sábado, 5 de dezembro de 2020

Sanitarizar, a arte e a ciência de prevenir doenças


 Maurício Andrés Ribeiro

A crise sanitária representada pela pandemia despertou a consciência para a necessidade de conservar a saúde integral, antes de apenas tratar corretivamente das doenças.

Desde sua origem a pandemia decorre de uma questão de saúde ambiental: a destruição dos habitats de animais silvestres que migram para as cidades ou passam a ter contato com os humanos e disseminam vírus que alastram as doenças.

Animais consumidos como alimentos (pangolins na China) ou confinados para produção de bens de consumo na moda (como os visons na Dinamarca) podem transmitir doenças.

Nas  cidades,  as doenças do adensamento denunciam as precárias condições em que vive grande parte da população, em moradias sem ventilação, iluminação natural, acesso a água tratada e a esgoto.

A saúde climática está abalada e o planeta está febril  com o aquecimento global; a saúde ecológica está tensionada pelas atividades humanas, o desmatamento, e pelos hábitos  de consumo como o carnivorismo; a saúde pública ameaçada pelas zoonoses e pandemias, fruto de relacionamento desarmônico dos humanos com os animais; a saúde urbana ameaçada pela falta de saneamento e pelas condições ambientais de moradia precárias; a saúde física das pessoas afetada por todos esses males da saúde ambiental; a saúde emocional abalada, fragilizando a saúde física; a saúde mental prejudicada pelos traumas e tensões psicológicas. 

Com a pandemia, a questão da saúde readquiriu importância no urbanismo. Evidenciou-se a importância da higiene pessoal e coletiva, da boa qualidade do ar,  da arquitetura clínica, com  insolação e ventilação natural, do saneamento para evitar epidemias, do controle das zoonoses urbanas (escorpiões, carrapatos, ratos e outros vetores de doenças).

As cidades compactas voltaram a ser um tema relevante para  os urbanistas, dada a relação que existe entre as densidades de população e a saúde  humana e animal.

Um efeito colateral da pandemia foi a necessidade de repensar a cidade e o urbanismo, a percepção e perguntas sobre o seu futuro, seu fracasso ou sucesso e de prevenir as crises nas cidades. Evoluiu  a consciência de que é possível desenhar melhor as cidades, melhorar a qualidade do ar e viver com um céu azul.

Ocorreu um movimento  para fora das grandes cidades,  vistas como locais de aglomeração e a adensamento, e, portanto, de maior possibilidade de contágio pelos vírus.

O desenho urbano, o distanciamento físico nos locais que as pessoas frequentam, o escalonamento no uso do tempo para evitar aglomerações foram algumas das formas de atuar para reduzir os contágios.

O isolamento físico transformou  o modo como se  usam os espaços nas cidades. O comércio  e os serviços à distância com entregas em casa se intensificaram e esvaziaram-se  as lojas físicas.  Espaços  públicos em frente ao comércio se tornaram uma extensão dessas atividades. Ampliaram-se os espaços entre mesas nos bares  para evitar contágios. Cabines transparentes foram instaladas em torno de mesas de restaurantes em Amsterdam, para isolar fisicamente as pessoas. Instalaram-se bolhas para a prática de yoga em cidade no Canadá. Academias de ginástica ocuparam espaços ao ar livre em Brasília.

A visão  sanitarista mostrou sua importância e evidenciaram-se os custos que a sociedade paga em vidas e sobrecarga nos sistemas hospitalares quando se descuida da saúde ambiental e urbanística.

Lavar as mãos  com água e sabão; aplicar água sanitária nos objetos para desinfetá-los; usar o vaso sanitário para recolher os dejetos humanos; aplicar a engenharia sanitária para prover água, esgoto, drenagem, gestão dos resíduos numa cidade; exercer a vigilância sanitária ao licenciar vacinas, medicamentos e a produção de alimentos e para  controlar a entrada de produtos animais ou vegetais vivos nos países; proteger hábitats de animais silvestres para evitar que vírus perigosos transbordem para contato com humanos; preservar a saúde ambiental do planeta evitando sua febre medida pelo aquecimento global: esses são alguns dos modos de sanitarização do ambiente.

 Sanitarizar, no sentido da saúde integral, inclui restaurar ecossistemas e ambientes naturais, mudar padrões de consumo pouco saudáveis;  preparar os ambientes urbanos para dar condições de saúde física aos  habitantes e de saúde mental e emocional  para que tenham bem estar e qualidade de vida; prover moradias com ventilação, iluminação, aeração adequadas; nas cidades, prover o saneamento básico;  no planeta, reduzir a emergência climática por meio de uma reinvenção dos hábitos de consumo e de produção humanos.

A sanitarização da vida é uma meta associada com o controle da poluição e que pode se realizar do global ao pessoal, do doméstico ao regional com benefícios para a saúde ambiental e para a saúde humana. Por meio da sanitarização a ecologia ambiental se encontra com a ecologia social, a saúde pública se beneficia da boa saúde ambiental.

Ambientes doentes adoecem as pessoas.

 

 


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