sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

UM CONFLITO FEDERATIVO PELA ÁGUA NO BRASIL


Vários conflitos pela água são federativos, opõem estados que a disputam.

 Há conflitos transfronteiriços e regionais, com disputas entre estados ou municípios pelo uso de recursos hídricos compartilhados. Exemplo: estados vizinhos disputam a água para seu uso e sua economia. Disputam direitos sobre rios que atravessam diferentes jurisdições, como ocorreu entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo na Bacia do Rio Paraíba do Sul. 

No Brasil, a crise de 2014 explicitou uma disputa entre São Paulo e o Rio de Janeiro pelo uso das águas do rio Paraíba do Sul.  


A crise hídrica em São Paulo nos anos 2014 e 2015 motivou a mídia, os governadores, o Supremo Tribunal Federal e os legislativos a se envolverem com o tema. Crises e conflitos elevam o seu status  na agenda política. 


Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média


Figura: Manchete em capa do Jornal O Globo em 12/8/2014 durante a crise hídrica no Sudeste.

 Há conflitos entre a União e os estados quanto à política de uso, devido à existência de águas de domínio federal e de domínio estadual. Assim, outorgas federais podem ser dadas em desarticulação com outorgas estaduais, ou outorgas de águas superficiais em dissonância com as outorgas de águas subterrâneas, levando-se a outorgar mais água do que a que existe efetivamente; no âmbito do sistema de gestão  compartilhado entre o governo federal e os estados, ocorrem superposições ou omissões. 

Devido ao crescente grau de polêmicas, de interesses econômicos e políticos contraditórios, bem como de questões de segurança, cada vez mais o arbitramento sobre os temas de disputas hídricas migra da área ambiental para instâncias de governo que mediam conflitos políticos. As áreas de articulação institucional dos governos dispõem de autoridade para convocar as demais secretarias ou ministérios e podem funcionar como agentes aglutinadores. A relevância que assume o tema exige capacidade de se mediarem posições conflitantes dentro do governo e com os demais atores da sociedade. A autoridade governamental máxima – presidente, governador, prefeito – tem sido  chamada a arbitrar disputas. 

Com as crises, a água  chega ao topo da agenda política.


RELAÇÕES HARMONIOSAS E CONFLITUOSAS COM A ÁGUA



A água é essencial para a vida e para todas as atividades humanas. À medida que cresce a população, ela passa a ser cada vez mais demandada. 

As relações entre os atores sociais, políticos e econômicos que têm a água como foco de interesse variam de altamente harmônicas a profundamente conflituosas, dependendo do contexto, das prioridades e do acesso ao recurso. 

Entre as relações harmoniosas está o compartilhamento amigável, no qual atores locais, como as comunidades rurais, compartilham fontes de água para uso doméstico e agrícola com base em práticas tradicionais ou acordos verbais. Exemplo: comunidades que dividem acesso a rios ou poços em períodos de seca.

A colaboração multissetorial, com as parcerias entre governos, empresas, ONGs e cientistas, implementa projetos de conservação, acesso e gestão sustentável da água. Exemplo: iniciativas de recuperação de bacias hidrográficas, como reflorestamento ou combate à poluição.

A governança participativa, por meio de conselhos e comitês de bacias hidrográficas que incluem representantes de todos os setores (usuários, sociedade civil e governo) toma decisões sobre o uso da água. Exemplo: comitês de gerenciamento de recursos hídricos no Brasil.

Enquanto é abundante e farta, a água passa despercebida, como um fato natural. 

Um segundo tipo de relações é a competição por recursos, entre usuários que disputam acesso à água, especialmente em situações de escassez. Usuários em bacias críticas frequentemente têm interesses conflitantes e contraditórios. Em casa onde falta pão, todos gritam e ninguém tem razão. Essa frase pode ser adaptada para situações em que há escassez de água. Em bacias onde falta, todos brigam e cada um se exalta. Mais gente, maior disputa, maior densidade de população e de atividades, mais poluição das águas induzem a rivalidades. (a origem da palavra rival é a mesma de rio, rivière, river). Conflitos ocorrem entre setores usuários - o abastecimento humano, a irrigação, a navegação, a geração de hidroeletricidade, a indústria, a recreação e o turismo, a pesca e a aquicultura etc.

