do nível do mar. Habitações que se adaptam a enchentes são usadas em regiões
como Bangladesh e Países Baixos. Infraestruturas
como o Delta Works nos Países Baixos
protegem áreas urbanas contra inundações. O Superkilen
Park em Copenhague combina design e funcionalidade, com áreas que captam
água da chuva.
Superfícies permeáveis, jardins de chuva e pavimentos
drenantes ajudam a reduzir alagamentos e a reabastecer aquíferos. Cidades como
Cingapura lideram em reciclagem de água para consumo e irrigação.
Veneza e Amsterdã são exemplos icônicos de urbanismo integrado à
água. Outras cidades, como Bangkok, também utilizam canais para transporte e
turismo.
O canal em Amsterdã serve também para o transporte
hidroviário urbano.
A gôndola é uma atração turística e um meio de transporte em
Veneza.
O canal do Jardim de Alah, no Rio de Janeiro, conecta ao mar
a lagoa Rodrigo de Freitas.
Sistemas de drenagem são essenciais para o manejo da água em
áreas urbanas. Planejamentos modernos de cidades incluem o uso de água em
espaços públicos, como parques lineares e canais, promovendo lazer e conexão
com a natureza. Incorporam soluções baseadas na água, como wetlands
urbanos e sistemas de retenção de enchentes. A presença da água em praças,
parques e margens de rios cria espaços de convivência e lazer. Exemplos incluem
as margens revitalizadas de rios, como o Rio Sena, em Paris.
SUPERQUADRAS SENSÍVEIS À ÁGUA
O
movimento das cidades sensíveis à água originou-se na Austrália. Elas buscam
formas de convivência harmônica com a água, respeitam o ciclo hidrológico,
facilitam a infiltração de água de chuva. Constroem jardins filtrantes, valetas
para conduzir a água de chuva, telhados verdes, áreas de infiltração em cada
lote, evitando que as enxurradas se avolumem.
Nesse
contexto, revalorizada pelas mudanças climáticas com seus eventos extremos,
cabe ressaltar a importância da concepção urbanística das superquadras em
Brasília. Concebidas há mais de 60 anos por Lucio Costa, tornaram-se um padrão
urbanístico desejável. Ali as árvores crescem livremente, com espaço
generoso. A fiação é subterrânea e elas não sofrem podas radicais como vemos em
outras cidades em que são confinadas em passeios estreitos e com fiação aérea.
Houve ciência e arte em Brasília, com planejamento e
desenho urbano, paisagismo, urbanismo e arquitetura. As
superquadras são uma inspiração para um modelo saudável de cidade sensível à
água.
Burle Marx e outros paisagistas contribuíram
para esverdear a cidade. Não havia conhecimento
sobre paisagismo e arborização urbana no cerrado e tudo foi aprendido
experimentalmente. Hoje Brasília é um grande parque nas suas Asas Sul e
Norte, entremeado por edifícios e casas onde as pessoas vivem. Essas generosas
áreas verdes são esponjas que absorvem grande parte da água de chuva e reduzem
os riscos e danos das inundações catastróficas que acontecem em outras cidades.
A
superquadra é amigável para com as crianças, com muitos espaços para elas brincarem,
nos pilotis abertos e sem cercas dos prédios, nas áreas verdes onde passeiam
com seus animais de estimação, nos playgrounds cercados ou não. Durante a
pandemia do COVID-19, as quarentenas e a necessidade de ficar em casa
tornaram mais nítida a qualidade do urbanismo e da arborização da cidade.
Dispõem de espaços para exercícios
físicos ao ar livre, sem aglomerações, o que contribui para aliviar o
isolamento físico necessário na emergência sanitária, para promover a saúde e
para evitar que o vírus se espalhe. Elas mostraram qualidades valiosas
com seus amplos espaços públicos, muito verde, muita ventilação e iluminação
natural, pouca densidade e aglomeração, ambientes saudáveis e já testados pela
prática e vivência. Tais espaços se tornaram
mais valiosos e foram apropriados mais intensamente; evitaram que as crianças
ficassem confinadas nos apartamentos e lhes proporcionaram espaços livres,
abertos.
Brasília
foi construída pelo estado, em terras públicas previamente desapropriadas. Não
sofreu as limitações impostas pelo mercado imobiliário ao construir em
terras de propriedade privada, quando a busca pelo lucro e pela redução de
custos reduz espaços públicos e áreas verdes, sacrificando a qualidade
ambiental, como aconteceu em cidades satélites e em assentamentos na periferia
do Distrito Federal e em praticamente todas as cidades brasileiras.
