sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O caminho do meio tem ciência e fé

                           VR= f ( EC)

Maurício Andrés Ribeiro

O negacionismo da ciência contrabalança o negacionismo da espiritualidade.

Cientistas fundamentalistas negam Deus, religiosos fundamentalistas negam a ciência.  À religião sem ciência se contrapõe a ciência sem espiritualidade.

Os fundamentalismos religiosos espelham o fundamentalismo de quem venera a ciência como uma religião.

 A um déficit de espiritualidade numa cosmovisão “científica” corresponde um déficit de ciência em cosmovisões religiosas convencionais.

Conflitos podem resultar dessas duas cosmovisões situadas nos extremos, mas que se tocam, pois uma alimenta a outra e vice versa. Isso tem consequências políticas.

O pêndulo da dinâmica da realidade oscila entre o caos e a ordem. Em alguns momentos predomina o caos, em outros prevalece a ordem. A momentos ultra caóticos se sucedem momentos que clamam pela ordem e o controle.

A polarização política, com eleitores rachados meio a meio, aconteceu no Reino Unido no Brexit,  em  várias eleições nos Estados Unidos e no Brasil, vem acontecendo em outros países. Uma visão dualista focada nos extremos se instalou, transformando a política num jogo de torcidas. A identidade que vale é a pequena identidade do meu time, contra os outros. No tribalismo minha tribo  vem primeiro, um nacionalismo em que meu país vem primeiro, uma competição em que  meu time vem  primeiro. Levar vantagem, defender meu pequeno interesse é a motivação da ação. As identidades maiores  que trazem  à tona os interesses comuns e o interesse público ficaram em  segundo  plano.

Nesse dualismo e polarização que pensa pequeno, nessas pequenas visões se instalam o radicalismo e o fundamentalismo contra o  que está fora do pequeno grupo. 

Enquanto não se conceber e construir uma cosmovisão includente, baseada em macroidentidades e não em microidentidades, a polarização política tende a se sustentar.

Muitos cientistas se abriram à  espiritualidade, na linha da frase atribuída a Louis Pasteur: “Um pouco de ciência nos afasta de Deus. Muito, nos  aproxima.” Marcelo Gleiser é um físico  e astrônomo ganhador do prêmio Templeton sobre  a dimensão espiritual da vida.  O biólogo  Bruce Lipton escreveu A biologia da crença. Um dos campos que concilia ciência e fé é o da ecologia espiritual, que supõe que o ser humano é dotado de uma consciência não apenas egocentrada em seus interesses de riqueza, poder e dominação, mas capaz de compreender sua inserção planetária e cósmica. A Ecologia Espiritual procura um nexo entre a civilização ecológica em construção e as questões espirituais. Miguel Grinberg, educador argentino e autor do livro Somos la gente que estábamos esperando, define a ecologia espiritual como uma ferramenta para indagar sobre os potenciais latentes de uma pessoa, em harmonia com sua vocação natural de paz e o papel que pode desempenhar numa sociedade em que se perceba que o desenvolvimento metafísico é essencial para resolver os problemas do mundo material.

Da parte das religiões, o Papa Francisco tentou aproximar o mundo católico  da ecologia com sua encíclica Laudato Si. Esses são exemplos de negação dos negacionismos tanto no campo da ciência como no da fé. Na tradição do yoga, Sri Aurobindo nos percebeu como seres em transição que têm em si uma centelha divina, capazes de contribuir para construir  e  acelerar a evolução. Uma força universal conduz a história humana, diz Sri Aurobindo, cuja perspectiva sobre a evolução parte do poder do espírito em moldar a matéria. O ser humano é visto com um ser com infinitas possibilidades e potencialidades; para desenvolvê-las precisa trabalhar sobre seu próprio corpo, suas células físicas, para serem capazes de receber a energia que vem do universo e da Natureza. Ele  escreve:  “No momento atual a humanidade atravessa uma crise evolutiva em que se esconde a escolha de seu destino; pois foi alcançado um estágio em que a mente humana obteve um desenvolvimento enorme em certas direções, enquanto em outras está paralisada e desorientada e não consegue mais achar seu caminho.”

É possível e desejável criar convergência e despolarizar, desradicalizar, desfundamentalizar? Ou estamos condenados à Babel das divergências e da cizânia?

 diferentes caminhos de busca da verdade e de compreensão da realidade. Pierre  Weil intuiu que a Vivência da Realidade (VR) é função (f) do Estado de Consciência (EC) no qual nos encontramos e, com seu espírito científico, resumiu isso numa fórmula: VR= f ( EC). Uma terceira via,  um caminho do meio para transformar a sociedade e a política pode estar na expansão  da consciência e na reconciliação da ciência com a fé.

Há outros caminhos para isso, como o da arte. Aqui vale lembrar a música de Gilberto Gil:

Andar com fé eu  vou

Que a fé não costuma faiá.

 

 

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