Em bacias hidrográficas que não se prepararam para resolver, de forma negociada, o atendimento aos interesses dos diversos usuários, esses conflitos acabam sendo resolvidos pela violência, pela lei do mais forte ou pela imposição e autoritarismo do Estado. Em bacias nas quais a agricultura irrigada era feita sem controle, houve ameaças de destruição de bombas de sucção e derivação em projetos de irrigação, por parte de moradores localizados rio abaixo e que se viam privados do acesso à água para beber.

Conflitos intersetoriais

Abastecimento versus irrigação

Transporte versus energia

Proteção ambiental versus energia

Energia versus pesca

Diluição de resíduos versus abastecimento

Tipos de conflitos

Lazer e turismo x geração de energia elétrica

Troncos x barcos 

Procissão religiosa (navegação) x geração de energia


É relevante criar e adotar modos civilizados, participativos e democráticos para solucionar os conflitos e promover harmonia entre os usuários das águas.

MÉTODOS PARA PREVENIR, MEDIAR E RESOLVER CONFLITOS SOCIOHIDRICOS

 


Há vários métodos de mediação e resolução de conflitos. Há os métodos autoritários, pelos quais se impõe uma solução pela força, prejudicando uma parte em benefício de outras que tenham maior poder político ou econômico.  

Quando se tornam escassas, as águas são motivos de disputas e rivalidades. Se não existem modos civilizados para solucioná-los, esses conflitos acabam sendo resolvidos pela violência ou pela imposição do Estado. Um coronel do interior contratava jagunços armados que expulsavam de suas terras proprietários rurais que os incomodavam. Pela força, eles se apropriaram da água para seu uso. Tais métodos pouco civilizados têm perdido aceitação e outros métodos menos violentos têm passado a ser usados para resolver disputas.

Alguns tipos de métodos de gestão:

  • Métodos autoritários

  • Métodos truculentos, pela força

  • Métodos pactuados e associativos

  • Métodos participativos e descentralizados 

Em um contexto democrático, é desejável que as disputas sejam resolvidas de forma diplomática, negociada, cooperativa, não violenta e pacífica.  A negociação pelo acesso à água é um exercício político, compartilhando um bem que se torna cada dia mais valioso, por não ter substitutos. 


A gestão pacífica de conflitos pelo uso da água requer métodos, técnicas e instrumentos que promovam diálogo, cooperação e soluções sustentáveis. Essas abordagens buscam prevenir a escalada das tensões, mediar disputas existentes e propor soluções que atendam às necessidades de todos os envolvidos.

Devido ao aumento de tensões, há necessidade de conhecimento para a participação e a tomada de decisões. Torna-se necessária a  resolução não violenta de conflitos, controvérsias e polêmicas, a mediação de conflitos, a gestão participativa em colegiados que promovam a alocação socialmente validada de água. 

A chave para prevenir e resolver conflitos pela água de forma pacífica é a integração entre planejamento preventivo para evitar disputas, a mediação eficaz quando tensões surgirem e instrumentos regulatórios e tecnológicos para garantir o cumprimento de acordos. Essa abordagem integrada promove o equilíbrio entre os interesses dos diversos atores, priorizando o bem-estar coletivo.

Para mediar disputas, evitar conflitos destrutivos e promover uma gestão que reconheça a água como elemento vital, conectando atores em torno de valores comuns, propõem-se estratégias para transformar relações conflitivas em relações colaborativas. Por meio de educação e da conscientização, promove-se uma visão ética e espiritual da água como bem comum; o diálogo e a mediação, facilitando conversas entre partes em conflito para construir soluções compartilhadas; a governança sustentável, integrando diferentes atores em processos decisórios inclusivos e transparentes; o incentivo ao uso de tecnologias para a conservação e reaproveitamento da água.

