Maurício Andrés Ribeiro (*)
A consciência ecológica ajudou a criar práticas de redução
ou de minimização de impactos negativos. Leis foram aprovadas e instituições,
estruturadas. Criaram-se procedimentos e ferramentas tais como a avaliação de
riscos ambientais e o licenciamento ambiental, que contribuem para prevenir ou
mitigar tais efeitos ambientais negativos.
Entretanto, tais cuidados ainda não foram estendidos à
atividade humana potencialmente mais degradante e devastadora do ambiente: a
atividade da guerra. Dentre todas, essa é a que tem a maior possibilidade de
gerar consequências negativas e sofrimento para as pessoas e para o meio
ambiente. “De uma maneira geral genocídio e ecocídio são gêmeos”, observa
Ignacy Sachs.
As guerras produzem
vários impactos sobre componentes do ambiente natural, cultural e humano.
(fig.)
Figura- Efeitos ambientais da atividade bélica |
O alto impacto ambiental negativo das guerras se apresenta
em todo o ciclo de vida dos conflitos armados: da extração das matérias primas
para a indústria de armamentos, passando pelo uso e aplicação desses
equipamentos, até a sua disposição final, constituída pelos resíduos atômicos[1],
químicos e bacteriológicos. Além disso, há as consequências funestas dos atos
de terrorismo ou os impactos do uso de armas biológicas nas guerras
convencionais, tais como na possível propagação intencional do botulismo, da
varíola e do antraz ou no desmatamento ocasionado pelo napalm e outras armas de
guerra. O urânio usado nas balas contamina o ambiente com radioatividade e
dissemina o câncer e outras doenças. Contaminam-se os rios e perde-se o
potencial de uso do solo com a disseminação das minas terrestres, que mutilam
pessoas e animais. O uso da bomba de nêutrons – a chamada “bomba capitalista”,
porque destrói a população, mas preserva o patrimônio material - , é outro
exemplo da destrutividade e do potencial de devastação ambiental causados pelas
atividades bélicas.
O belicismo está na origem da pressão sobre os recursos
naturais, transformados pelo complexo acadêmico-industrial-militar em artefatos
bélicos de potencial destrutivo. Além disso, as atividades relacionadas à
preparação e à realização das guerras – desde a extração de minerais para a
produção dos armamentos e equipamentos bélicos, até a alimentação de tropas
e os eventos durante os conflitos emitem
gases de efeito estufa e contribuem para os desequilíbrios climáticos. A
organização que mais consome energia no mundo é o exército dos Estados Unidos,
que gasta US$ 11 bilhões por ano. "No campo de batalha, 70% da tonelagem
logística é consumida por combustíveis", observa Thomas Morehouse, do
Instituto de Análise de Defesa.(matéria divulgada na Folha de São Paulo em 4-4-2007).
Proliferam hoje guerras regionais, guerras civis
nacionais, atos de terrorismo como forma extrema de questionamento do poder
político organizado, conflitos interindividuais e psicológicos.
As guerras constituem a atividade humana com maiores impactos
destrutivos sobre o ambiente natural, o ambiente construído e sobre a vida
social e individual. Trata-se de atividade essencialmente destrutiva, brutal e
cruel.
Um dos efeitos colaterais das
guerras é a multiplicação de refugiados.
Tendo perdido seus bens materiais e correndo o risco de perder a vida, as
pessoas fogem. Luta ou fuga, são as reações diante de um perigo, e no caso das
guerras, a fuga é o modo de sobreviver.
Em entrevista na TV um menino
sírio declarou que ele e seus compatriotas não querem ir para a Europa, eles
querem permanecer na Síria, mas para isso é preciso acabar com a guerra.
Os impactos sociais, econômicos e
culturais sobre outras sociedades e ambientes são expressivos e relevantes.
Nesses outros ambientes, tentam-se criar barreiras à entrada dos refugiados e
revelam-se os limites de hospitalidade e da solidariedade. Há impactos
psicológicos em ex-combatentes, com estresse pós traumático e comportamentos antissociais.
O emprego da força e da violência tem, ainda, custos
psicológicos e subjetivos nem sempre considerados, retardando ou prejudicando o
desenvolvimento do ser humano integral devido ao ódio, aos ressentimentos e
mágoas que se multiplicam. Os riscos psicológicos como traumas e psicoses,
estão incluídos entre os principais riscos que a humanidade enfrenta.
Da mesma forma que as guerras, também o preparo
bélico requer exercícios com tiros,
minas, mísseis e torpedos, que explodem, destroem vegetação e paisagens
naturais, poluem o solo e as águas e deterioram o meio ambiente. Trata-se de
atividades intrinsecamente destrutivas e cujo objetivo é a destruição, que
inclui a devastação e a degradação do meio ambiente.
As sociedades que cultivam a cultura da paz e que evitam
envolver-se na corrida armamentista e em conflitos bélicos evitam emissões
significativas de gases de efeito estufa e dão uma expressiva contribuição para
evitar o agravamento das mudanças climáticas.
A eliminação das guerras como formas de resolução de
conflitos seria uma forma de reduzir as pressões sobre o meio ambiente e os
impactos negativos das mudanças climáticas. Esse é um tema sobre o qual existe
muito pouca informação e discussão pública.
Assim, os princípios, métodos e instrumentos utilizados
para mitigar os impactos negativos das demais atividades humanas precisam ser aplicadas
à atividade da guerra. Avaliações de impacto ambiental e o licenciamento
ambiental deveriam ser mandatórios e objeto de pactos internacionais
obrigatórios, visando ao bem da humanidade, sempre que esteja em jogo a
possibilidade de iniciar-se uma ação bélica potencialmente degradadora ou
poluidora do ambiente. Isso ajudaria a
desenvolver a consciência global a respeito das consequências desse tipo
de ação, com a cuidadosa avaliação prévia dos seus impactos. O licenciamento
ambiental das guerras deveria contemplar, entre outros, os impactos bióticos,
antrópicos e físicos desses eventos e, somente depois de detalhada e cuidadosa
avaliação de riscos, elas deveriam ser matéria de discussão nacional e
internacional. A aplicação dos procedimentos de avaliação prévia de impactos
ambientais às atividades bélicas poderia levar, no limite, à sua
inviabilização, seja pelo aumento de seus custos, que incluiriam os necessários
recursos para recuperação da degradação que viessem a causar, seja pela consequente
ampliação do tempo para a busca de consenso em torno a sua necessidade e para
seu eventual preparo. Nessa fase, inclusive, poderiam e deveriam ser colocadas
em prática todas as maneiras e técnicas diplomáticas e de mediação e resolução
não-violenta de conflitos, com vistas a evitar os embates bélicos.
Essas ideias contêm, certamente, um conteúdo utópico,
considerando-se o momento histórico presente. Mas merecem ser consideradas,
posto que todas as guerras constituem um fator destrutivo para o ambiente e para o ser humano.
As guerras só serão
abolidas quando se tornarem psicologicamente intoleráveis, da mesma forma como
a escravidão somente foi abolida quando se tornou socialmente intolerável, além
de economicamente desejável, já que a libertação dos escravos traria impacto positivo
para o mercado consumidor e os sistemas de produção.
Num estágio mais avançado de evolução da espécie humana, a
degradação ambiental decorrente das guerras pode tornar-se um fator adicional
que acabará por levar à sua abolição como forma de resolver conflitos.
[1] Em 6 de agosto de 2015 completaram-se 70 anos do lançamento das
bombas atômicas no Japão na Segunda Guerra Mundial.
Um comentário:
Mauricio, bom artigo e aprecio algo de positivo pelo menos em teoria.Steve
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