As águas podem ser guardadas em reservatórios superficiais ou subterrâneos.
O solo é um reservatório natural de água. Quando impermeável, funciona como uma esponja que retém a água de chuva subterraneamente e a libera lentamente para voltar à superfície em nascentes e olhos d'água. Quando o solo é impermeabilizado, essa caixa d 'água subterrânea deixa de existir, a água escorre em enxurradas e não é guardada devidamente.
Guardar água em reservatórios superficiais e subterrâneos é uma prática essencial para a gestão hídrica e pode ser feita de diferentes maneiras, dependendo das condições locais e dos objetivos do armazenamento. Abaixo estão os métodos mais comuns para cada caso:
Os reservatórios em águas subterrâneas se fazem por meio da recarga artificial de aquíferos, de poços para acessar aquíferos e armazenar a água no subsolo, podendo ser bombeada quando necessário; barragens subterrâneas, captação de águas pluviais para infiltração, gestão de áreas de recarga natural.
Os reservatórios nas águas de superfície se fazem por meio de represas e barragens, lagos e lagoas artificiais, cisternas, tanques de armazenamento, sistemas de captação de água de chuva, soluções baseadas na natureza, com a recuperação de áreas úmidas e criação de zonas de retenção para armazenar água temporariamente.
A gestão dos reservatórios superficiais tem sido aprimorada nos últimos anos, no Brasil, por meio de resoluções que definem condições e regras de operação desses reservatórios. A condição dos sistemas hídricos é avaliada. Por meio de outorgas, fiscalização e monitoramento, definem-se regras de operação e é feito o acompanhamento de informações sobre os principais reservatórios. Os vários atores são engajados a partir das regras de operação definidas. Foram definidas três faixas de operação: normal, de atenção e de restrição, o que aumenta a confiabilidade e a segurança. As regras operativas são definidas em resoluções da ANA, elaboradas de modo técnico e participativo. Até 2024, sete sistemas hídricos no Brasil já dispunham de tais regras: Paranaíba, Grande, Paranapanema, Tocantins, São Francisco, Paraíba do Sul e Cantareira. As regras podem ser aplicadas de modo distinto no período seco, de maio até setembro e no período úmido do ano, de dezembro a maio. Há anos chuvosos e anos mais secos e as regras claras são atualizadas mensalmente. Elas ajudam a pacificar os conflitos entre unidades da federação, entre regiões metropolitanas e entre usuários da água. Diminuem os conflitos pelo uso da água, por meio de tais regramentos construídos de modo transparente.
No Brasil há milhares de reservatórios de água construídos para a geração de energia elétrica, o abastecimento humano, a agricultura, a regularização de níveis dos rios, o despejo de resíduos da mineração.
Os entornos de reservatórios, por sua beleza cênica, tornam-se atrativos para o turismo, o esporte e o lazer. Em alguns reservatórios artificiais que geram energia hidroelétrica ou para abastecimento, prefeituras e empreendedores privados investiram em portos, cais, embarcadouros e infraestrutura de hospedagem. Entretanto, a operação de usinas hidrelétricas por vezes exige rebaixamentos do nível da água, ocasiões em que as águas retrocedem, inviabilizando o lazer e a recreação. As atividades turísticas e de lazer que usam os lagos como balneários se ressentem quando o nível é rebaixado, prejudicando a paisagem e a infraestrutura turística. Multiplicam-se, então, conflitos entre os usos da água para o tempo livre e os demais usos.
O maior conflito de usos no Brasil ocorreu no lago de Furnas. O reservatório foi construído para a geração de energia elétrica e, ao longo das décadas, as belezas cênicas no entorno do lago atraíram investimentos em pousadas, hotéis, resorts e todo tipo de infraestrutura de turismo e lazer. Tais atividades dependem da manutenção de uma cota adequada e há prejuízos vultosos quando o nível da água decresce, para atender a geração de energia elétrica nos anos de crise hídrica. Mais de um milhão de pessoas no entorno do lago e muitos empreendimentos econômicos, situados em 50 municípios, sofrem quando o reservatório se esvazia. Isso gerou um forte movimento a favor da manutenção de uma cota e nível de água mínimos, que envolveu usuários, empreendedores, prefeitos, políticos e o Ministério Público. Minas Gerais tombou o lago de Furnas em sua constituição estadual, com a previsão da cota mínima de 762 acima do nível do mar, para possibilitar o uso múltiplo das águas para geração de energia, turismo, abastecimento humano e outros usos. O setor de energia elétrica resistiu a essa determinação. Houve forte pressão política para manter essa cota 762.