Um dos modos mais eficazes de prevenção de conflitos é por meio do compartilhamento de informações e da comunicação, da construção de confiança mútua entre usuários. Esse compartilhamento de informações facilita a alocação pactuada da água.  Dessa forma, são relevantes, além dos dados e das informações técnicas para a tomada de decisão, o compartilhamento dos conhecimentos sobre a cultura e a história do uso da água. O papel da consciência, da cultura e da educação é estratégico para reduzir os riscos de conflitos violentos. A cultura é a base para a comunicação, para o diálogo e a cooperação. A promoção da hidroconsciência é fundamental para criar uma base cultural, ética e espiritual que cuide bem da água e previna a eclosão de conflitos sociohídricos. Para reduzir os riscos de que as disputas sejam resolvidas por meio da violência, é vital desenvolver modos de cooperação.  É relevante construir uma cultura de paz em torno da água.


Há métodos cooperativos para o compartilhamento das águas, pelos quais a sua alocação é realizada com a colaboração de todos os usuários e interessados. Há métodos participativos, que envolvem todas as partes, devidamente informadas, em colegiados. Entre os métodos participativos estão as Audiências e consultas públicas, as Salas de Crise ;  a Reunião Pública de Alocação de Água; Grupos Técnicos de Acompanhamento. 


Existem várias experiências bem-sucedidas de gestão de usos múltiplos, com a prevenção ou a solução de conflitos por meio do uso correto do conhecimento técnico e científico. Tais experiências mostram como os conhecimentos da engenharia são fundamentais para equacionar problemas de repartição e alocação negociada.

 Encontrar denominadores comuns entre os vários interessados e promover pactuações negociadas é um modo de reduzir os sofrimentos e danos causados por tais conflitos. Essa construção coletiva de pactos já existe no Brasil com bons resultados. Procedimentos coletivos, tais como audiências públicas para promover o planejamento do uso em bacias hidrográficas críticas, também ajudam a resolver uma distribuição justa para os diversos desejos e fins.

Exercícios de simulação de conflitos podem capacitar as pessoas a atuarem na mediação de conflitos sociohídricos. A produção, organização e disseminação de informações confiáveis sobre sua disponibilidade podem criar uma consciência coletiva sobre o tema. A partir do nivelamento de informações com linguagem comunicativa, pode-se promover o diálogo e o entendimento e desenvolver dinâmicas para planejar e distribuir de modo justo a água disponível.


COMPARTILHANDO ÁGUAS DE MODO PACÍFICO





Compartilhar águas de modo harmonioso e pacífico é uma arte e uma ciência.

No Brasil há experiências exitosas de compartilhar águas que possuem essas características e que merecem ser mais conhecidas e divulgadas. São boas práticas baseadas em informação de qualidade compartilhada entre os vários usuários de um rio ou reservatório.

No semiárido brasileiro vêm funcionando as comissões locais de águas, focadas num sistema hídrico que pode ser uma bacia hidrográfica, uma microbacia, uma sub-bacia ou, ainda, um trecho de rio. Em Pernambuco, por exemplo, há uma variante delas que funciona como conselhos de usuários (CONSUS) nos quais participam usuários, governos e representantes da sociedade civil. Esses conselhos tomam consciência da realidade da bacia, pactuam entre si a alocação de água e se auto fiscalizam mutuamente, administrando a escassez e resolvendo conflitos e disputas de forma não violenta. Eles constituem uma evolução em relação a métodos que se utilizam da imposição externa ou uso da força para resolver disputas.

Quando não existe conselho local estabelecido pelo estado, elege-se um grupo de pessoas que representam todos os setores e acompanham o assunto. Essas comissões compartilham informações sobre chuva e vazão dos rios naquela área; a partir desse conhecimento decidem como alocar de forma negociada a água disponível, de modo a atender a cada usuário e de modo a não faltar nos períodos seguintes.

