domingo, 29 de novembro de 2020

Render-se a uma vontade maior na pandemia

 


Maurício Andrés Ribeiro

Enquanto a vacina contra o vírus  da Covid-19 não chega, procura-se fortalecer a imunidade do corpo. Um organismo  fortalecido torna-se capaz de reduzir os efeitos devastadores do vírus.  Procura-se melhorar a qualidade da alimentação, a exposição ao sol, praticar exercícios, tomar banho frio, repousar. Manter a  saúde mental e emocional  se reflete sobre a saúde do corpo físico.  O estresse  emocional e mental fragiliza o corpo.

 O psicólogo e educador  Pierre Weil mostrou como o apego e o medo da perda  de algo gera prazer produzem estresses e doenças de origem psicossomática. No desprendimento  está um modo eficaz de reduzir o estresse. Quando se  desapega fica mais fácil render-se a uma vontade ou a uma inteligência superior. Desapegar-se pode significar dissolver o próprio ego, renunciar ao egoísmo e às próprias preferências pessoais condicionadas culturalmente e estar aberto para aceitar o que a vida indicar. A entrega é o título do último livro biográfico de Pierre Weil, em que ele coloca seu destino nas mãos de uma vontade superior. Ao invés de ser movido por  interesses particularistas, por desejos do ego, passa-se a ser movido por uma aspiração mais elevada. Essa ideia de rendição está presente em antigas tradições espirituais, como no raja yoga:  render-se (to surrender) à vontade divina e deixar-se levar na vida  a partir dessa força ou energia, do self universal e não do ego individual.

As expressões “se Deus quiser”, “entregar para Deus”, são praticadas diariamente por milhões de pessoas. Não querer controlar o futuro,  estar aberto às mudanças de planos, deixar a vida fluir e indicar os caminhos, render-se à vontade maior são atitudes de resignação e aceitação que podem reduzir estresses.

 Zeca Pagodinho cantou “Deixa a vida me levar  Vida leva eu  Sou feliz e agradeço  Por tudo que Deus me deu”.  Na perspectiva da não violência, render-se pode significar libertar-se de dualismos, da luta do bem contra o mal, deixar de fazer julgamentos de valor e desapegar-se daquilo que dá prazer: a vitória, a vaidade, o orgulho.

Outra música popular expressou a atitude de indignação  e de  resistência a entregar-se. Sergio Ricardo cantou: “Se entrega, Corisco! Eu não me entrego não!”  Entregar-se ou render-se no sentido militar ou do ativismo político ou ideológico masculino  tem uma conotação de reconhecer a derrota, de perder a luta, retirar-se do campo de batalha. Na guerra do Vietnã um general aconselhou o presidente americano a declarar vitória e bater em retirada.

Quem acredita em Deus coloca-o em diferentes lugares: alguns o imaginam acima de todos, no alto e distante.  Outros o colocam tanto no universo (o Brahman) como no interior de cada ser vivo (o Atman). Há tradições que o visualizam como uma centelha de luz  dentro de cada  ser. Sri Aurobindo escreveu extensamente  sobre isso em A vida Divina. A principal saudação dos hindus, o Namasté, significa que o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em ti. Quando se percebe Deus dentro de si, as expressões “se Deus quiser”, “a vontade divina”,  “entregar para Deus” passam a ter outro significado pois cada homo sapiens assume seu papel e responsabilidade, como  portador de uma consciência e energia divinas.

 

 

 

 

 

 

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