Cada superquadra tem sua prefeitura, na gestão urbana
descentralizada. A mobilização dos moradores
em torno de objetivos locais é o ponto de partida para várias benfeitorias
urbanas: a implantação de playgrounds para crianças, a gestão dos resíduos, as
questões de segurança e o controle da poluição sonora.
Durante muitas décadas,
praticamente não aconteciam inundações urbanas na cidade. Entretanto, em
algumas áreas houve excessiva impermeabilização do solo por estacionamentos,
pistas de automóveis, construções variadas. Isso interferiu no sistema de
drenagem. Maior volume escorria depois de chuvas fortes e passaram a ocorrer inundações
a jusante dessas áreas impermeabilizadas. Outras causas contribuem para as
inundações, como o entupimento das redes de drenagem existentes, a falta de
manutenção adequada e os eventos extremos associados ao aquecimento global.
Em 1987 Brasília tornou-se a
única cidade moderna inscrita na lista do patrimônio mundial da UNESCO, o que a
protegeu das investidas das empresas imobiliárias para adensá-la e
verticalizá-la.
O espírito que inspirou a
criação das superquadras em Brasília precisa ser resgatado e valorizado para
que a cidade continue a oferecer inspirações para a urbanização no Brasil.
HARMONIA COM A ÁGUA
NO JAPÃO
É inspirador observar o relacionamento harmônico com a
água de modo integrado com o uso do solo e as florestas no Japão.[2] O
país é cercado por mares e muito rico em fontes, originárias dos Alpes
japoneses. Suas montanhas ocupam 70% da superfície e constituem a espinha
dorsal do arquipélago. Elas têm ocupação humana rarefeita em contraste com os
vales em que há cidades muito densamente ocupadas.
As densidades populacionais e de ocupação do solo são
muito altas nas metrópoles japonesas e no país. Com área total de 372 mil Km2
(equivalente à área do Estado do Rio Grande do Sul) e com 126 milhões de
habitantes, a densidade média da população é de 337 habitantes por Km2.,
ou seja, cerca de 15 vezes maior do que a média brasileira. Os Alpes japoneses são, em sua maior parte,
ocupados por florestas, que servem para a proteção dos solos e o controle da
erosão. Ainda que a maior parte das florestas seja de propriedade privada, sua
exploração e a comercialização do produto são usualmente feitas por meio de
associações florestais. Sendo o país de clima temperado, a vegetação demora 80
anos para ser explorável e, desta forma, as florestas são consideradas como
poupança, mais do que como investimento com retorno em curto prazo.

O fundo de vale
não ocupado em cidade japonesa reduz prejuízos com enchentes.
Apesar da
altíssima densidade populacional, os fundos de vales em cidades japonesas são
mantidos não edificados. Preservam-se os vales nas cidades com canais abertos
e parques lineares, que são inundados com as chuvas. Quando elas se vão, não
deixam danos econômicos ou sociais. Ela é integrada no paisagismo e no
urbanismo de modo harmônico e leva em consideração questões econômicas e de
segurança em casos de inundações.
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O uso da terra urbana e rural está sujeito a regras
elaboradas. Um perfil típico é a ocupação urbana das faixas de interseção entre
as montanhas e os vales. As montanhas são usadas para reflorestamento e preservação
ecológica, além do uso econômico; os vales são usados para a agricultura
intensiva que, em muitos casos, aproveita os espaços vazios nas periferias
urbanas, onde os terrenos não construídos são raramente ociosos. Hortas,
pomares e plantações diversificadas ocupam essas valiosas faixas, contribuindo
para o abastecimento alimentar. No Japão, programas intensos de reflorestamento
de encostas, de criação de cooperativas florestais e de proteção à cobertura
vegetal reduziram as inundações nas planícies e os prejuízos à economia
agrícola.