Aplica-se a ciência e o conhecimento para resolver problemas práticos. O instrumento de ação é um termo de alocação de água. Instala-se uma comissão de acompanhamento para monitorar a quantidade da água disponível e para fazer a autofiscalização e evitar que um usuário retire maior quantidade do que a que lhe cabe na negociação ou no acordo com os demais.

No Brasil há mais de 100 comissões gestoras em funcionamento, formalizadas de modo flexível, com efetiva participação social. Elas constituem um modo de atuar funcional, prático, econômico e eficaz. Além da alocação de água elas definem as regras para a regulação do uso, ajudam na fiscalização, no monitoramento, e até mesmo indicam ações como a reforma de válvulas que a liberam em reservatórios.

Para quem se interessar por mais informações sobre esse método eficaz de prevenir disputas,  no site da ANA no link sobre alocação de água, há termos de alocação e boletins de acompanhamento, além  de orientações sobre o método e como aplicá-lo. No YouTube um vídeo de 3 minutos informa em linguagem comunicativa sobre a alocação negociada da água.  E um outro mais recente dá o testemunho sobre os resultados da alocação de água.

Num contexto em que tendem a se multiplicar conflitos pelo uso, são valiosas as experiências de compartilhamento harmonioso. 

Mapa

Descrição gerada automaticamente


Fonte: Relatório de conjuntura 2020. ANA.




Há iniciativas positivas de cooperação no monitoramento e compartilhamento de dados. Para superar ou evitar conflitos, prevenir a ocorrência de eventos violentos, é relevante a cooperação em rios transfronteiriços.

O papel da consciência, da cultura e da educação é estratégico para reduzir os riscos de conflitos violentos. A cultura é a base para a comunicação, para o diálogo e para a cooperação. Isso se aplica tanto na escala internacional, como também na escala regional de uma bacia hidrográfica na qual os municípios vizinhos cooperam e constroem pactos de uso compartilhado.

Encontrar modos de prevenir e mediar conflitos é melhor do que remediar depois que um conflito ocorreu.  O compartilhamento de informações e o monitoramento das águas em rios transfronteiriços e entre países vizinhos, a cooperação técnica e científica entre as nações oferecem uma base sobre a qual se construir relações pacíficas e de cooperação.


CONFLITOS PELA ÁGUA NO BRASIL

 


O mito da abundância das águas no Brasil dá lugar a situações em que milhares de quilômetros de rios federais apresentam conflitos. 16,4 mil km dos cerca de 105 mil km de rios federais no Brasil são considerados de especial interesse para gestão, seja do ponto de vista quantitativo ou qualitativo, o que equivale a 16%. . 



Há as relações conflituosas nas quais os movimentos sociais e comunidades protestam contra práticas consideradas exploratórias ou poluentes por parte de empresas ou governos. Exemplo: manifestações contra a construção de barragens que deslocam populações ou afetam ecossistemas.

Há litígios legais, com disputas judiciais sobre direitos de uso ou preservação da água entre atores como governos, empresas e ONGs. Exemplo: Processos contra mineradoras. 

No Brasil, entre as principais regiões com conflitos estão o semiárido do Nordeste nos estados de Bahia, Sergipe e Minas Gerais. Em função do desmatamento e da ocupação temerária do território, a crise hídrica muda de região: em alguns anos afeta o sudeste, em outras a região de Brasília, em outros anos o semiárido nordestino, a Amazônia ou o sul do país. 

 A frequência dos conflitos tem aumentado, como mostram os gráficos abaixo.

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

 Fonte: Comissão Pastoral da Terra. Publicado no Relatório Conjuntura 2020, da ANA.

