segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A pandemia como um ponto de mutação


A pandemia como um ponto de mutação

Maurício Andrés Ribeiro

A pandemia alterou o ritmo da vida e de funcionamento do mundo. Muitos planos se evaporaram. Ela impôs um freio de arrumação e uma pausa para reflexão.  Todos foram pegos desprevenidos, com as calças na mão. Houve desorientação, desnorteamento e um aprendizado do bê-á-bá de como lidar com pandemias, valioso para enfrentar outras pandemias que poderão vir.

A pandemia em 2020  é um  sinal de alerta para o que vem por aí: eventos extremos envolvendo  o clima, a água, o fogo, o ar, a terra, as perdas de vida animal e vegetal. Estamos no final de um período lírico na história da humanidade. Esse tende a ser um período turbulento e conturbado, um novo anormal.  Para lidar com ele será saudável  superarmos as velhas normoses - comportamentos doentes aos quais nos acostumamos – que existiram no período anterior.

 

A pandemia acelerou a colaboração cientifica, a busca por vacina, o êxodo da cidade para o campo, a despoluição do ar, mudanças na economia.  Trouxe novos hábitos de higiene corporal e mudanças nos negócios, com o  teletrabalho. Muita gente deixou de gastar horas diárias nos trajetos casa-trabalho-casa  e teve um ganho substancial de tempo livre para usar de outros modos.  Os negócios precisaram ser reorganizados para um mundo imprevisível que passa por grande aceleração, no qual as previsões anteriores não valem mais, no qual se precisa  adaptar a turbulências, valorizar o coletivo sobre o individual, o médio e longo prazos sobre o imediato, acelerar a resiliência, reorganizar tudo, inclusive os valores e a abordagem ética.

A pandemia liberou tempo para se refletir, pensar. Trouxe oportunidades para  mudanças  de consciência, introversão e introspecção, condições para o autoconhecimento. Ensinou por meio da pedagogia do susto; acelerou a tele cultura. A educação remota também  se acelerou, bem como a aprendizagem pela teleducação. A pandemia acelerou em vários anos  a utilização do digital, afirma  Silvio Meira ao discorre sobre suas consequências no mercado de trabalho, na estabilidade social e política, bem como a importância de imaginar possibilidades novas.

Segurança e riscos foram reconceituados: a pandemia trouxe incertezas e instabilidades, insegurança e imprevisibilidade quanto ao futuro. Vivemos numa sociedade do risco em que perigos invisíveis e imperceptíveis (radiações, vírus etc) colocam em questão a segurança, muito mais do que as questões convencionais das quais tratam as políticas de segurança. Foi preciso aprender a  lidar com a biossegurança, compreender a segurança ecológica como necessária para prevenir novas pandemias, considerar a segurança hídrica e  alimentar. Houve perdas  de vidas e as mortes pelo vírus, especialmente entre os mais vulneráveis. Foi necessário hibernar para economizar energia e não se expor a riscos. A retomada das atividades  depois de lockdowns e quarentenas é como o movimento de uma sanfona, com seu  abre e fecha.

Manifestou-se o horror ao caos, um certo fatalismo de que não há muito o que fazer e seja o que Deus quiser.  Quem transmite sensação de proteção e segurança obtém apoio e aceitam-se perdas de liberdade e de privacidade.

Passou-se a imaginar como seria possível prevenir novas pandemias e a importância de aplicar o princípio da precaução. Houve mudanças na relação com os animais que reocuparam espaços que tinham abandonado. Mudaram-se hábitos alimentares, houve um despertar do sentido de unidade humana.

A pandemia, como um grande experimento psicológico global, trouxe sensação de fragilidade e de vulnerabilidade. Ela nos colocou diante da morte e de perdas materiais e econômicas de todo tipo. Exigiu  lidar com o luto. Como numa guerra, há estresse psicológico e estresse pós traumático depois de viver situações trágicas. Ela impactou a saúde mental e emocional, trazendo depressão, ansiedade, medo, distúrbios do sono. 

O preparo psicológico para lidar com essa situação inclui muita paciência, expectativa nula de que ela se resolva imediatamente;  prudência para não se expor a riscos e colocar a perder todo o cuidado tomado durante meses para evitar o contágio.  Foi preciso resistir à fadiga da quarentena, ao impulso de romper o distanciamento e se aglomerar. Muita gente suporta meses de isolamento e confinamento, depois flexibiliza e afrouxa os cuidados preventivos e se expõe ao risco, indo a bares ou à praia. E contrai o vírus. Isso é literalmente morrer na praia. Resiliência, capacidade de resistir por longos períodos demandam preparação psicológica e espiritual.  Fortalecer o emocional e o mental é um dos caminhos para reforçar a defesa imunológica física e se o vírus chegar, encontrar o corpo mais bem preparado e fazer menos estragos. São valiosos todos os meios que possam fortalecer a coragem e  enfraquecer o medo.

 

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