Um plano de contingência foi elaborado para regular a operação do reservatório, de modo a evitar o descumprimento da legislação estadual. A agência reguladora propôs mecanismos de liberação controlada de água, que permitem maior armazenamento no período chuvoso, de modo que no período seco a cota mínima não seja atingida. Por meio de restrições na operação e de planos de recuperação de reservatórios, pode-se compatibilizar a geração de energia elétrica com os usos de turismo, lazer e recreação no lago.
Na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina está a maior queda d’água longitudinal do mundo, o Salto Yucumã. Nos anos 1970 houve a tentativa de construir ali reservatórios para hidroeletricidade, mas esses projetos foram abandonados diante das leis que previam a proteção desse patrimônio. A regra de operação da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó prevê um limite de até 1 mil m3 por segundo de vazão entre o meio-dia de sexta-feira e o meio-dia de domingo. Isso permite que o salto se torne visível nos finais de semana.
As praias no rio Tocantins, muito frequentadas, sofriam os efeitos da operação de reservatórios que baixavam e subiam os níveis do rio. Pactuou-se, para preservar o turismo e o lazer, que os reservatórios do sistema hídrico do rio Tocantins, entre eles o de Serra da Mesa, seriam operados de modo a não causar grandes variações de nível do rio, especialmente nos meses de alta temporada de praias, de junho a agosto. Desse modo se conciliou a existência do turismo e lazer com a geração de energia elétrica.
Nas cataratas do Iguaçu, o reservatório da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu é operado de modo a regular a vazão especialmente nos períodos de estiagem e nos finais de semana, para não prejudicar a atratividade turística daquele local. Há alguns anos as cataratas volumosas se transformaram em filetes, no período de seca.
O uso da água para fins de culto religioso pode implicar em mudar a operação de reservatórios para liberar água que permita a navegação. Assim se evita o risco de encalhe das embarcações de procissões religiosas, como no caso da procissão do Bom Jesus de Piaçabuçu, em Sergipe, no Rio São Francisco.
Atualmente, cresce a demanda social por áreas de beleza natural para serem usufruídas durante as atividades no tempo livre, como o turismo, o lazer, a recreação e os cultos religiosos. Isso tem levado à maior proteção desses locais e a um esforço de compatibilização e convivência entre essas atividades e outras ditas mais produtivas.
A operação dos reservatórios é um instrumento que pode evitar ou prevenir os riscos de conflitos quando acontece um período de seca mais rigorosa. A depender dos critérios usados para operar os reservatórios, podem acontecer conflitos entre os vários usuários. A retenção pode baixar o nível do rio e inviabilizar a navegação; a liberação para gerar energia elétrica pode prejudicar os usos de lazer e turismo.
Ela precisa ser regulada, liberando ou retendo água, abrindo ou fechando as comportas por questões de segurança, considerando os múltiplos usos. Deve levar em conta, ainda, as perspectivas futuras, para que o reservatório não seque quando acontece um período de seca ou de baixa pluviosidade, hipótese em que a crise hídrica deixa de ser apenas uma crise energética para transformar-se numa crise de abastecimento mais ampla.
Várias instituições precisam atuar de forma articulada nesse campo: a ANA, o ONS- Operador Nacional do Sistema Elétrico, o Ministério de Minas e Energia, os comitês de bacia, entre outros, cada qual com sua função. As crises hídricas que ocorreram nos anos 2000 induziram a uma atuação coordenada e articulada que permite dar respostas aos desafios e prevenir conflitos. Isso aconteceu na bacia do Paraíba do Sul, onde se desenhava um conflito entre os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo (2014) que disputavam a água para o abastecimento das regiões metropolitana do Rio de Janeiro e de São Paulo; na bacia do sistema Cantareira (2015) quando se chegou ao volume morto do reservatório numa situação de risco de desabastecimento para a região metropolitana de São Paulo. Resoluções da ANA considerando os múltiplos usos da água, editadas a partir de formulação técnica submetida a processo de participação social - consultas e audiências públicas - contribuíram para prevenir os conflitos, com regras de operação claras, bem definidas e aceitas consensualmente pelos vários atores.
Com o agravamento dos eventos críticos de cheias e secas, cada vez se torna mais complexo o processo de gestão e de compatibilização dos interesses dos diversos usuários da água. No caso do sistema elétrico brasileiro interligado, não basta ter a visão de cada bacia hidrográfica, pois muitas vezes é preciso liberar água no reservatório de uma região hidrográfica para gerar energia que vai ser usada em outra região. É preciso ter uma visão nacional do sistema e não apenas de cada bacia hidrográfica. Além disso, é preciso conhecer o contexto global e os fenômenos atmosféricos e climáticos que alteram o regime e o volume de chuvas e afetam diretamente a gestão das águas na superfície.
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