Há no Brasil vários tipos de disputas. Na bacia hidrográfica do Paraguai, a pesca, a geração de energia, o turismo e o lazer a disputam; na bacia do rio São Marcos há disputas para irrigação e geração de energia. O setor hidroviário necessita de uma profundidade mínima nos rios para os barcos não encalharem, o que demanda que o setor hidrelétrico libere água dos reservatórios, reduzindo o potencial de produção de energia. Quando isso não acontece, paralisam-se hidrovias. Procissões religiosas tradicionais com barcos no rio São Francisco, em certos momentos foram prejudicadas devido à retenção de água nos reservatórios para geração de energia elétrica.

No Brasil, além dos problemas de escassez na região semi árida, devido a problemas de oferta, existem conflitos de quantidade e de qualidade nas regiões metropolitanas e nas regiões mais populosas do país devido à poluição. 

No norte de Minas, no rio Verde Grande, já na década de 90 a população ameaçou destruir todas as bombas de sucção para irrigação quando ela passou a faltar para o abastecimento humano. A polícia é chamada a intervir Medidas de gerenciamento paliativo evitaram então a eclosão da violência.

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“Em virtude do expressivo desenvolvimento regional concomitante à baixa disponibilidade hídrica, característica da região de clima semiárido, são registrados conflitos pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio Verde Grande desde a década de 80.” 



Conflitos Procissão fluvial religiosa x geração de energia no rio São Francisco 

Em janeiro de 2016, a Chesf realizou operações especiais, com aumento de defluência a partir da Usina de Xingó, de forma a atender às solicitações das Prefeituras de Penedo, Propriá e Piaçabuçu para viabilizar a realização das Procissões Fluviais do Bom Jesus dos Navegantes de Penedo, de Propriá e de Piaçabuçu.  

https://www.chesf.com.br/SistemaChesf/Documents/RT-DORH%20006%20-%202016-IBAMA.pdf  


No Rio Madeira as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau retém troncos de árvores e os liberam sem aviso e com isso provocam acidentes, barcos vão a pique, com   mortes e reclamação dos navegadores contra hidrelétricas e exigências para avisar antes da liberação dos troncos, para evitar acidentes e afundamentos de barcos.

No entorno de açudes no semiárido nordestino, as atividades agrícolas dependem de uma distribuição previsível de água, e isso tem levado à multiplicação de conflitos.

A expansão do agronegócio ( chamado também de hidronegócio pelo volume de águas que consome) demanda grande quantidade de água e o bombeamento para irrigação por vezes desfalca aquela necessária para o abastecimento humano. Do mesmo modo, a perfuração de poços para extraí-la do subsolo rebaixa os lençóis freáticos e subtrai a que estaria disponível para outros usos ou para recarregar os rios. ver https://cptnacional.org.br/publicacoes-2/noticias-2/7002-a-morte-das-aguas-no-oeste-da-bahia 

Na região oeste da Bahia, a captação intensiva de água nos últimos anos, voltada para abastecer as empresas do agronegócio, atinge diversas populações, especialmente ribeirinhos e comunidades de Fundo e Fecho de Pasto do município de Correntina.... A partir da década de 1970, empresas da agroindústria se instalam na região, incentivadas pelo Estado a modernizar o campo e produzir para exportação. Contudo, também desencadearam diversos conflitos ao tentar expulsar comunidades que viviam e produziam ali há séculos.”  

http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/ba-comunidades-tradicionais-de-correntina-lutam-por-direito-a-agua-e-sobrevivencia/

“No Brasil, grandes projetos de irrigação do campo que beneficiam a expansão do agronegócio têm levado à expropriação das terras indígenas, quilombolas, ribeirinhas e camponesas”

.http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/ba-comunidades-tradicionais-de-correntina-lutam-por-direito-a-agua-e-sobrevivencia/ 


No Brasil, os conflitos pela água refletem tensões em torno de seu uso, acesso e gestão, envolvendo diferentes setores, interesses e atores. Há conflitos por escassez e competição de uso: áreas com baixa disponibilidade hídrica enfrentam disputas pelo uso da água entre diferentes setores. Isso acontece na região do Semiárido: o acesso limitado à água gera competição entre uso doméstico, irrigação agrícola e consumo industrial. E aconteceu na crise hídrica no Sudeste (2014-2015): em São Paulo, a baixa nos reservatórios como o Sistema Cantareira causou tensões entre abastecimento urbano e agrícola.