Mas isso nem sempre foi assim e as práticas de
convivência harmônica com a água resultaram do aprendizado social sobre os
riscos e os custos da ocupação inadequada dos vales. No passado houve
desflorestamento das montanhas, erosão e assoreamento nos vales, perdas
agrícolas, fome e problemas sociais. O
exemplo seguinte é elucidativo: no século XIX o Japão sofria sérios problemas
de enchentes originadas em suas montanhas, que haviam sido desflorestadas. As
planícies com plantações de arroz eram frequentemente inundadas por enchentes
que causavam prejuízos, perda da produção agrícola e fome. O país, que então se
abria para o mundo, buscou no exterior apoio de quem conhecia bem as
inundações: contatou os holandeses, que sabiam conter o mar com diques e evitar
que as terras baixas fossem inundadas. Os holandeses estudaram o problema das
enchentes japonesas e propuseram ações baseadas em sua experiência. Não tiveram
sucesso. Os japoneses resolveram, então, buscar sua própria solução para o
problema. No plano decenal de 1884, que fixou as linhas para a entrada do Japão
no período moderno de sua história, defendia-se a importância de melhorias
contínuas nas tecnologias tradicionais disponíveis. Assim, observaram que numa
das ilhas os problemas de enchentes eram menores que no restante do país. Ali
se protegiam as montanhas com florestas e o uso da lenha não gerara muito
desmatamento. Disseminaram em todo o país aquelas práticas tradicionais.
Programas intensos de proteção de encostas reduziram as inundações.
Cooperativas florestais foram criadas para administrar as florestas e
manejá-las de forma sustentável, usando a madeira para mobiliário e construção
civil.

A floresta nos Alpes japoneses protege o solo e tem
aproveitamento econômico sustentável.
O florestamento dos Alpes japoneses foi estratégico
para conter sedimentos e erosões. As medidas de prevenção e controle evoluíram
e compreendem a manutenção integral da cobertura de florestas nas áreas
montanhosas, a construção de represas para conter a terra que escorre das
montanhas junto com a chuva e a proteção de encostas por meio de redes
metálicas ou de plástico, que previnem os deslizamentos de terra. Quando os
japoneses aprenderam a cuidar melhor de suas montanhas e florestas, evitaram o
desmate descontrolado, reduziram a erosão e as perdas agrícolas.
Hoje, o Japão ensina a aproximação com a água,
voltando-se de frente para os lagos, rios e regatos. As cidades procuram ter
intimidade com ela, evitando que córregos sejam aprisionados em canais
fechados. Promove-se a reintegração urbana da paisagem ribeirinha e dos seus
animais, como rãs e libélulas. Evita-se asfaltar as vias, para não agravar
problemas de drenagem e provocar inundações. Evita-se que a chuva escorra
diretamente para os rios; ela se infiltra lentamente no solo. Represas de
armazenagem da
chuva em tanques subterrâneos e regularização da
drenagem são previstas nos parcelamentos urbanos. Age-se preventivamente na
organização humana do espaço e na ocupação do solo.
O Japão ensina
soluções práticas para prevenir inundações e para articular a gestão da água
com o uso e ocupação do solo. Ensina que a aprendizagem coletiva de convivência
harmônica com a água é um processo civilizatório e cultural em que se aprende a
partir dos erros cometidos, em aproximações sucessivas.
Os japoneses aprenderam com a dor, com o sofrimento e
com os prejuízos econômicos provocados por terremotos e inundações, a atuar
preventivamente e com prudência ecológica no seu ordenamento territorial. O exemplo
japonês mostra uma sociedade que aprendeu a dar respostas adequadas aos
problemas de injustiças sociais e de segurança ecológica e ambiental. O Brasil
tem muito a aprender com a experiência japonesa nesse campo.
HIDRODESIGN
No
design, particularmente no design de interiores e de objetos, o foco é na
organização do espaço em níveis menores e mais específicos. O design de
interiores, por exemplo, cria ambientes internos que equilibram estética e
funcionalidade, utilizando luz, cor e materiais para definir atmosferas e
moldar percepções. A água é usada em aquários, fontes
internas ou cascatas decorativas para criar um ambiente relaxante.
O
design transparente da embalagem da água engarrafada na Índia.
No Design de produto a água influencia a criação de
objetos funcionais e artísticos, como garrafas, fontes decorativas e roupas com
temáticas aquáticas. O navegador Amyr Klink navegou solitário pelos mares. No oceano
salgado, cada gota é preciosa. Ele fala que, no projeto do barco, a torneira é
acionada com o pé para não a desperdiçar. No Design Industrial, produtos como purificadores,
recipientes de água e sistemas de irrigação demonstram como o design pode
responder a desafios de armazenamento e uso sustentável. Em situações de extrema
escassez, cada gota vale ouro e soluções engenhosas de design poupam a água
valiosa. Em Israel e na Austrália tais soluções são concebidas e aplicadas. Na
Califórnia os cidadãos recebem incentivos econômicos do governo para
substituírem equipamentos e instalações por outros que economizem água e sejam
hidroeficientes. O uso de torneiras automáticas e eletrônicas, aeradores,
reguladores, restritores de vazão, dispersores em torneiras e chuveiros, vasos
sanitários com duplo acionamento por descarga permitem reduzir o gasto e as
despesas na conta de água. Indústrias são estimuladas a colocarem tais
instalações no mercado e as normas e regulamentos induzem o seu uso.
