Um
planeta limitado não sustenta um crescimento ilimitado. O consumo crescente
resulta de demandas humanas, que podem corresponder a necessidades básicas
utilitárias ou a desejos supérfluos que atendem a caprichos, a sonhos simbólicos
ou de status social.
A percepção do mundo,
condicionada pela educação, pela comunicação e pela ambiência cultural, forma
os pensamentos e a consciência, que dão origem às demandas de consumo. Demandas
que, por sua vez, geram impactos sobre o ambiente.
A consciência infantil é
altamente vulnerável às mensagens que recebe nas escolas, na família e quando
exposta aos meios de comunicação. Por isso, marqueteiros e publicitários, com o
apoio de psicólogos, neurocientistas, e com a criatividade artística de
designers e escritores, transformaram a criança em alvo preferencial de suas
mensagens. Na pesquisa acadêmica avançada, há especialistas em marketing
infantil. Enquanto os pais trabalham, profissionais com conhecimento e talento
produzem comerciais para vender de tudo.
As crianças deixaram de ser uma
faixa etária e passaram a ser consideradas como uma faixa de consumidores.
Crianças são um segmento da população extremamente vulnerável à propaganda. No
Brasil, pesquisa Ibope realizada em 2007, mostrou que as crianças estão
expostas a 4 horas, 50 minutos e 11 segundos de tempo médio diário diante da
TV, a babá eletrônica que as bombardeia nos merchandisings e na propaganda
subliminar que sequer percebem que estão recebendo. Elas navegam ao mesmo tempo
na web, na MTV, no iPod, e são como esponjas que recebem e absorvem 3000
comerciais por dia. A infância e a pré-adolescência são estágios da vida humana
especialmente sensíveis e receptivos. Comerciais de 30 segundos são suficientes
para uma marca influir na criança. As crianças hoje reconhecem marcas com maior
facilidade do que identificam animais ou frutas.
Nos últimos anos, tem surgido
varias análises e denúncias sobre tal questão, na forma de livros, teses,
filmes. Também têm sido formuladas respostas a esse problema na forma de leis
que regulamentam a publicidade infantil, e de programas de orientação para
escolas e pais.
Um filme contundente, disponível
no Youtube, é “A comercialização da
infância”. Realizado em 2008, tem 60 minutos de duração e legendas em
português. O filme mostra que a criança é uma faixa de consumidores que, nos
Estados Unidos, movimenta US$40 bi/ano em roupas, música e eletrônicos; ela
movimenta US$700bi/ano ao influenciar na compra de computadores, carros,
celulares, das férias da família. Por
seu poder na economia são alvos do marketing de marcas, do marketing viral, do
marketing de imersão e muitas outras formas. Crianças pressionam pelo consumo;
mães de família não são apenas influenciadas pelos filhos, mas são pressionadas
por eles para comprarem algo. Reclamação, birra, insistência são armas que as
crianças usam para conseguirem seus objetivos. O filme mostra que desde os anos
70 se pensava em proibir a publicidade voltada para menores de 8 anos, pois
essa faixa etária é facilmente enganada pela persuasão. Nos anos 80, nos
Estados Unidos, o governo Reagan decidiu desregulamentar a publicidade, com o
argumento que não é necessária uma babá federal para proteger as crianças. Isso
levou a um aumento exponencial no volume de publicidade voltada para crianças,
de 4,2 bilhões de dólares em 1984 para 40 bilhões de dólares em 2010. Os marqueteiros procuram forjar vínculos
emocionais, por meio do bombardeio de mensagens e historias em quadrinhos.
Usam-se personagens que elas compreendem e amam, que as confortam e lhes dão
referências para sua estabilidade. A publicidade busca a lealdade da criança a
uma marca, do berço ao túmulo. Procura viciar a criança em produtos variados:
biscoitos e junk food, roupas de cama, camisetas. Anúncios são personalizados.
Marqueteiros agem como pedófilos, mapeiam os hábitos infantis, querem imprimir
suas marcas nas crianças; tornam-se especialistas em crianças, possuem suas
mentes e emoções, que são examinadas e dissecadas detalhada e sistematicamente;
por meio de testes de piscar de olhos e outros, estuda-se o que ocorre os
cérebros das crianças. Estuda-se como o produto as afeta, como usam o shampoo
no banheiro; promovem-se festas de marketing de grupos que ensinam as crianças
a explorar os amigos. Em laboratórios de controle mental, criam-se sonhos,
desejos, ambições, controlam-se as crianças pelo controle remoto, e elas
influenciam na tomada de decisão dos pais. A identidade é definida em termos
simbólicos e de status pelo que compra, o que tem e o que possui. Uma criança
que não tem uma roupa, um tênis, um celular, não vale nada, fica sem
autoestima. A mensagem é que, para ser, é preciso ter Mais do que objetos,
produtos e serviços, vendem-se valores simbólicos e culturais. Elas não são
poupadas sequer na escola, com anúncios nas paredes das salas de aula. A escola
leva alunos para passear em shoppings e publicidade é afixada nos ônibus
escolares.