Há conflitos econômicos em que empresas competem para explorar ou vender água como recurso econômico, causando tensões com comunidades locais. Exemplo: Conflitos entre indústrias de engarrafamento de água e populações que enfrentam escassez. ( ver exemplo da Coca Cola na Serra da Moeda em Minas Gerais)

Há conflitos relacionados à contaminação, quando a  poluição de rios e aquíferos causa tensões entre populações afetadas e empresas ou atividades responsáveis. No caso do Rio Doce, o desastre de Mariana (2015) comprometeu a qualidade da água, afetando populações ribeirinhas e ecossistemas. Há conflitos por infraestrutura hídrica: a construção de barragens e sistemas de transposição gera impactos sociais e ambientais significativos. A Transposição do Rio São Francisco: apesar de beneficiar regiões do semiárido, a obra gerou críticas de comunidades locais desalojadas e de ambientalistas preocupados com os impactos ecológicos. A Barragem de Belo Monte (Rio Xingu): Populações indígenas e ribeirinhas foram afetadas pelo alagamento de terras e pela alteração dos fluxos naturais do rio.

Há conflitos de território e direito ao uso da água, com disputas entre comunidades tradicionais e setores econômicos que exploram intensivamente os recursos hídricos. Exemplos são o agronegócio no cerrado: grandes plantações de soja e algodão consomem grandes volumes de água, muitas vezes impactando comunidades quilombolas e indígenas;  o desmatamento na Amazônia em que a redução das chuvas devido ao desmatamento interfere nos ciclos hídricos, afetando populações dependentes dos rios.

Há conflitos por privatização. Em algumas cidades, a concessão dos serviços de água para empresas privadas gerou reclamações sobre aumento de tarifas e redução na qualidade do serviço. Exemplo no Rio de Janeiro (CEDAE): a privatização parcial da companhia enfrentou resistência de movimentos sociais e sindicatos.


As regiões mais afetadas são a Amazônia: conflitos envolvendo desmatamento, mineração ilegal e populações indígenas;  o Nordeste: escassez hídrica e disputas pelo uso do Rio São Francisco; o Centro-Oeste: disputas relacionadas ao agronegócio intensivo e à preservação de nascentes no Cerrado; o Sudeste: tensões urbanas e industriais em áreas de alta densidade populacional e eventos de crise hídrica.

Esses conflitos evidenciam a importância de uma abordagem integral para a gestão do ciclo das águas no Brasil, em sintonia com as necessidades sociais, econômicas e ambientais.


CONFLITOS SÓCIO HÍDRICOS NO MUNDO




No mundo em transformação acelerada, as crises da água tendem a se tornar mais frequentes e intensas. Disputas e conflitos econômicos, sociais e políticos tendem a aumentar. A gestão hídrica trata de temas controversos que exigem a construção de convergências. Atualmente a água é crescentemente disputada, o que aumenta a possibilidade de ocorrerem conflitos pelo seu uso. Quando a solicitação é maior do que a capacidade de provê-la, ocorre uma situação de estresse hídrico. Num contexto de crescimento demográfico e de expansão das demandas por recursos naturais, cuidar delas constitui, crescentemente, um processo de gestão de conflitos. Quando escasseiam, elas tornam-se motivos de rivalidades. A frequência e intensidade de   secas, enchentes, ciclones, furacões e outros eventos críticos poderão agravar conflitos e demandarão mais conhecimento e ações no sentido da construção de uma cultura de paz. 

Surgem conflitos sociohídricos quando indivíduos, empresas ou grupos disputam as águas existentes e se apropriam delas para seu uso em prejuízo dos demais usuários. 

