quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

ÁGUA E USO DO SOLO


Na legislação brasileira o município não tem responsabilidades na gestão das águas, que cabem aos estados e ao governo federal. Isso, entretanto, não significa que o município esteja marginalizado de importantes decisões que interferem diretamente com o ciclo das águas.

Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro. 

São múltiplas as responsabilidades municipais na produção e na demanda de água: proteger mananciais de superfície e subterrâneos e áreas de preservação permanente, criar e manter parques urbanos, cuidar das lagoas urbanas, proteger áreas de recarga de  aquíferos, lidar com as inundações ribeirinhas, agravadas pelas ilhas de calor sobre as cidades, gerenciar o uso do solo de modo hidricamente responsável, evitar  os deslizamentos de encostas, prover o saneamento - o abastecimento, o esgotamento sanitário a gestão das águas usadas e seu tratamento, os resíduos sólidos, e drenagem e escoamento que evitem inundações; legislar para que as  edificações  e o paisagismo sejam hidroeficientes.

 


 

Figura: Fonte: (Tucci, 2003) in Avaliação Ambiental integrada de bacia Hidrográfica, de Carlos E.M. Tucci e Carlos André Mendes, 2006.


Em todas as bacias as águas dependem do que ocorre com o uso e a ocupação do solo. O que acontece no território da bacia hidrográfica tem repercussões diretas sobre o escoamento superficial e a drenagem, a percolação nos solos e a qualidade das águas superficiais e subterrâneas.  Em muitas cidades brasileiras, encostas íngremes e fundos de vales sujeitos a riscos foram ocupados, o que aumentou a vulnerabilidade das populações que aí vivem.

A Constituição Federal de 1988 dispõe que cuidar do uso e da ocupação do solo é  competência dos municípios, que atuam por meio de planos diretores, leis orgânicas municipais, leis de uso e ocupação do solo, leis de loteamento ou parcelamento, Estatuto da Cidade e normas urbanísticas. Também podem fazê-lo por meio da criação e implantação de parques e unidades de conservação. Devido a essas responsabilidades legais, as ações municipais incidem direta ou indiretamente na gestão das águas. A produção de água envolve o uso do solo rural, onde ela é produzida e o uso do solo urbano, onde é distribuída, flui, é usada e devolvida ao ambiente natural. 

No município se localiza uma multiplicidade de usuários, desde o consumidor doméstico até os usos industriais, minerários e a irrigação. Conflitos entre usuários podem ser evitados por meio da aplicação dos instrumentos de ordenamento territorial.

Por meio de autorizações e alvarás, os municípios aprovam os usos do solo em seu território. Com vontade política e competência técnica e jurídica, podem negar alvarás ou licenças para usos, parcelamentos ou loteamentos do solo que se encontrem desconformes com sua legislação. Autorizações ou licenças ambientais estaduais ou federais dependem da anuência municipal, por meio de declaração de que o empreendimento a ser licenciado não se localiza em desacordo com o uso e ocupação do solo municipal. 

A água é um elemento de convergência, catalisador, que pode orientar o ordenamento territorial.  São vários os casos de municípios que, por meio de seu planejamento de uso e ocupação do solo, construíram relações amigáveis com ela. Curitiba foi um exemplo pioneiro quando, ainda na década de 70, criou parques lineares nos fundos de vales, aproveitando de modo ecologicamente adequado essas partes de seu território.

Nos planos diretores, leis de uso e ocupação do solo e programas de expansão urbana é relevante prever áreas de recarga de aquíferos e de proteção de mananciais, além de estocar água no subsolo. Isso depende de um processo de ocupação do solo hidroconsciente. 

Produtores rurais resistem e se opõem a medidas de ordenamento territorial e de controle do uso e ocupação do solo que limitem a liberdade de usarem como lhes aprouver as suas propriedades. As leis de uso e ocupação do solo, os planos diretores municipais, os zoneamentos e macrozoneamentos, os ordenamentos territoriais são recebidos com frieza e até mesmo com hostilidade, pois significam uma perda de liberdade, ao introduzirem critérios de responsabilidade social e ecológica e limitações ao uso e ocupação do solo.  Caso essas limitações sejam neutralizadas ou compensadas com incentivos e estímulos econômicos, as resistências a elas são arrefecidas.

Não se pode obrigar o município a cumprir determinações de outras escalas de governo e de planos de recursos hídricos, mas é possível induzir comportamentos hidroconscientes. Incentivos econômicos, como os oferecidos pelo ICMS ecológico, (com a reforma tributária, substituido pelo IBS ecológico) induzem os municípios a serem ambientalmente responsáveis. Leis estaduais de ICMS ecológico estimularam municípios a introduzirem em suas prioridades a criação e a manutenção de unidades de conservação (Agenda Verde), bem como o licenciamento de aterros sanitários e usinas de lixo (Agenda Marrom). Incentivos similares podem ser oferecidos a municípios que disponham de plano de ordenamento territorial hidricamente conscientes, que considerem a gestão das águas superficiais e subterrâneas, a drenagem e a recarga de aquíferos (Agenda Azul).

A disposição para renunciar a liberdades a favor do bem comum é maior quando a noção de  auto interesse estreito  evolui para a noção de auto interesse ampliado. Aquilo que é de interesse comum pode aliar-se ao interesse particularista privado. Na medida em que uma população urbana toma consciência de que um manancial é relevante para sua segurança hídrica, ela passa a defender a proteção daquela bacia hidrográfica contra empreendimentos que beneficiam apenas os interesses particularistas mais imediatos.

Os macrozoneamentos de uso e ocupação do solo são instrumentos valiosos para proteger áreas de mananciais. O município, em seus planos diretores, tem responsabilidade nisso, pois ele é o gestor do uso e ocupação do solo. Um macrozoneamento e um plano diretor hidroconscientes são instrumentos valiosos para reduzir os riscos de desabastecimento no município e em cada um de seus distritos.


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