Cada um dos mais de 8 bilhões de seres humanos pode ser considerado um ator na gestão integral do ciclo da água, com seu papel, direitos e responsabilidades. A Conferência da ONU sobre água, realizada em 2023, reconheceu a importância de cada cidadão nessa relação com a água ao ressaltar, com a figura de um beija-flor e uma gota d'água no seu bico, que cada um pode ser a mudança que quer ver no mundo.
Os cidadãos, individualmente ou por meio das organizações da sociedade civil - ONGs, e organismos comunitários participam de movimentos para pressionar governos e empresas a adotarem práticas responsáveis na gestão das águas. Eles se organizam para proteger nascentes e ter acesso à água, para defender os lugares contra empreendimentos que podem poluí-las, e para outras finalidades. Entre os atores sociais na gestão integral do ciclo da água destacam-se as comunidades locais e indígenas, os movimentos sociais e ONGs ambientais, os consumidores, os acadêmicos e pesquisadores, os educadores e líderes religiosos; os especialistas e técnicos; a imprensa e as redes sociais, que divulgam informações. Quando agem unidos, podem ter uma força considerável.
Entre os atores políticos há os governos locais e regionais, os órgãos reguladores, os legisladores e formuladores de políticas públicas, organismos internacionais e os responsáveis por colocar em prática os acordos multilaterais. A gestão integral do ciclo da água envolve múltiplas instituições e organizações, entre as quais se destacam os integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; o poder Legislativo – Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores; o poder Executivo – federal, dos estados e municípios; o poder Judiciário, para onde se canalizam os contenciosos; o Ministério Público. Em assuntos de interesse local que envolvem o uso e ocupação do solo, a câmara de vereadores tem grande poder. Os vereadores podem ser sensibilizados para causas ecológicas e culturais, ou podem ser seduzidos pelos atores com maior poder econômico que sobre eles exercem lobbies e pressões. Os promotores de justiça tem poder para abrir inquéritos civis quando recebem representações e consideram os riscos ambientais trazidos pelos empreendimentos. O Ministério Público pode ser um aliado dos interesses da sociedade. Dispõe de recursos, de técnicos, de meios para dar respostas a denúncias, tais como abrir inquéritos.
Entre os atores econômicos, destacam-se as empresas privadas e indústrias, as empresas do setor agrícola, instituições financeiras e investidores, cooperativas e associações de usuários de água, as empresas do setor de energia, entre outros usuários – indústrias, irrigantes etc. O poder do capital é forte e invasivo. As empresas, tradicionalmente, na economia de mercado, procuram gerar lucros para seus acionistas (shareholders) e muitas delas não se preocupam com as demais partes interessadas (stakeholders): a população onde se instala, o meio ambiente etc. Algumas empresas procuram adotar postura mais consciente social e ambiental por meio da agenda ESG (ambiental, social e de governança). Há aquelas que praticam o greenwashing (a maquiagem verde) tentando dar um verniz ecológico e de sustentabilidade a suas práticas.
Tais atores têm diferentes visões de mundo.
Quadro - Atores com diversidade de...
• Acesso ao poder político e econômico
• Consciência
• Visão política e ideologia
Interesses, necessidades e demandas
• Nível de conhecimento e de informação
• Percepção
• Valores, mentalidades, atitudes e comportamentos
Cada um desses atores tem seus papéis. Alguns podem aplicar penalidades e licenciar ou conceder alvarás; outros têm o poder de gerar e disseminar conhecimentos; outros podem informar, denunciar e alertar; podem oferecer estímulos ou incentivos econômicos, como isenção ou redução de impostos para boas práticas. Eles precisam ter perícia para aplicar os instrumentos, estar motivados e comprometidos em atuar de forma responsável e honesta.
Há um jogo de forças e pressões envolvidas em cada situação. É desigual o poder político, econômico e de conhecimento de cada um desses segmentos e atores sociais. Alguns contam com recursos abundantes para comprar apoios, seduzir aliados e fazer prevalecer os seus interesses particularistas. Outros são frágeis, precisam unir forças e produzir consensos e convergências, bem como cooperar para fazer frente aos grupos mais poderosos econômica e politicamente. As alianças e oposições entre esses atores também variam ao longo do tempo e em cada situação. Uma avaliação de conjuntura e um diagnóstico bem-feito dos comportamentos e atitudes dos vários atores pode determinar o resultado de um conflito ou de uma disputa. Em emergências e crises induz-se a união, que pode se desfazer em situações de maior tranquilidade.
Quando métodos compartilhados de gestão das águas não estão implantados e funcionando regularmente, é frequente que o agente com mais poder e influência imponha sua vontade aos demais, prejudicando-os em seus interesses econômicos ou políticos, ao deteriorar o meio ambiente e apropriar-se de seus recursos naturais – hídricos, florísticos, minerais etc. – sem considerar as necessidades dos demais agentes.
Os instrumentos de ação para o uso e proteção das águas foram desenhados nas leis com uma finalidade, mas ao longo do tempo eles podem ser manipulados para atenderem aos grupos e interesses com maior poder de pressão. Frequentemente o poder público, sequioso de aumentar imediatamente receitas de tributos e proporcionar a geração de emprego e renda, facilita as autorizações para instalação de empreendimentos, sem pesar cuidadosamente os prós e contras e minimizando seus impactos socioambientais negativos. Nesses casos, torna-se aliado aos interesses econômicos e surdo para as demandas da população.
Quando o poder político e os governos se aliam ao poder econômico, instrumentos como o licenciamento ambiental, por exemplo, podem ser usados para legitimar decisões em favor de interesses econômicos e contra os interesses dos cidadãos. Os documentos necessários para se obter licenças ambientais são elaborados de modo a minimizar certos impactos negativos e a enfatizar impactos positivos do empreendimento. Diretrizes políticas mais altas influenciam os órgãos licenciadores. Nessas situações, aqueles servidores que contrariam essas diretrizes mais altas são marginalizados e desempoderados, sendo substituídos por outros mais afinados com as orientações políticas do momento. Além disso, certo poder político é cooptável pela força do dinheiro. Atenção, vigilância e persistência permanentes, são necessárias para enfrentar essas situações.
A água é um bem precioso demais para ser deixado a cargo somente de especialistas em recursos hídricos, hidrólogos e outros profissionais que dominam seus aspectos técnicos. Eles são necessários e desempenham um trabalho relevante, mas sua ação é insuficiente para lidar com a multiplicidade e complexidade envolvida no tema.
Todos os atores precisam trabalhar de forma colaborativa, visando a garantir que o acesso à água seja um direito humano básico. Devem priorizar a regeneração e o equilíbrio dos sistemas hídricos naturais; valorizar a água sem mercantilizá-la, promovendo seu uso responsável e justo; reconhecer a água como elemento essencial à vida, interligando-a aos valores culturais e espirituais das comunidades.
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