Quando tais disputas envolvem usuários fortes política e economicamente, elas atraem atenção e são visíveis. Quando envolvem usuários com pouca força política, tendem a permanecer invisíveis, resolvidos localmente pela força ou por arranjos locais.

Multiplicam-se situações de estresse hídrico no planeta. Em muitos lugares já não há água suficiente para todos os usos agrícolas, industriais ou domésticos e há a extração excessiva na  superfície e nos aquíferos subterrâneos, com poluição e uso ineficiente dos recursos de água doce. Rivalidades acontecem entre países  vizinhos que disputam a mesma água. Diferenças de normas e legislações entre países vizinhos podem  perturbar a paz. Um país pode ter normas que limitam a pesca em determinadas épocas do ano, outro país pode ter outras regras e os pescadores atravessam para a outra metade do rio para pescar.

Existem conflitos transfronteiriços que opõem países que disputam o controle de rios e aquíferos que atravessam fronteiras. Exemplo: tensões entre Egito, Etiópia e Sudão sobre a Barragem do Renascimento, que afeta o fluxo do Rio Nilo.

Há relações extremamente conflituosas, quando acontecem crises humanitárias em que a escassez hídrica leva ao deslocamento de populações, gerando tensões sociais e políticas. Exemplo: migração de comunidades rurais para áreas urbanas devido à desertificação. Há conflitos armados pela água (guerras da água), com disputas violentas por controle de fontes de água estratégicas. Exemplo: aumento de tensões entre grupos no Oriente Médio, onde o acesso à água é um recurso crítico.

No mundo, conflitos entre países eclodem entre Israel x Iraque x Síria e Egito x Etiópia x Sudão e Sudão do Sul; Tadjiquistão x Turcomenistão em torno de eventual construção de uma barragem; Índia x Paquistão; Ruanda x Burundi e Zaire, na África. Reportagens na mídia mostram onde a escassez já provoca guerras no mundo e quais as áreas sob risco iminente. Na origem da guerra na Síria está uma seca severa de vários anos que sobrecarregou o ambiente, provocou o esgotamento de recursos e da capacidade de suporte, o colapso da agricultura, a migração para as cidades, a pressão urbana e as tensões sociais, o empobrecimento econômico, o estresse político e finalmente a guerra. 

Um conflito sobre indústrias papeleiras no rio Uruguai, entre o Uruguai e a Argentina abalou a confiança recíproca. Dados de monitoramento da qualidade da água coletados por um país são questionados pelo outro, o que dificulta o diálogo. 

Em alguns casos, a própria água torna-se arma de guerra, como por exemplo na Síria, com ameaças terroristas de poluir mananciais que abastecem cidades. No passado, Aurangzeb derrotou seu pai Shah Jahan, o construtor do Taj Mahal, na Índia, cortando o suprimento que abastecia o forte de Agra, onde ele se entrincheirara. Países que constroem reservatórios e usinas rio acima podem usá-los como arma para prejudicar os vizinhos rio abaixo e perturbar a paz. 

A cooperação internacional se faz por meio de tratados e acordos entre países que compartilham bacias hidrográficas transfronteiriças. Exemplo: o Tratado do Rio Danúbio, que une países europeus em uma gestão integrada da água. Um dos modos eficazes de prevenção de conflitos é a comunicação e a construção de confiança mútua. O compartilhamento de informações facilita a alocação pactuada da água, construindo consensos sobre como compartilhá-la entre as partes interessadas. As trocas de informações técnicas e de dados hidrometeorológicos entre paises vizinhos, bem como programas de capacitaçao profissional, ( como por exemplo programas de cooperação entre o  Brasil, a Bolivia, o Peru) contribuem para pavimentar relações de confiança e reduzir os riscos de desavenças em torno das águas.

 A União Europeia tem diretivas legais para as águas que, entre outros resultados, reduz ou previne a ocorrência de conflitos entre paises vizinhos.