No design de paisagem projetos que
envolvem lagos artificiais, jardins aquáticos e elementos como biolagoas integram
água para promover ecossistemas saudáveis.
O design de mobiliário é uma
extensão das artes espaciais porque trabalha diretamente com objetos que
definem e interagem com o espaço. Um móvel pode estruturar um ambiente,
influenciar o fluxo de movimento e até moldar as relações entre pessoas e o
espaço. A disposição de móveis em um cômodo cria "micro-espaços" que
têm funções específicas. O movimento
e a fluidez da água muitas vezes inspiram o design de móveis com linhas curvas
e orgânicas. O mobiliário para áreas externas, como decks e espreguiçadeiras, é
projetado para resistir à umidade e interagir com ambientes aquáticos, como
piscinas e praias.
Quando Brasília foi construída, nos anos 1960 e 1970, não
havia preocupação com gastos de água e energia. Nos apartamentos então
construídos, havia aquecedor central e a água quente precisava fluir vários
metros até chegar aos chuveiros. Para tomar um banho quente, era preciso deixar
a torneira aberta durante vários minutos. Em prédios recentes, construídos no contexto
da crise energética e hídrica, instalam-se aquecedores solares que reduzem o
consumo de energia elétrica e a torneira quente é ligada nessa tubulação. O
consumo de água é reduzido.
O hábito
de ter à disposição a fartura de água não ajudou a criar uma cultura de
economia. Em cidades coloniais antigas, como Ouro Preto, ela corria livre e
gratuitamente em chafarizes públicos e muitas casas tinham bicas correntes
gratuitas. Não havia torneiras ou registros de controle ou cobrança de tarifas pelo
uso.
A expressão “do berço ao túmulo” designa o ciclo de vida dos
produtos – objetos, edifícios ou cidades. Ela considera o ciclo da extração e
exploração de recursos naturais, sua transformação, uso e descarte. Entretanto, esse ciclo é mais amplo e precisa
incluir seu período pré-natal: antes de um bebê ir para o berço, há a concepção
e meses de gestação. Objetos, casas ou cidades, também têm um período de
concepção e projeto, antes que venham à luz.
Arquitetos, urbanistas, engenheiros, designers e todos aqueles que
projetam objetos, edificações ou o ambiente construído têm papel crucial nessa
fase pré-natal para encontrar soluções hidroeficientes e proporcionar economia.
Os objetos são projetados e, antes de se materializarem, existem na mente e na
imaginação de quem os projeta e concebe.
O hidrodesign é uma estratégia
proativa para reduzir o consumo excessivo e para reduzir perdas. É uma forma
inteligente de proteger o meio ambiente, preventivamente, ao aproveitar ao
máximo as águas, promover o uso de tecnologias limpas e processos de produção
hidroeficientes.
O hidrodesign leva em
consideração os aspectos estéticos, funcionais, de segurança ou de ergonomia
dos produtos, casas ou cidades, bem como a maneira com que cada um de seus
componentes afeta a água. Por meio do desenho de produtos que levam em
consideração todo o seu ciclo de vida, desde sua concepção até o seu
tratamento, é possível conceber formas de reduzir o impacto de seu uso sobre a
natureza que fornece a água virtual que resultará naqueles produtos.
Hidratar o design de produtos,
de edifícios e de cidades é um modo responsável de atuar na sua concepção,
podendo reduzir os impactos da atividade humana e tornar essa relação mais
amigável.
[1] F. Batman Ghelidji, em "Seu Corpo Chora por Água". Todas as
partes do corpo humano dependem de água. Se as glândulas e órgãos não são
nutridos com água boa e limpa, suas funções começam a se deteriorar.
[2] O Japão é estudado no livro Colapso, de Jared Diamond, como um
exemplo positivo de civilização que aprendeu a se relacionar de modo mais
amigável com o ambiente e a água.