No Brasil, o Instituto Alana formula propostas sobre como enfrentar essa
questão. Em Mercantilização da infância,
um problema de todos, Isabella Henriques e Laís Fontenelle mostram que o
consumismo infantil decorre da formação
de valores materialistas. Ele provoca distúrbios alimentares, erotização precoce, estresse familiar, diminuição de brincadeiras criativas, violência pela busca de produtos caros,
consumo precoce de álcool e tabaco,
encorajamento do egoísmo, da
passividade, do conformismo, enfraquecimento
dos valores culturais e democráticos. Aumenta a obesidade infantil,
diabetes, e agudiza crise na saúde publica. 16% das crianças americanas hoje
são obesas. O trabalho afirma que “a
publicidade voltada ao público infantil é intrinsecamente carregada de
abusividade, pois para seu sucesso se vale justamente da deficiência de
julgamento e experiência da criança. A comunicação mercadológica que se dirige à criança não é ética ao
utilizar técnicas e subterfúgios de convencimento dirigidos a uma pessoa vulnerável.
As crianças não têm condições de
entender as mensagens publicitárias que lhes são dirigidas; não conseguem
distingui-las da programação; compreender
seu caráter persuasivo e não conseguem identificar a publicidade como tal”.
Em 2012, o Ministério do Meio
Ambiente e o Instituto Alana lançaram a cartilha Consumismo infantil: na contramão da sustentabilidade. Nela se realça a importância da ação conjunta da
família, das escolas, dos movimentos sociais e organizações do 3º Setor, do
empresariado e do Estado. Propõe-se valorizar o brincar, ocupar espaços
públicos, ganhar doar, trocar, consumir lanches saudáveis, ter contato com a
natureza, cuidar das embalagens. Essa cartilha afirma que “Também é fundamental
que até os 12 anos as crianças sejam protegidas dos apelos para o consumo e que
aprendam a lidar com o consumo sempre com a mediação de adultos. Só assim elas
serão capazes de desenvolver espírito crítico”. Nos estágios evolutivos da
criança, é dos 10 aos 12 anos que se inicia o senso crítico autônomo.
Em março de 2012 surgiu no Brasil
o Movimento por uma infância livre de
consumismo. Ele se apresenta como um coletivo de mães, pais e cidadãos
inconformados com a publicidade dirigida às crianças. Considera que a
regulamentação feita pelo próprio setor atende aos interesses empresariais e
não está preocupada com a saúde e o bem-estar das crianças. Acredita que o Estado
deve intervir e que não se pode responsabilizar somente os pais e as mães por
um problema que afeta toda a sociedade.
Juristas e políticos debatem a
necessidade do Congresso regular a publicidade voltada para as crianças. A Constituição Federal, no Art. 227 postula
que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão (...)” O Código de
Defesa do consumidor proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva e diz que “É
abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a
que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da
deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores
ambientais.” Recentemente o
Congresso discutiu projeto de lei que proíbe a vinculação de brindes à venda de
alimentos, para evitar essa manipulação comercial das consciências das
crianças. Os congressistas têm o poder e a atribuição de elaborar leis que
regulem ou coíbam a propaganda abusiva, e são alvo dos lobbies das indústrias
no sentido de neutralizar tais iniciativas.
Sobre a regulação, uma
publicitária me escreveu a seguinte mensagem: “Eu achava que a proibição da
publicidade infantil era um caminho simplista demais, já que o problema está
também no conteúdo dos programas infantis, que são largamente consumidos nos
lares brasileiros sem acompanhamento dos pais ou responsáveis. Mas depois
que passei férias na casa de uma amiga, mudei de ideia. Essa amiga e
o marido sempre proibiram os três filhos de assistirem TV. A TV na
casa deles só é ligada para a família assistir filmes/DVD. Fiquei muito
impressionada com as coisas que vi naquela casa: pais e filhos integrados
e participativos, crianças felizes, calmas, de hábitos saudáveis,
sem nenhum consumismo, com uma estrutura intelectual sólida, enfim,
com uma moral que lhes valerá para o resto da vida”. Em vários
países, tais como a Suécia, a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá, a
Noruega, a Irlanda, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a Áustria, Portugal e
Luxemburgo, há legislação que regula o tema. Ela comenta sobre isso: “Para
essas sociedades, eleger uma programação televisiva livre de conteúdos
publicitários direcionados a crianças/adolescentes é uma opção por colocar os
direitos dessas crianças acima de outros interesses. É tratá-las como pessoas
em processo de desenvolvimento, e não como consumidores. É fortalecer as
famílias, ampliando seu poder de escolha ao eliminar a influência da
publicidade no diálogo com os filhos. É fazer valer a máxima de que crianças e
adolescentes são prioridade absoluta. E foi exatamente isso que senti com eles,
as crianças são realmente crianças, o adolescente é
realmente adolescente e os pais são realmente maduros”.
Empresas e organizações podem
atuar com responsabilidade e ética, dirigindo apelos de consumo aos pais e não
às crianças, e o estado deve atuar na regulação. Assim, por exemplo, pode-se contrapor à
publicidade comercial que exacerba desejos de consumo, outras forças, que neutralizem
e minimizem os impulsos em direção a esse tipo de desejo, que pressiona a
natureza. Da mesma forma como o marketing e a publicidade atuam sobre o
inconsciente e excitam o desejo de consumo, também poderiam, caso houvesse
consciência, vontade e impulso coletivos, promover o desejo por saúde
ambiental, bem como a redução da demanda por bens cujo processo de produção é
destrutivo, degradador, poluidor, emissor de gases de efeito estufa. A ecologização da publicidade é um dos meios
de ecologizar as consciências.
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